Thursday, January 04, 2018

Campinas em festa

Pedro J. Bondaczuk

O mês de julho é repleto de significados para Campinas, por marcar uma série de eventos bastante representativos para a sua população. É nele, por exemplo, que a cidade aniversaria, completando, em 1999, 225 anos de sofrida, mas vitoriosa trajetória. É nesse período, também, que são reverenciadas duas das suas figuras de maior expressão artística, orgulhos de todos os campineiros: o poeta Guilherme de Almeida e o compositor e maestro Antonio Carlos Gomes. Coincidentemente, ambos venceram fora, longe de sua terra natal, por não serem reconhecidos, quando vivos, pelos seus concidadãos.

É certo que a crise econômica e social, que afeta a todos (principalmente a do desemprego, que atinge cerca de 100 mil pais de família entre nós), não predispõe os espíritos de ninguém a comemorações. Campinas está assoberbada por problemas de extrema gravidade, nas áreas da educação, da saúde, da assistência social e, principalmente, da segurança pública. A violência crescente é, hoje em dia, senão a maior, uma das mais graves preocupações do campineiro, às voltas com uma onda perversa de assaltos, roubos e assassinatos, que causam sobressaltos e aflições e aumentam as angústias do dia a dia.

Nesse aspecto, a cidade acompanha aquilo que ocorre em outras metrópoles brasileiras, maiores do que ela, ou do mesmo porte. Boa parte disso decorre do crescimento do tráfico e consumo de drogas, principalmente entre os jovens (e até entre crianças de nove anos ou menos), um dos maiores flagelos enfrentados pela humanidade neste final de século, mal que tem que ser combatido, a ferro e fogo, não apenas pelas autoridades, mas por toda a sociedade. Trata-se de uma guerra que não podemos perder, sob pena de chegarmos a uma situação caótica, incontrolável e sem retorno.

Poucas crises (e o País é campeão delas) assustaram tanto, a tantas pessoas, como a que nos afeta desde meados do ano passado. Mas as pessoas não podem se deixar levar por ela. São necessárias mais ações e menos promessas, ou distorções da realidade (para não dizer mentiras), por parte dos políticos, para recolocar o País nos trilhos e conduzi-lo para o grandioso destino que merece. Este é o momento de se investir na educação, no sentido mais amplo, que não se restrinja ao mero ensino, mas cultive e transmita valores àqueles que muito em breve terão a responsabilidade de conduzir os nossos destinos. Só educando as novas gerações é que poderemos ter alguma esperança de um País melhor e de um mundo mais habitável.

Há que se valorizar as personalidades do passado da nossa comunidade, que nos deixaram um precioso legado, que por incúria, incompetência ou ignorância, corre o risco de desaparecer. Estamos em plena Semana Guilherme de Almeida. No entanto, pouquíssima gente sabe disso. Raros são aqueles, até os de cultura mediana, que conhecem esse poeta ou leram qualquer obra dele. E por que? Porque os meios de comunicação, ou por desinteresse, ou por falta de informação ou por não conseguirem enxergar seu valor, simplesmente se omitiram de falar a seu respeito. O mesmo ocorre, salvo raras e honrosas exceções, com escolas e centros culturais da cidade.

Trata-se de enorme injustiça em relação ao mais vitorioso e sensível escritor que Campinas já produziu, cujos textos, passados 30 anos da sua morte, permanecem mais atuais do que nunca, escritos em linguagem moderníssima e abordando temas do dia a dia de todos nós, posto que universais. As novas gerações têm o direito e a necessidade de conhecer a majestosa obra desse poeta que, sem perder o senso de realidade, soube filtrar, do cotidiano, o outro lado da vida: o nobre, o belo, o bom e o racional.

A mesma cobrança se faz em relação a Carlos Gomes. Os homens especiais, que a cidade produziu, merecem mais do que simples estátuas em praças públicas ou nomes de ruas e avenidas. São credores do nosso respeito eterno e da nossa irrestrita admiração. Uma sociedade sadia sabe conservar as tradições, sem nunca perder de vista o presente. Povo que não tem passado, não tem sequer o direito de aspirar ao futuro. E este não é o caso, estamos certo, do campineiro.

Mas é preciso pôr fim ao marasmo cultural, que vem caracterizando, ultimamente, a cidade, onde as pessoas "colecionam vidros, cuidando que sejam diamantes", parodiando o genial Padre Antonio Vieira. É indispensável que os nossos meios de comunicação e centros de difusão da cultura valorizem, e informem, as ações daquelas pessoas abnegadas, realmente competentes, que geração após geração fizeram e fazem a grandeza desta cidade, em seus 225 anos de existência. É uma questão de justiça e, sobretudo, de bom senso.

(Editorial publicado na Folha do Taquaral na primeira quinzena de julho de 1999)


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