Dogma e Constituição
Pedro J. Bondaczuk
A revisão constitucional –
cujos trabalhos seguem a passo de tartaruga – trouxe de novo à
baila a polêmica sobre se as Constituições devem ser declaratórias
(ou seja, detalhadas ao máximo) ou se restritas, como a
norte-americana, com apenas sete artigos e 27 emendas em mais de dois
séculos de vigência.
As que adotam este último
modelo, remetem à legislação complementar o detalhamento dos
princípios fundamentais nelas contidos. A própria Carta Magna
contém, apenas, as diretrizes básicas gerais para reger a
organização do Estado, as relações deste com os cidadãos e as
destes entre si.
De nossa parte, preferimos o
meio-termo. Defendemos Constituições que preceituem, com clareza,
sem nenhuma dubiedade que permita interpretações conflitantes, as
normas essenciais de uma sociedade complexa, como a brasileira, sem
descambar para a redundância, para a repetitividade ou até para a
contradição, como a atual, vigente no País desde 5 de outubro de
1988.
O jurista Saulo Ramos,
recentemente, publicou um interessante artigo, mostrando algumas
“pérolas” de imprecisão no atual texto constitucional,
defendido com unhas e dentes pelos que se opõem à sua revisão.
Conclui-se que os defensores do status quo ou não leram a Carta
Magna ou, se o fizeram, não entenderam nada. Ao homem público cabe,
sobretudo, ser prático.
Se algo não está
funcionando, se é inadequado ou então obscuro, e se está nas suas
possibilidades alterar para melhor esses dispositivos, por que não o
fazer? Por que se aferrar a um dogmatismo insensato ou não adequar o
texto constitucional à própria realidade nacional, às
transformações de costumes e de procedimentos da sociedade?
A Grã-Bretanha, por exemplo,
uma das democracias antigas e exemplares do mundo, não possui,
virtualmente, uma Constituição escrita. Tem um elenco de leis,
consagrando velhos costumes (“legislação consuetudinária”),
respeitada pela população, porquanto emanou dela diretamente. Seus
representantes no Parlamento apenas normatizam o “fato consumado”.
Apesar disso, as instituições
do país funcionam. Os cidadãos têm seus direitos assegurados e
protegidos, há nítida divisão de poderes e os ingleses não
precisam ser convocados, como aqui, a cada 20 anos em média, para
eleger constituintes com a tarefa de elaborar novos textos
constitucionais.
É incompreensível, portanto,
a celeuma existente no Brasil em torno da revisão. Se os
dispositivos atuais estiverem funcionando, não há porque mudar. Mas
se houver algum que atrapalhe o funcionamento normal das instituições
– e há vários entraves à governabilidade que não cabe mencionar
neste espaço – que estes itens imperfeitos sejam mudados. Por que
não?!
Uma Constituição ideal, no
nosso entender, deveria conter, no máximo, cem artigos e não 232
(sem contar os 70 das Disposições Transitórias) da atual. O
Conselho Brasil-Nação, integrado por empresários, juristas e
pessoas que acreditam na viabilidade do País, concluiu, em 30 de
setembro de 1993, um anteprojeto constitucional que conviria ser
discutido pela sociedade e, principalmente, ser apreciado pelos
congressistas. Foi fruto de mais de dois anos de estudos e de debates
acerca de quais seriam os objetivos nacionais.
Para o quê existe a Nação
brasileira? O que pretendemos, em termos de sociedade? Como atingir
esses objetivos? São, principalmente, respostas para estas perguntas
que os 96 artigos do anteprojeto procuram dar. Isso não quer dizer
que a Constituição brasileira deva, necessariamente, ser esta. Mas
é sumamente saudável e gratificante esta preocupação da cidadania
sobre tema de tamanha relevância. Essas sugestões deveriam, no
mínimo, ser analisadas com carinho pelo Congresso revisor, que passa
a impressão de não contar com nenhuma diretriz para orientar o seu
trabalho.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 8 de dezembro de 1993)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk,
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