Rio das horas
Pedro J. Bondaczuk
O
tempo foi comparado, numa feliz metáfora, pelo poeta Miguel de
Unamuno, a um rio, cujas horas fluem, sem cessar, da inesgotável
fonte do “amanhã eterno” rumo ao oceano da eternidade. Aliás,
comparações, como esta, é que não faltam na (vã) tentativa de
explicar essa coisa abstrata, essa convenção humana e que, no
entanto, paradoxalmente, é tão concreta. Esse é um tema que tem
rendido (e sempre irá render) muitos e muitos textos, das mais
variadas naturezas, a escritores de todas as épocas.
A
mim, por exemplo, já rendeu dois livros: “Lições no Tempo”, de
poesias e “Cronos & Narciso”, de crônicas, o
primeiro dos quais ainda
inédito, que, contudo, pretendo, de uma forma ou de outra (ainda não
sei como), fazer chegar às mãos de um número incontável de
leitores. O assunto está presente em quase tudo o que escrevo, quer
se trate de literatura (ou seja, textos de ficção), quer de
jornalismo. É tema recorrente, inesgotável, perene (como os grandes
rios, Amazonas, Nilo, Mississippi, Reno, Danúbio etc.etc.etc.),
instigante e apropriado tanto à poesia, quanto à reflexão.
Mais
do que uma poética imagem, os versos de Unamuno expressam, com graça
e beleza, uma verdade óbvia, da qual nem sempre nos damos conta.
Como as águas de um rio não retornam da foz à nascente, assim as
horas passadas nunca voltam ao princípio do tempo (existe algum?).
Tentamos,
teimosamente, regressar a um passado supostamente radioso e feliz,
mas em vão. Ele nos é, e sempre será, interdito. É uma façanha
que só se torna possível na fantasia, em ficção (como, por
exemplo, no filme “De volta ao passado” ou congêneres).
Como
não podemos pisar nas mesmas águas de um rio (em cada ponto em que
elas vierem a passar), não temos a mais remota possibilidade de
tornar a viver as horas que já passaram. Embora seja algo para lá
de óbvio (e não estou, esteja certo, menosprezando sua capacidade
intelectual, querido leitor, mas apenas a desafiando) muitos parecem
não entender isso e teimam em tentar parar o tempo. Impossível!
Voltar? Mais impossível ainda!
Não
podemos fazer essa meia volta, esse retrocesso, por nenhum meio ou
qualquer razão. E é bom que assim seja. Queiram ou não, a vida
(nenhuma vida) não tem reprise. Ou seja, não podemos retroceder no
tempo (um bilionésimo de segundo que seja) nem para usufruir das
benesses das coisas boas que vivemos e nem para consertar erros que
cometemos e que nos tragam conseqüências funestas.
O
saudoso humorista
Chico Anysio, num quadro humorístico que tinha, há já vários
anos, no programa “Fantástico”, da Rede Globo, sugeriu, certa
feita, que nossa vida deveria ter um rumo diferente do que tem que,
no seu entender, nos seria mais justo e mais benigno.
Disse
que o ideal seria que, em vez dos anos serem contados a partir do
nosso nascimento até a velhice (como de fato são), essa contagem
pudesse, a partir de um determinado ponto da nossa existência (e
propôs que este marco divisório fosse quando completássemos 40
anos, por exemplo), ser regressiva. Que após o auge da nossa
maturidade, em vez de envelhecer, fôssemos ficando cada vez mais
jovens.
Se
em 2016
estivéssemos com 40 anos, em 20’7
estaríamos com 39; em 2018,
com 38; em 2019
com 37 e, assim, sucessivamente, até retornarmos ao seio de nossa
mãe, então, também, rejuvenescida. Esta, no seu entender (e no
meu, caso houvesse tal possibilidade) seria uma morte gloriosa, digna
da grandeza e transcendência humanas.
Mas
o rio das horas não é assim. Nunca sobe a encosta em direção à
nascente. Flui, implacável, rumo à foz e, posteriormente, ao oceano
da eternidade. Leva, consigo, de roldão, não somente nossas obras,
sonhos, sentimentos e pensamentos e no fim a nós mesmos, como também
famílias, povos, nações, civilizações, planetas, sóis, galáxias
e universos, num infindo processo de renovação.
Os
versos de Miguel de Unamuno a que me referi, citados por Jorge Luiz
Borges no livro “História da Eternidade”, são estes:
“Noturno,
o rio das horas flui
de
seu manancial, que é o amanhã/eterno...”
Deve
haver algum motivo lógico para que as coisas ocorram desta maneira.
Este, todavia, sequer atinamos (e, provavelmente, jamais iremos
entender) qual seja. Faz parte do grande mistério, que é a vida e
tudo o que a cerca e a mantém.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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