Obra-prima de ambiguidade
Pedro J. Bondaczuk
A revisão constitucional,
embora necessária para corrigir visíveis e absurdas distorções na
Constituição de 1988, vem sendo colocada, por seus defensores, como
a mais recente panaceia para todos os males nacionais. Há quem
condicione a ela, por exemplo, o combate eficaz à inflação e a
retomada plena do desenvolvimento econômico autossustentado. Ou
seja, busca-se armar a mesma pantomima montada quando da elaboração
da atual Carta Magna, colocada, na ocasião, como a “salvação da
lavoura”.
Hoje, vemos, desencantados,
que as coisas não eram bem assim. E os próprios constituintes
estavam cientes disso. Exageros à parte, porém, o texto
constitucional foi tão mal alinhavado, a ponto de deixar profundas
dúvidas até mesmo sobre se o disposto no Artigo 3º das Disposições
Transitórias está ou não relacionado com o Artigo 2º, que marca a
realização do plebiscito. É o cúmulo da ambiguidade!
Custava especificar melhor um
ponto tão importante?! Afinal, para uma Constituição caracterizada
pela prolixidade, uma palavrinha a mais não faria mal algum. E
evitaria esta verdadeira guerra, que nada acrescenta e apenas
tumultua um quadro nacional já por si só confuso e atabalhoado.
O artigo 3º manda fazer a
revisão após cinco anos. Ou seja, a partir do dia 5 de outubro
próximo. Os opositores do processo lançam mão do que o cientista
político Bolívar Lamounier chama de “hermenêutica por
propinquidade”. Ou seja, a interpretação do conteúdo do artigo
3º com base apenas no fato de ele ser vizinho do 2º.
Para essa corrente, a revisão
estaria condicionada a uma mudança no regime e forma de governo
decorrente do plebiscito realizado em 21 de abril passado. Como a
população decidiu manter tudo inalterado, raciocinam, o assunto
ficou auto esgotado.
Um outro grupo, que vem
engrossando a cada dia, até admite que a Constituição seja
revisada, mas não agora. Pretende remeter a tarefa para o próximo
Congresso, a ser eleito no ano que vem, ou seja, para 1995. Esta
corrente é pior do que aquela que se opõe abertamente à revisão
já. Não se apoia em argumento jurídico nenhum e utiliza como
pretexto a propalada “inoportunidade” da empreitada. São os
eternos “mureteiros”, demagogos de olho somente nas urnas e não
na solução dos problemas que nos atormentam.
Mesmo que o texto
constitucional não determinasse para agora o processo revisional,
este seria bem-vindo, dadas as incoerências e imperfeições da
atual Carta Magna. Por que deixar para amanhã o que se pode fazer
hoje? Por que continuar empurrando com a barriga problemas
estruturais que se arrastam há tanto tempo e cuja solução está
bem à vista?
Argumenta-se com os riscos de
que as conquistas sociais consagradas no texto de 1988 possam ser
suprimidas. Em primeiro lugar, elas não são tantas assim e várias
delas nunca surtiram efeito algum por falta de regulamentação. Não
passaram de letra morta.
Em segundo, a sociedade dispõe
de meios de pressão suficientes para impedir que as coisas positivas
venham a ser modificadas. O que é inconcebível são cenas de
pugilato explícito, como as que se verificaram na semana passada, no
plenário da Câmara, quando parlamentares opositores à revisão
exibiram uma ostensiva falta de decoro, passiva de cassação de seus
mandatos.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 28 de setembro de 1993)
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