Realidade virtual
Pedro J. Bondaczuk
A
moderna tecnologia desenvolveu, com o advento da informática, um
processo --- que para uns é uma espécie de droga eletrônica e para
outros mágico estímulo à imaginação, capaz de revolucionar as
artes e a maneira do homem encarar o que o cerca --- que faz as
pessoas conviverem com uma dose cavalar de fantasias. Refiro-me à
chamada "realidade virtual".
Há
quem a encare como simples modismo, como tantos outros. Em
contraposição, muitos creem que em vez de desaparecer, ela não
terá limites. Essa ilusão de óptica é possível dada a
fragilidade, o restritíssimo alcance e a baixa capacidade dos
sentidos, através dos quais o indivíduo se relaciona com o mundo
material em que vive e com o universo em que está inserido. Sem
instrumentais adequados, toda a realidade é apenas virtual, dada a
pequenez humana. E mesmo com os existentes, tidos como sofisticados,
o homem nunca terá acesso ao que é real, mas apenas ao que "parece"
ser.
Os
sentidos enganam. As informações que transmitem ao nosso cérebro
são ilusórias. Por exemplo, a mesa em que estou trabalhando, parece
um objeto absolutamente sólido. Bato com o nódulos dos dedos contra
o seu tampo e é essa a impressão, diria a certeza, que tenho. A
superfície é perfeitamente rígida. Não cede ao contato. Resiste à
pressão que faço. Meus dedos não penetram nela.
No
entanto, se tomarmos um pedaço desse objeto e o colocarmos sob um
microscópio que o aumente milhares de vezes, perceberemos o quanto
estávamos iludidos. A rigidez desaparece. O objeto se mostra formado
por uma infinidade de átomos, separados entre si por distâncias
proporcionalmente imensas, como os vazios que há entre uma estrela e
outra. A olho nu não conseguimos captar o universo infinitamente
pequeno. E mesmo com instrumentais crescentemente sofisticados essa
façanha nos é vedada.
Com
o microscópio original, inventado no século XIII, a ilusão da
rigidez da matéria começou a ruir. Mas os pesquisadores entendiam
que haviam atingido o limite da pequenez. Trezentos anos depois, com
o aperfeiçoamento desse instrumento, por parte do holandês Antonius
van Leuwenhoek, perceberam que mais uma vez foram enganados pelos
sentidos.
Desde
então, o homem passou a empreender uma viagem cada vez mais profunda
ao âmago da matéria. Os microscópios eletrônicos foram ficando
mais e mais potentes, aumentando não mais em milhares de vezes os
objetos, mais em milhões e em bilhões. Os limites do minúsculo
foram incrivelmente expandidos e o são continuamente. Provavelmente
estão no infinito.
O
mesmo raciocínio vale para o universo. Aí, as dificuldades são
ainda maiores. O homem consegue captar o que está no ângulo de
observação dos instrumentos que fabrica. E esbarra na infinitude do
tempo e do espaço. As distâncias universais são tremendamente
grandes. Observando o céu, em uma noite estrelada, temos o vislumbre
de uma realidade virtual e nada mais.
O
firmamento é mero "registro" vivo da história universal e
assim mesmo de um reduzidíssimo "episódio". A origem do
universo tem sido expandida, em termos temporais, sucessivamente, a
cada nova descoberta. Hoje, o período aceito do suposto "Big
Bang" original é de 16 bilhões de anos. É possível que seja
o dobro, o triplo ou sabe-se lá que múltiplo desse tempo.
As
estrelas que "vemos" estão tão distantes, que sua luz foi
emitida a milhares, milhões e muitas vezes bilhões de anos e está
chegando à nossa retina somente agora. Parte considerável delas
sequer existe mais. Aliás, o homem somente teve acesso a essa
"ilusão de óptica" com maior profundidade a partir do
século XVI, com a invenção, por parte de Galileu, do telescópio.
E conseguiu tornar as imagens celestes mais claras a partir do
lançamento do Hubble, no fim da década de 0 do século XX.
Paul
Virílio nos lembra: "Nossos sentidos não percebem nada de
extremo. Barulho demais nos deixa surdos. Luz demais nos ofusca. As
quantidades extremas nos são inimigas. Não sentimos mais,
sofremos". Como, com instrumentos tão frágeis, ousamos falar
em "real"? Só pode ser, mesmo, em sentido absolutamente
figurado. O que percebemos, conforme o exposto, não passa desse
eufemismo paradoxal que se convencionou chamar de "realidade
virtual". Ou seja, do que parece ser, mas não é...
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