Decisões por acaso
Pedro J. Bondaczuk
O
homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério...
Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior deles, que é o da
natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do
cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos
lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim
empíricas, sujeitas a mudanças ao sabor dos acontecimentos.
Uma
das discussões que mais venho ouvindo, há anos, desde a meninice
(que já vai tão distante) e às vezes participando – mais como
exercício retórico, já que não vou convencer ninguém e nem ser
convencido pelos outros a esse propósito – é a que se refere
àquilo que se convencionou chamar de "destino".
Neste
caso, a palavra não é interpretada com a conotação de "direção
a seguir", mas de "determinismo". Nasceríamos com
nossa trajetória totalmente traçada, segundo a segundo, fato a
fato, episódio a episódio, com tudo decidido quanto ao local de
nascimento, às condições social, mental e emocional que
ostentamos, ao temperamento que possuímos, aos relacionamentos que
estabelecemos, à profissão que exercemos, ao sucesso ou insucesso
que alcançamos e ao tempo de existência?
Muitos
acreditam que sim. Para esses, de nada vão adiantar nossos esforços
para modificar nosso "destino". Este já estaria traçado
(onde? nas estrelas? nos nossos genes? na nossa mente?). Não vejo
nenhuma lógica nessa crença. Por intuição, sem apelar para a
racionalidade e nem me ater ao princípio religioso do livre
arbítrio, acredito que nada disso, ou nada de nada, é
predeterminado, pré-traçado, previsto em nossa existência.
Temos
que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia
com atos e fatos, com obras e ideias, como paixão e emoção. Claro
que não posso provar essa afirmação. Mas os deterministas, os
partidários do fatalista "maktub" ("estava escrito")
também não podem. Nesse aspecto estamos em pé de igualdade. Daí a
inutilidade da discussão a respeito.
Certeza
mesmo ninguém tem e nem nunca terá nem a esse propósito e nem
sobre coisa alguma. Somos, isto sim, "atropelados" pelo
acaso, pelos acontecimentos aleatórios e sem controle a qualquer e a
todo o momento. Este, sim, nos torna vencedores ou perdedores, ou até
mesmo nos mata na primeira esquina, num campo de futebol, em um
restaurante, no nosso local de trabalho ou em nossa casa, em nosso
banheiro, em nossa sala, em nossa cozinha, em nosso quarto, em nossa
cama...
Conheci
casos de pessoas muito pobres, que durante anos lutaram pela
sobrevivência "comendo o pão que o diabo amassou".
Subitamente, ganharam uma fortuna na loteria. Obra do destino? Muitos
entendem que sim. Eu acho que não. Pois bem, quando essas pessoas,
com esse súbito "bafejo da sorte", poderiam, finalmente,
"viver", acabaram colhidas pela fatalidade e morreram de um
enfarte fulminante.
Seria
o destino? Mas quem teria traçado? Qual o ente de tanto poder que
seria tão cruel a ponto de colocar seres humanos nestes extremos da
necessidade, do desejo, da agonia, da alegria e da morte? Deus?
Impossível! Se o fizesse, não seria uma divindade dotada da suprema
bondade e da máxima justiça que são seus atributos. O Diabo?
Sequer se tem certeza de sua existência.
Foi
o acaso... Este é cego e não discrimina ninguém, para o bem e para
o mal. É o mesmo que às vezes determina a salvação de indivíduos
desenganados pelos médicos e que subitamente se curam, sem nenhuma
explicação lógica, racional. Milagre? Trata-se de simples palavra
utilizada quando se quer explicar o que racionalmente não tem
explicação. Mas é também o acaso quem fulmina os que "vendem"
saúde, são atletas perfeitos, sem nenhuma doença ou deficiência,
que na teoria poderiam ter vida centenária e que morrem subitamente.
Destino? Não! Acaso!
Jorge
Luís Borges, com a experiência dos que viveram muitos anos e
acumularam sabedoria – não a livresca que se recita como papagaio,
mas aquela proveniente da vivência e da experiência – constatou,
no livro "Elogio da sombra – um ensaio autobiográfico",
no capítulo intitulado "Uma oração": "Desconhecemos
os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e
agir com justiça é ajudar a esses desígnios, que não nos serão
revelados".
E
não serão mesmo. Aliás, o homem não sabe de coisa alguma com
certeza. O que denomina de ciência é um conjunto de hipóteses para
explicar fenômenos que se repetem em determinadas condições. Tais
explicações podem ou não ser verdadeiras, embora em geral sejam
convincentes. Teorias ditas científicas, postas como dogmas num
passado não muito remoto, hoje são objetos de mofa.
Uma
delas, por exemplo, é a da geração espontânea, na falta de
explicação para determinadas doenças. Louis Pasteur, no entanto,
derrubou-a. Descobriu a existência de seres microscópicos, vírus e
bactérias, e revolucionou a medicina. O que é tido como absoluta
verdade hoje, provavelmente num futuro, remoto (ou próximo, não
importa), será igualmente risível. Destino? Não! Acaso,
simplesmente...
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