A maior tentação
Pedro J. Bondaczuk
A
tentação sempre foi algo que me intrigou, afligiu, mas fascinou. Há
anos que reflito a respeito, embora nunca antes tenha escrito nenhum
texto a propósito, quer do ponto de vista religioso, quer do
filosófico e do comportamental. De acordo com o relato bíblico, foi
por se deixar levar por ela que o casal original, Adão e Eva, perdeu
a inocência e acabou expulso do Éden, por haver desobedecido a uma
expressa e peremptória ordem divina.
O
cristianismo praticamente esgotou o tema, apontando várias maneiras
de resistência quando nos virmos tentados a praticar o mal. Jesus
Cristo, antes de iniciar sua missão na Terra, foi tentado, por
quarenta dias consecutivos, no deserto e resistiu à tentação.
Mostrou, pois, que a resistência não apenas é possível, como se
constitui no suprassumo da virtude. É escusado, no entanto,
ressaltar a dificuldade de resistir aos apelos da necessidade e,
sobretudo, da cobiça.
Creio
que você, leitor amigo, já passou por inúmeras situações em que
foi compelido a fazer – não importa o motivo – o que não
deveria. É provável que tenha resistido a esses apelos íntimos
várias vezes, não importa o por quê: se por medo das conseqüências
ou por ser virtuoso ou por outra razão qualquer. Mas é tão certo
quanto dois mais dois são quatro que, em outras tantas ocasiões
(quem sabe, diariamente), não teve como resistir. E se deixou
induzir, por sua própria mente, ao erro.
Ao
refletir sobre o assunto, quase sempre sou tentado a concordar com
George Bernard Shaw, quando diz: “A virtude não passa de tentação
insuficiente”. Pelo menos é o que concluo das minhas próprias
atitudes, quando minhas fraquezas me levam a infringir alguma norma
legal ou, sobretudo, moral.. Afinal, não tenho como julgar o que se
passa no íntimo das outras pessoas, embora intua que a maioria não
é nem um pouco melhor do que eu, nesse aspecto. E talvez até seja,
mesmo, pior, sei lá.
Uma
das melhores (pelo menos mais claras) definições de tentação foi
a que encontrei na enciclopédia virtual Wikipédia, que a
caracteriza como “o sentimento que alguém tem quando deseja tomar
uma atitude que contraria seus valores e crenças”. Os dicionários
definem-na como “atração por coisa proibida; movimento íntimo
que incita ao mal; desejo veemente; disposição, impulso para a
prática de ações condenáveis”.
Engraçado
que ninguém é tentado a fazer o bem. Ninguém é compelido
irresistivelmente pela consciência a ajudar quem necessite, a
consolar os aflitos, a orientar os desencaminhados, a ensinar os
néscios, a conduzir os sem rumo nos caminhos do bem e da justiça, a
salvar quem quer que seja etc. etc.etc. Confúcio já dizia a
propósito, alguns séculos antes do nascimento de Cristo: “O ser
humano tem a perversa tendência de transformar o que lhe é proibido
em tentação”. Ou seja, em objeto de desejo.
Nesse
aspecto, é bastante reveladora a letra da canção, popularizada nos
anos 60 por Roberto Carlos, que em certo trecho diz:
“porque
tudo aquilo que é bom
é
ilegal,
imoral
ou
engorda”.
Ou
seja, nos é interdito. Desperta-nos, não raro, irresistível
tentação que, a rigor, em si, não encerra mal algum. O lado
perverso é quando nos deixamos levar por ela e fazemos o que não
deveríamos ter feito. Se a resistirmos, daremos prova de grande
virtude. Portanto, intrinsecamente, trata-se de uma oportunidade que
temos de sermos virtuosos e não moralmente tíbios.
Claro
que o melhor que pode nos acontecer é nunca sermos tentados.
Pergunto, contudo: isto é possível? Há alguém que possa se ver a
salvo, mesmo que por um reles e escasso dia, desse “desejo
veemente”, “desse impulso para a prática de ações
condenáveis”? Claro que não! Jesus Cristo recomendou-nos, como
oração ideal, o “Pai Nosso”. E o ponto central dessa prece é o
que diz: “não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal”.
Portanto, esse impulso é tão forte, que só com a ajuda divina
podemos nos livrar dele. Isso, claro, se nosso apelo for atendido.
Caso não o seja…
Antonio
Vieira, em uma de suas cartas, reunidas em um precioso volume, faz
essa reflexão a respeito: “Não sei qual a maior tentação, se a
necessidade, se a cobiça”. No caso da alegoria bíblica de Adão
e Eva, foi o segundo fator. O casal primitivo teve a tola presunção
de se tornar onisciente. Daí ter se arriscado a desobedecer o
Criador, comendo justo o único fruto que lhe fora proibido: o da
árvore da “ciência do bem e do mal”. Com isso, perdeu a
inocência e o Paraíso.
Claro
que a necessidade é poderosa e constante fonte de tentação. Mas a
partir do momento em que nos vemos tentados a se apossar de um bem
alheio, por exemplo, não é ela que fala mais alto. Até porque,
sempre temos algum recurso, que não a burla das normas legais e/ou
morais, para suprir nossas carências. A partir do momento que
escolhemos o caminho que nos parece o mais fácil (e que nunca é), o
que nos move é, de fato a cobiça. Ou estou enganado?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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