Wednesday, January 31, 2018


Penas ao vento

Pedro J. Bondaczuk

A mania de falar da vida dos outros é, provavelmente, tão antiga quanto o próprio homem. E em geral, fala-se mal. Poucas vezes ouvi alguém elogiando quem quer que fosse pelas costas. E não há rodinha de amigos, seja onde for (quer no Uzbequistão, Uganda, Vietnã, Equador etc. ou quer no Brasil), em que a vida de alguém não seja objeto de crítica, de mofa ou de maldosas insinuações.

É o que o povo costuma chamar de “fofoca”. Há, praticamente em todo o bairro de qualquer cidade, figuras, até lendárias, das famosas “fofoqueiras” de plantão. Isso não quer dizer, claro, que só as mulheres pratiquem esse inútil, mas tão corriqueiro “esporte”. Quando se trata de deitar falação sobre pequeninos defeitos alheios, isso nem tem maiores consequências (em geral, nenhuma). Mas quando se entra no pantanoso terreno da moral... O procedimento descamba da simples maledicência para algo gravíssimo, como a injúria, a calúnia e/ou a difamação.

Se a vítima for um pouco mais esquentada e se o que se disser dela for extremamente ofensivo, o autor (ou autores) pode ter que responder por seus atos na justiça. Ou seja, pode levar um baita de um processo judicial nas costas. Em geral, essas ações acabam não dando em nada e apenas engordando as contas bancárias dos advogados. Ainda assim, trazem enormes aborrecimentos para os réus, que poderiam ser evitados se estes resistissem à tentação de fofocar e mantivessem a boca fechada.

Noventa e nove por cento das fofocas que se fazem por aí têm um teor, diria, “sexual”. Referem-se, por exemplo, a dúvidas sobre a masculinidade da vítima (ou a existência dela, quando se trata de mulher), a insinuações sobre traições conjugais (e no caso o traído é que sempre se torna vítima de chacota, como se tivesse cometido um ato imoral, quando, na verdade, quem deveria merecer a reprovação social seria a “corneadora” e não o corno) e sobre a “galinhagem” de fulano, sicrana e ou beltrana.

Não é isso o que o leitor ouve, dezenas de vezes por dia, no trabalho, nos bares, nas filas de ônibus, do cinema, ou de consultórios ou, não raro, em sua própria casa? Claro que é! O engraçado é que o fofoqueiro nunca admite que o é. E mais, sente-se sumamente ofendido quando é chamado por essa designação. Provavelmente, sequer tem consciência de que merece plenamente esse rótulo.
A esse propósito, ouvi e li centenas de versões sobre o episódio de “Maomé e as penas”, cada qual atribuído a um autor diferente. Cito, porém, a que li mais recentemente, num artigo escrito por Clarence W. Hall (para mencionar uma fonte, já que a versão não é minha e não quero me apropriar, indevidamente, dela).

Escreve o citado jornalista norte-americano: “Quando um vizinho perguntou a Maomé como poderia penitenciar-se por haver acusado falsamente um amigo, foi aconselhado a colocar uma pena de ganso em cada porta da aldeia. No dia seguinte, Maomé disse: ‘Agora vá recolher as penas’. O homem protestou: ‘Mas isso é impossível! Ventou a noite inteira e as penas foram irremediavelmente espalhadas’. ‘Exatamente – respondeu Maomé – o mesmo aconteceu com as palavras irrefletidas que você pronunciou contra o seu vizinho’".

Isso ilustra bem os males que uma acusação falsa, ou uma simples e aparentemente inocente fofoca, causam. Ela se espalha com rapidez estonteante e, a cada nova versão, aumenta de tamanho (e de gravidade). Afinal, “quem conta um conto...”. Temos a mania de sempre aumentar o que ouvimos de alguém, quando o reproduzimos para uma outra pessoa.

A esse propósito, a atitude mais honesta que se deve tomar é a recomendada pelo escritor britânico Ronald Victor Courtney Bodley, no livro “Em busca da Serenidade”: “Cada vez que ouço uma história sensacional à custa de alguém, tento avaliar a mentalidade e os motivos de quem a conta, e deixo de levar em consideração tudo o que foi dito, ou procuro descobrir o que foi que começou a lenda. Faça também isso, antes de julgar precipitadamente o assunto da maledicência”.

O certo é agir assim, sem dúvida, mas você conhece alguém que o faça? Eu não conheço. Por mais séria que seja uma pessoa, ao ouvir alguma fofoca numa roda de amigos, jamais interrompe o fofoqueiro para defender a vítima. Está pouco se lixando quanto à verdade do que está sendo dito. Diverte-se, como todo mundo, rindo, quando a história é engraçada, e se indignando, quando o suposto ato da vítima, narrado (e aumentado, claro) por quem faz a fofoca, é digno de reprovação (caso verdadeiro, mas quase nunca é).

Abro, aqui, um parêntese para fazer ligeira observação sobre Bodley. Pela lógica, ele é que deveria ter escrito o episódio de “Maomé e as penas”. Afinal, trata-se de um especialista sobre cultura islâmica. Entre os seus livros mais conhecidos, estão “O Mensageiro – a Vida de Maomé” e “Ventos do Saara”, ambos traduzidos para o português e lançados no Brasil. Estranhamente, porém, não reproduziu essa parábola.

A mania de falar mal da vida dos outros é, portanto, não só tão velha, como o próprio homem, mas universal. Ninguém nunca conseguiu e jamais vai conseguir acabar com a fofoca. O que os fofoqueiros de plantão – da China à Suécia, dos EUA ao Afeganistão, da Argentina ao Laos etc,etc,etc. – devem, pois, é maneirar no teor das suas banais maledicências. E não se zangar quando forem as vítimas. Afinal (já que usei vários clichês usarei mais um), “quem com ferro fere....com ferro será ferido”.

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