Verdade
e “aparência”
Pedro J. Bondaczuk
“A mentira é um apaziguador social e sem ela a
vida seria um inferno”. Essa afirmação, instigante e provocativa,
é o subtítulo da matéria de capa da edição nº 1.771, da revista
Veja, de 2 de outubro de 2002, intitulada “Por que todos mentem?”.
(Boa pergunta!). Houve, como seria de se esperar, muitas cartas de
leitores, criticando ou elogiando a referida reportagem, que abordou
um dos mais controvertidos e discutidos comportamentos das pessoas.
Ângela Luíza S. Bonacci, de Pindamonhangaba, no
Vale do Paraíba, por exemplo, escreveu: “O mentiroso é um
predador que intoxica as relações sociais, transformando-as num
poço de desconfianças”. Estava certa ao fazer essa afirmação,
ou apenas se limitou à retórica, a mero jogo de palavras? Como
saber?! Conhece tanto do assunto, ou apenas aparentou conhecimento?
Isto é, mentiu? A discussão, a respeito, tende a ser interminável,
sem que se possa chegar, jamais, objetivamente, a alguma conclusão
definitiva.
Desde eras remotas, os maiores pensadores da
humanidade tentam identificar verdade e mentira, em vão. Outro
leitor de Veja, Renato Vilela Cunha, de Ituiutaba, Minas Gerais, foi
mais objetivo na abordagem do tema, posto que mais dogmático.
Escreveu, para a seção “Cartas”, da revista: “A ausência da
mentira só seria possível num mundo perfeito, sem guerras, traição
ou qualquer outro tipo de desrespeito ao ser humano”. Verdade?
Parece que sim! Mas como ter certeza?!
A propósito, lembro-me de uma citação do
escritor José Américo de Almeida, autor de “A Bagaceira” (entre
tantas outras obras), que li não me recordo em qual dos seus livros,
e que diz: “Há muitas formas de dizer a verdade. E talvez a mais
persuasiva seja a que tem a aparência de mentira”. Afinal, nem
tudo o que parece, de fato é.
A citada matéria de “Veja” nos informa,
ainda, que “um levantamento mostra que as pessoas ouvem duzentas
mentiras por dia”. Só!!! E quantas são as que dizem? Quinhentas?
Mil? Dez mil? Talvez muito mais! Ou, quem sabe, muito menos.
Ainda na qualidade de provocador, de “advogado
do diabo”, com o objetivo de induzir o leitor ao raciocínio
(afinal, “pensar não dói!”), cito a carta de Natália
Rodrigues, de São Paulo, sobre a mesma matéria, publicada na edição
posterior da revista (nº 1.772), que diz: “A verdade só existe
para quem necessita de explicação para fenômenos que não
compreende. Por isso, mentir é uma opção quase sempre aceitável.
Pior do que aceitar a mentira como verdade é definir o que é errado
sem julgar-se certo”.
Como se vê, o tema é dos mais instigantes,
embora inúteis, já que jamais será possível (claro que esse
“jamais” não passa de presunção da minha parte) se chegar a
uma conclusão definitiva. Os que negam mentir, quase sempre são os
que mais mentem. A primeira (e talvez maior) mentira que dizem é
exatamente a afirmação de que nunca faltam com a verdade.
Claro que há “mentiras e mentiras”. Há
aquelas inofensivas, sociais, em que as pessoas, em conversa na roda
de amigos, inventam fatos que não aconteceram, para ilustrar uma
conversa. Ou, então, as que não passam de exageros de
acontecimentos (com ênfase para a própria ação, é claro!), ditas
no afã (de quem as conta) de se mostrar superior aos interlocutores:
ou em força, ou em sabedoria, ou em astúcia, ou em que se sabe lá
o quê.
Há as chamadas mentiras “piedosas”, que são
as ditas para poupar alguém de medo ou de sofrimento moral. Há as
sutis, bem trabalhadas, detalhadas, artísticas até, com todas as
características de verdade, pela verossimilhança, mas que não
contêm um único elemento verdadeiro. Em contrapartida, há as
deslavadas, as caricatas, as ridículas, aquelas que não seriam
capazes de tapear sequer o mais bronco dos broncos dos mortais.
Há, também, a mentira criminosa, que pode valer,
até, alguns anos de cadeia ao autor, além de pesada indenização
pecuniária. Nesse caso, recebe outros nomes (três), de acordo com a
sua natureza e intensidade: injúria, calúnia e difamação. Os
tribunais brasileiros estão abarrotados de processos movidos por
pessoas que se sentem injuriadas, caluniadas e difamadas e que exigem
reparação àquilo que interpretam como “agressões à sua moral e
à sua honra”. E nem sempre são. Enfim...
Há, finalmente, o oposto. Ou seja, há grandes
verdades com toda a aparência de mentiras. Afinal, como assinala
José Américo de Almeida, “ver bem não é ver tudo: é ver o que
os outros não veem”. E como “se vê”, esse é um assunto não
somente para uma crônica despretensiosa, como esta, mas para todo um
tratado, ou uma extensa coleção de livros, talvez até de milhares
de volumes a respeito.
Só que, excluindo o fato de servir de provocação
para o raciocínio, se trata de um tema absolutamente inútil, do
ponto de vista prático, pela completa impossibilidade de se chegar a
alguma conclusão inquestionável. Afinal, objetivamente: o que é a
verdade? Onde ela está (quando nos referimos ao homem, logicamente)?
O que é mentira? As respostas, mesmo que não se admita,
invariavelmente descambam para os clichês, quando não para
monótonos blá-blá-blás.
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