Thursday, January 11, 2018

Obra-prima de ambiguidade



Pedro J. Bondaczuk


A revisão constitucional, embora necessária para corrigir visíveis e absurdas distorções na Constituição de 1988, vem sendo colocada, por seus defensores, como a mais recente panaceia para todos os males nacionais. Há quem condicione a ela, por exemplo, o combate eficaz à inflação e a retomada plena do desenvolvimento econômico autossustentado. Ou seja, busca-se armar a mesma pantomima montada quando da elaboração da atual Carta Magna, colocada, na ocasião, como a “salvação da lavoura”.

Hoje, vemos, desencantados, que as coisas não eram bem assim. E os próprios constituintes estavam cientes disso. Exageros à parte, porém, o texto constitucional foi tão mal alinhavado, a ponto de deixar profundas dúvidas até mesmo sobre se o disposto no Artigo 3º das Disposições Transitórias está ou não relacionado com o Artigo 2º, que marca a realização do plebiscito. É o cúmulo da ambiguidade!

Custava especificar melhor um ponto tão importante?! Afinal, para uma Constituição caracterizada pela prolixidade, uma palavrinha a mais não faria mal algum. E evitaria esta verdadeira guerra, que nada acrescenta e apenas tumultua um quadro nacional já por si só confuso e atabalhoado.

O artigo 3º manda fazer a revisão após cinco anos. Ou seja, a partir do dia 5 de outubro próximo. Os opositores do processo lançam mão do que o cientista político Bolívar Lamounier chama de “hermenêutica por propinquidade”. Ou seja, a interpretação do conteúdo do artigo 3º com base apenas no fato de ele ser vizinho do 2º.

Para essa corrente, a revisão estaria condicionada a uma mudança no regime e forma de governo decorrente do plebiscito realizado em 21 de abril passado. Como a população decidiu manter tudo inalterado, raciocinam, o assunto ficou auto esgotado.

Um outro grupo, que vem engrossando a cada dia, até admite que a Constituição seja revisada, mas não agora. Pretende remeter a tarefa para o próximo Congresso, a ser eleito no ano que vem, ou seja, para 1995. Esta corrente é pior do que aquela que se opõe abertamente à revisão já. Não se apoia em argumento jurídico nenhum e utiliza como pretexto a propalada “inoportunidade” da empreitada. São os eternos “mureteiros”, demagogos de olho somente nas urnas e não na solução dos problemas que nos atormentam.

Mesmo que o texto constitucional não determinasse para agora o processo revisional, este seria bem-vindo, dadas as incoerências e imperfeições da atual Carta Magna. Por que deixar para amanhã o que se pode fazer hoje? Por que continuar empurrando com a barriga problemas estruturais que se arrastam há tanto tempo e cuja solução está bem à vista?

Argumenta-se com os riscos de que as conquistas sociais consagradas no texto de 1988 possam ser suprimidas. Em primeiro lugar, elas não são tantas assim e várias delas nunca surtiram efeito algum por falta de regulamentação. Não passaram de letra morta.

Em segundo, a sociedade dispõe de meios de pressão suficientes para impedir que as coisas positivas venham a ser modificadas. O que é inconcebível são cenas de pugilato explícito, como as que se verificaram na semana passada, no plenário da Câmara, quando parlamentares opositores à revisão exibiram uma ostensiva falta de decoro, passiva de cassação de seus mandatos.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 28 de setembro de 1993)



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