A poesia sai dos livros
Pedro J. Bondaczuk
O
poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu, em certa ocasião, que “a
poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais”. “Mas como?”,
pergunto aos meus botões, conhecendo, como poucos, o teor do
noticiário diário (afinal, sou e sempre fui editor), com seu
desfile de taras, velhacarias, aberrações, violências e tensões.
Seria
mesmo assim ou o poeta estaria forçando a barra? Onde a beleza, por
exemplo, dos ataques terroristas em várias cidades europeias, com
vítimas absolutamente inocentes que nada têm a ver com as
reivindicações dos grupos que recorrem a esse covarde expediente?
Como
vislumbrar poesia na fome, no abandono, na depredação da natureza
etc.etc.etc? Ocorre que, mesmo nessas distorções, há vida.
Certamente Drummond quis referir-se a ela, quando fez essa espécie
de desabafo.
Talvez
o poeta de Itabira tenha pretendido fazer uma critica a muitos que
posam como poetas e que, no entanto, escrevem um monte de besteiras,
linhas e mais linhas eivadas de pornografia barata e de palavras
desconexas, muitas, inclusive, grafadas erradas, que entendem por
poesia.
E
há tolos que aplaudem, babando, essas garatujas, feitas para enganar
trouxas, e consideram seus autores como gênios, talvez reencarnações
de Camões, de Fernando Pessoa, de Manuel Bandeira ou de Vinícius de
Moraes. Questão de gosto! Ou, para sermos mais precisos, de falta
dele. O que fazer?
Mas
os jornais não têm somente notícias, mas também opiniões e
crônicas. Nestas últimas, sim, há poesia, principalmente se o
cronista é bom. Textos de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando
Sabino, Lourenço Diaféria, do próprio Drummond, de Henrique
Pongetti, Rachel de Queiroz etc.etc.etc. nunca cansavam (e nem
cansam, quando relidos). Não ferem o senso crítico e,
simultaneamente, agradam à sensibilidade.
Suas
crônicas, imortalizadas em livros e antologias (e hoje, na
internet), que muitas vezes abordam temas pungentes e dramáticos,
não irritam, não agridem e não chateiam. Pena que desapareceram
dos jornais, com a morte desses sublimes cronistas.
Já
não temos mais, por exemplo, além dos mencionados, um Vinicius de
Moraes. Há meio século estamos privados do humor inteligente de
Sérgio Porto, que assinava seus textos com o pseudônimo de
Stanislaw Ponte Preta.
Guilherme
de Almeida, e seus deliciosos “Ecos ao longo dos Meus Passos”,
desapareceram com o poeta. Rubem Braga e Fernando Sabino deixaram de
nos deliciar com suas historietas saborosas e às vezes hilariantes.
Quem não se lembra de “O Homem Nu”, transformado em livro e até
em filme? Qualquer pessoa está sujeita a ser flagrada em situação
ridícula como a do personagem. Por isso, ela é engraçada!
Hoje
os cronistas estão cada vez mais sisudos, mais mal-humorados, mais
amargos e por isso chatos. Poucos têm coragem de escrever na
primeira pessoa. Suas crônicas só nos trazem mais tensões (claro
que há exceções. Sempre há!), mais preocupações, mais
aborrecimentos, rivalizando com os articulistas.
Estão
deixando de lado aspectos aparentemente banais do cotidiano que, na
verdade, são muito mais importantes do que muitos podem supor.
Ninguém está defendendo, obviamente, a alienação. Mas para quem
deseja estar em dia com a realidade, basta ler o noticiário. A
principal característica da crônica é, exatamente, o bom humor, a
leveza, o descomprometimento.
Drummond
constatou, a esse respeito, em um texto que publicou em outubro de
1979, no extinto Jornal da Tarde: “Pobre cronista urbano, teus
assuntos cheiram a reclamação e protesto, e acabas ao lado da
coluna de cartas de consumidores, aborrecidos com a má qualidade dos
eletrodomésticos, que pifam uma semana depois de instalados, ou nem
chegam a funcionar”. Não é o que está acontecendo?!
O
engraçado é que os editores, sob a argumentação de que, em
virtude de se tratar de um espaço precioso, o jornal deve abordar
somente assuntos que eles consideram sérios, dão prioridade a
artigos sobre temas políticos, econômicos e sociais (estes, mais
raramente), em detrimento da leveza da crônica.
Os
articulistas colocam-se como donos da verdade, criticando tudo e
todos, em postura, na maioria das vezes, carregada de arrogância.
Quantos conseguem, de fato, o beneplácito do leitor e são lidos?
Poucos! Pouquíssimos! Ademais, seus textos são tão efêmeros, tão
perecíveis, tão passageiros, quanto o próprio noticiário, que os
enseja.
O
leitor se lembra, assim de estalo, de memória, de algum articulista
do século XIX? Claro que não! É possível que nem se lembre de
alguém que tenha publicado pomposo e panfletário comentário sobre
a crise política (não fosse o Brasil o país das crises) há 30
dias, quando não há uma semana. Mas não se preocupe. Não é a sua
memória que é falha.
Se
o texto não durou, foi porque não tinha importância. Cronistas,
porém, há aos montes, inclusive o sublime Machado de Assis, para
citar um dos melhores, se não o melhor deles. A fragilidade da
crônica, portanto, é ilusória. Há enorme sabedoria por trás da
sua aparente banalidade. É ela que capta a alma do povo, seus
costumes, suas reações, seus gostos e desgostos, que variam de
tempos em tempos e de pessoa para pessoa, mas conservam uma inegável
identidade.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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