Saturday, January 20, 2018

A maior tentação

Pedro J. Bondaczuk

A tentação sempre foi algo que me intrigou, afligiu, mas fascinou. Há anos que reflito a respeito, embora nunca antes tenha escrito nenhum texto a propósito, quer do ponto de vista religioso, quer do filosófico e do comportamental. De acordo com o relato bíblico, foi por se deixar levar por ela que o casal original, Adão e Eva, perdeu a inocência e acabou expulso do Éden, por haver desobedecido a uma expressa e peremptória ordem divina.

O cristianismo praticamente esgotou o tema, apontando várias maneiras de resistência quando nos virmos tentados a praticar o mal. Jesus Cristo, antes de iniciar sua missão na Terra, foi tentado, por quarenta dias consecutivos, no deserto e resistiu à tentação. Mostrou, pois, que a resistência não apenas é possível, como se constitui no suprassumo da virtude. É escusado, no entanto, ressaltar a dificuldade de resistir aos apelos da necessidade e, sobretudo, da cobiça.

Creio que você, leitor amigo, já passou por inúmeras situações em que foi compelido a fazer – não importa o motivo – o que não deveria. É provável que tenha resistido a esses apelos íntimos várias vezes, não importa o por quê: se por medo das conseqüências ou por ser virtuoso ou por outra razão qualquer. Mas é tão certo quanto dois mais dois são quatro que, em outras tantas ocasiões (quem sabe, diariamente), não teve como resistir. E se deixou induzir, por sua própria mente, ao erro.

Ao refletir sobre o assunto, quase sempre sou tentado a concordar com George Bernard Shaw, quando diz: “A virtude não passa de tentação insuficiente”. Pelo menos é o que concluo das minhas próprias atitudes, quando minhas fraquezas me levam a infringir alguma norma legal ou, sobretudo, moral.. Afinal, não tenho como julgar o que se passa no íntimo das outras pessoas, embora intua que a maioria não é nem um pouco melhor do que eu, nesse aspecto. E talvez até seja, mesmo, pior, sei lá.

Uma das melhores (pelo menos mais claras) definições de tentação foi a que encontrei na enciclopédia virtual Wikipédia, que a caracteriza como “o sentimento que alguém tem quando deseja tomar uma atitude que contraria seus valores e crenças”. Os dicionários definem-na como “atração por coisa proibida; movimento íntimo que incita ao mal; desejo veemente; disposição, impulso para a prática de ações condenáveis”.

Engraçado que ninguém é tentado a fazer o bem. Ninguém é compelido irresistivelmente pela consciência a ajudar quem necessite, a consolar os aflitos, a orientar os desencaminhados, a ensinar os néscios, a conduzir os sem rumo nos caminhos do bem e da justiça, a salvar quem quer que seja etc. etc.etc. Confúcio já dizia a propósito, alguns séculos antes do nascimento de Cristo: “O ser humano tem a perversa tendência de transformar o que lhe é proibido em tentação”. Ou seja, em objeto de desejo.

Nesse aspecto, é bastante reveladora a letra da canção, popularizada nos anos 60 por Roberto Carlos, que em certo trecho diz:

“porque tudo aquilo que é bom
é ilegal,
imoral
ou engorda”.

Ou seja, nos é interdito. Desperta-nos, não raro, irresistível tentação que, a rigor, em si, não encerra mal algum. O lado perverso é quando nos deixamos levar por ela e fazemos o que não deveríamos ter feito. Se a resistirmos, daremos prova de grande virtude. Portanto, intrinsecamente, trata-se de uma oportunidade que temos de sermos virtuosos e não moralmente tíbios.

Claro que o melhor que pode nos acontecer é nunca sermos tentados. Pergunto, contudo: isto é possível? Há alguém que possa se ver a salvo, mesmo que por um reles e escasso dia, desse “desejo veemente”, “desse impulso para a prática de ações condenáveis”? Claro que não! Jesus Cristo recomendou-nos, como oração ideal, o “Pai Nosso”. E o ponto central dessa prece é o que diz: “não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal”. Portanto, esse impulso é tão forte, que só com a ajuda divina podemos nos livrar dele. Isso, claro, se nosso apelo for atendido. Caso não o seja…

Antonio Vieira, em uma de suas cartas, reunidas em um precioso volume, faz essa reflexão a respeito: “Não sei qual a maior tentação, se a necessidade, se a cobiça”. No caso da alegoria bíblica de Adão e Eva, foi o segundo fator. O casal primitivo teve a tola presunção de se tornar onisciente. Daí ter se arriscado a desobedecer o Criador, comendo justo o único fruto que lhe fora proibido: o da árvore da “ciência do bem e do mal”. Com isso, perdeu a inocência e o Paraíso.

Claro que a necessidade é poderosa e constante fonte de tentação. Mas a partir do momento em que nos vemos tentados a se apossar de um bem alheio, por exemplo, não é ela que fala mais alto. Até porque, sempre temos algum recurso, que não a burla das normas legais e/ou morais, para suprir nossas carências. A partir do momento que escolhemos o caminho que nos parece o mais fácil (e que nunca é), o que nos move é, de fato a cobiça. Ou estou enganado?



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