Lições de humanidade 1
Pedro J. Bondaczuk
“A
vida é tragédia para o homem que sente e comédia para o homem que
pensa”. A lúcida observação vai entre aspas, porque não é
nossa, mas do inglês Jonathan Swift, e vem bem a calhar a propósito
de um relativamente recente livro do escritor, jornalista, professor
– com brilhante carreira no magistério oficial (onde alcançou o
cargo de Diretor Regional de Ensino do Estado de São Paulo) –,
advogado militante e membro da Academia Campinense de Letras –
entidade que presidiu com competência, dedicação e criatividade –
Rubem Costa, lançado, se não me engano, em maio de 2005.
Trata-se
de “3 contos de réis e outras histórias” (Editora Komedi de
Campinas), onde o ilustre acadêmico (e amigo) dá continuidade a uma
marcante obra literária, representada por produções como “Cantigas
do Anoitecer”, “Colheita no Tempo” e “Amor: caminhos e
descaminhos”, a que esta coletânea veio a se juntar. De novo, o
escritor desenvolve seu texto ágil, correto e coloquial, desta vez
em outro gênero, diferente dos anteriores, por se tratar de ficção,
sem, com isso, perder a erudição, que possui de sobra, embora seu
estilo seja suave, acessível e elegante, como são e devem ser as
obras fadadas a permanecer.
Na
orelha do livro, Luiz Carlos Ribeiro Borges observa: “Suas
narrativas denotam aquele mesmo sentido de humor, aquela óptica
amargo-irônica com que na obra de Machado de Assis é vista a
humanidade em suas mais diversas configurações – e que foi um de
seus mais preciosos legados a nós outros, seus permanentes
discípulos”. E acrescenta: “Pois os personagens retratados por
Rubem Costa nas mais diversas situações existenciais revelam o
quanto o ser humano é capaz de grandezas e de misérias,
surpreendem-no em sua substancial incoerência, atributo
indissociavelmente inerente à criatura humana, e que a distingue
das demais criaturas vivas”.
O
mestre do verso e da prosa revela-se, pois, neste livro, igualmente
sutil e arguto contista. Júlio Cortazar, no ensaio “Alguns
aspectos do conto”, publicado em 1963, observa: “Um conto é
significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão
de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além
da pequena e às vezes miserável história que conta”. E os
“causos”, narrados com perícia e graça, por Rubem Costa,
apresentam essa característica. Constituem-se, antes e acima de
tudo, em profundas e inesquecíveis lições de humanidade.
O
escritor surpreende os leitores, da primeira à última página,
apresentando personagens marcantes, posto que humildes e comuns em
suas reações e aspirações, como, por exemplo, Pacheco –, do
conto “Sorte Grande” –, que depois de ganhar na loteria, largou
a mulher, Joana, mas morreu em um desastre de avião, sem tempo para
gozar a fortuna subitamente obtida, deixando a esposa milionária.
Como Lico (“O Chevrolet verde”), que mediante sucessivos golpes
de sorte (e de astúcia), enriqueceu. Como o pai do autor (“Envelope
lacrado”), que não se tornou milionário apenas por manter
princípios éticos fundamentais e se recusar a violar
correspondência da lotérica, onde estava um bilhete premiado
devolvido ao Banco do Brasil, por não haver sido vendido Nesta
trilogia (que abre o livro, e que lhe dá o título, “3 contos
(...) de réis”), há, pois, um elo comum, que interliga as três
histórias: a loteria.
Nos
demais contos, Rubem Costa nos apresenta personagens que passariam
despercebidos, se os encontrássemos casualmente nas ruas (e na
vida), aparentemente sem importância ou brilho, mas que se revelam
maiúsculos e despertam intensa ternura quando o autor nos revela
quer sua peculiar personalidade, quer seu inusitado comportamento.
Caracterizam-se tanto por qualidades, quanto por defeitos, que os
tornam marcantes e inesquecíveis. O escritor introduz essa série de
narrativas com a seguinte observação: “A complexa tessitura da
vida faz do existir uma vereda de paradoxos, onde o ser,
movimentando-se em cenário ilimitado é simultaneamente, a um só
tempo, autor e plateia. Influencia e se deixa influenciar. Age,
aplaude, ou condena. É aplaudido e condenado enquanto, no espaço e
tempo que traz consigo, procura desentocar do conflito sua própria
verdade, mesmo que ela tenha apenas o sabor de uma ilusão”.
Nesta segunda parte do livro, Rubem faz desfilar
tipos exóticos, ternos, maquiavélicos, heroicos, vis, etc., mas (e
por isso mesmo) sumamente humanos. Portanto, são verossímeis. Este
é o caso de Pedro (“Um contador de histórias”), por exemplo,
que nunca se recuperou da perda de Teresa, o grande amor da sua vida.
De João Barbosa (“As asas que Deus nos deu”), que roubou uma
bola de um menino e, tempos depois, foi “salvo”, ao morrer
tragicamente em desastre de trem, de ser traído pela mulher,
Iracema, e pela “vítima” do roubo da infância, exatamente por
causa da morte. Do português Antonio Rodrigues Carvalho (“Um porco
por um homem”), apaixonado pela “germânica” Tida. Do telúrico
Trole (“O soldado Trole”), pobre diabo analfabeto, que
encasquetou que queria ser sargento das tropas legalistas, na
Revolução Constitucionalista de 32. De Tato (“O brasão
vermelho”), menino enjeitado, que sonhava em vestir uma camisa azul
de goleiro, com brasão vermelho no peito, e que realizou,
tragicamente, esse sonho. De Manecão (“Era setembro”), que deu a
“volta por cima” depois de abandonado por Deolinda, o grande amor
de sua vida. E, principalmente, do surpreendente “Aleixo-Desleixo”
(“Um sorriso enigmático”), da história que encerra essa
magnífica coletânea de tipos, enredos e situações.
John
Updike observa, no romance “O Encontro”, através de um dos seus
personagens, que “as palavras, quaisquer palavras, são o modo de
darmos a alguém parcela de nós próprios”. E essa doação se
torna muito, mas muito mais importante, e até transcendental, quando
o que é dito, ou, principalmente, quando o que é escrito, se
reveste, simultaneamente, de sabedoria e simplicidade. Assim é a
obra, em prosa e verso, de Rubem Costa. Assim são as lições deste
mestre de humanidade.
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