Wednesday, January 17, 2018

Revisão constitucional



Pedro J. Bondaczuk



A revisão constitucional teve a data de seu início fixada, na semana passada, para o dia 6 de outubro próximo, pelas lideranças de oito partidos (PMDB, PSDB, PFL, PP, PPR, PTB, PL e PRN), cujas bancadas somam 80% dos 584 congressistas.

Novamente, grandes expectativas são despertadas entre a faixa lúcida da população (que é formadora do que se convencionou chamar de “opinião pública”) no sentido de que, desta vez, os parlamentares tenham um repente de lucidez e façam um trabalho limpo e decente, dotando o País de uma Constituição que realmente mereça esse nome.

Ou seja, que se enquadre na definição que lhe foi dada pelo doutrinador Jellinek: “Fixação escrita, material, das instituições e princípios de governo de um Estado. A formação e a limitação básica do Estado diante do indivíduo”.

A tarefa fundamental e lógica dos responsáveis pela revisão é a de usar com perícia uma “tesoura”, para cortar uma série de bobagens, de armadilhas, de utopias encravadas no texto constitucional. Espera-se, sobretudo, que a reforma restabeleça aquilo que os constituintes de 1986 suprimiram: a governabilidade. Ou seja, a base, o fundamento, a alma e a própria razão de ser de qualquer Carta Magna que se preze.

A atual composição do Congresso, porém, lança dúvidas sobre se isso será feito ou não. Até porque, estranhamente, um tema de tamanha relevância, como é o da revisão constitucional, não vem merecendo nenhum destaque nos meios de comunicação, o que impossibilita, ou pelo menos inibe, o saudável e indispensável debate que a questão deveria gerar.

Fala-se muito nas “conquistas sociais” obtidas com a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988. Todavia, jamais o País esteve em situação mais vexatória nesse aspecto, do que nos cinco anos de sua vigência.

Seria até redundante citar dados estatísticos a respeito, tantos foram os divulgados e analisados nos últimos tempos. Até porque tal citação se faz desnecessária diante da própria realidade. Basta que se dê uma caminhada pelas ruas para se observar o estado de miserabilidade da população.

Onde, pois, estão as tão apregoadas “conquistas”? Onde a reforma agrária? Onde a garantia fundamental aos direitos da criança? Onde o atendimento às necessidades fundamentais do cidadão?

As melhores Constituições são as enxutas, as despidas de detalhes que competem à legislação ordinária, como a norte-americana, que é a mesma elaborada após a independência dos Estados Unidos, com sete artigos e 21 emendas. E, no entanto, sempre funcionou e continua mais atual do que nunca. E a nossa, com seus 245 artigos básicos e mais 70 nas chamadas "disposições transitórias"?

Seria oportuno que os responsáveis pela revisão lessem o trabalho do veterano e proficiente constitucionalista Wolgran Junqueira Ferreira. O mestre acentua, num de seus livros: “A Constituição deve ser a individualidade pelo respeito ao pensamento humano; a solidariedade humana em sua profundidade; o esquecimento do passado, como melhor forma de futuro. Concebida como um impulso humano para o espírito do homem, deve ser a voz e a palavra para o auditório do mundo, tomando o homem, protegendo-o, realizando-o e dando-lhe a oportunidade de ser. Deve determinar com clarividência, afirmando sem dúvidas, protegendo sem pendência e estimulando o mais fecundo porvir, sem medo”.

Respondam os que pelo menos leram a atual Constituição: são estes os princípios que a fundamentam? Ela afirma sem dúvidas, protege sem pendências e estimula o futuro sem medo?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 10 de agosto de 1993).



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