Esforços frutíferos
Pedro J. Bondaczuk
A
vida, sobretudo a humana, consiste, em sua maior parte, de
atividades, quer as físicas, quer intelectuais, quer ambas,
simultaneamente. Despendemos, diariamente, uma carga imensa,
incontável, de esforços, para andar, falar, trabalhar, copular,
brigar ou jogar, não importa. Uns, esforçam-se mais, por serem ou
mais fortes ou mais ativos, outros menos, por deficiências orgânicas
ou temperamento. Mas todos, de uma maneira ou de outra, fazem força
o tempo todo. Até durante o sono, sem que percebamos, nos esforçamos
muito. Nosso corpo não foi projetado para a inércia, mas para a
atividade.
Há,
porém, os que entendem que os esforços devem ser, sempre, dirigidos
e seletivos, ou seja, objetivos, caso contrário serão considerados
inúteis, mera perda de tempo e de energia. Contesto os que pensam
assim. Não vejo inutilidade alguma, e muito menos desperdício, em
atividade alguma, desde que não seja 24 horas por dia, 30 dias no
mês e 12 meses ao ano a mesmíssima, o que, claro, é impossível.
Portanto...
Esforçar-se,
em última análise, é viver. Só não faz esforço algum,
obviamente, aquele que já morreu. E por que? Somente porque não
conta mais com aquele “motor” que empresta dinamismo e vigor aos
seres vivos. Por isso, entra em rápido processo de decomposição.
Essa constatação parece para lá de óbvia, mas nunca é demais
repeti-la, pois muitos parecem que não a entendem, ou relutam em
entender.
Concordo
plenamente com o sociólogo francês, Roger Caillois, quando afirma:
“Não existem esforços inúteis”. E arremata: “Sísifo ganhava
músculos”. Esse estudioso do comportamento, que morreu em 1978,
aos 65 anos de idade, foi autor de um livro que até hoje corre o
mundo e que na versão brasileira recebeu o título de “Os homens e
os jogos”. Nele, aborda a necessidade humana de “brincar”.
Caillois estendeu e completou seus estudos a respeito em outra obra,
igualmente best-seller, intitulada “Homo Ludens”. Sim, amigos,
jogar é, desde sempre, mais do que diversão, necessidade humana.
Não
vou ser chato de expor os argumentos do sociólogo (aliás
irretorquíveis), para não tirar o gostinho do leitor de consultar,
por si só, os dois livros que citei. É leitura que recomendo a
todos, especialmente aos amantes de “games”, que têm em Callois
um grande defensor.
A
propósito, muita gente talvez não se lembre quem foi Sisifo, que o
pesquisador francês afirmou que “ganhava músculos” com sua
atividade. Qual era ela? Quem foi esse personagem? Para quem não
sabe (e não é feio não saber, mas o não querer aprender), informo
que se trata de intrigante personagem da mitologia grega. Filho do
rei Eólo e da rainha Enarete, era considerado o mais astuto dos
mortais. Tanto, que enganou, em ocasiões diferentes, praticamente a
totalidade dos deuses do Olimpo.
Sua
esperteza era tamanha, que mesmo assim, descontentando os senhores
dos destinos humanos, morreu de velhice. Aí, porém, foi que começou
o seu drama (e que drama!). Sua alma foi conduzida, por Hermes, ao
Hades e Zeus, o senhor supremo do Olimpo, atribuiu-lhe um castigo
sem-fim, ou seja, para toda a eternidade.
E
qual foi a tal punição? Foi a de rolar, com as mãos, uma enorme
pedra de mármore, montanha acima, até o cume. Fácil, não é
mesmo? Muita calma, afoito leitor. O castigo não era tão simples.
Todas as vezes que Sisifo estava quase alcançando o topo, o pesado
bloco rolava ladeira abaixo, até o ponto de partida, por meio de uma
força irresistível: a da gravidade. E ele tinha, então, que
recomeçar tudo outra vez, sempre e sempre, com o mesmíssimo
resultado.
Por
isso que todas as vezes que alguém quer se valer de uma metáfora,
para ilustrar alguma tarefa inútil e infrutífera, se refere ao tal
“Trabalho de Sísifo”. Caillois, contudo, argumenta que até esse
esforço tinha algum proveito. “Qual?”, perguntaria o leitor
desatento. “Ganhava músculos!”, responde o sociólogo francês.
Há
algum desperdício de energia, por exemplo, numa caminhada, numa
pelada com os amigos, num passeio de bicicleta, numa partida de
frescobol na praia ou num simples jogo de peteca? Se não fizermos só
isso, o tempo todo, mas também trabalharmos, andarmos, falarmos,
copularmos, jogarmos etc., tudo a seu devido tempo e na dosagem
adequada, não há nenhuma inutilidade nesses atos.
Na
pior das hipóteses, estaremos, como Sísifo, “ganhando músculos”,
quando não alguns anos de vida a mais. E isso não é precioso?
Esses esforços, pois, não estarão sendo frutíferos? Claro que
sim! Perguntem a qualquer médico!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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