Sunday, December 31, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O notável bardo inglês, William Shakespeare, constatou, em uma de suas geniais produções, com a sabedoria que o caracterizou (por isso sua obra vem resistindo aos séculos): "A vida do homem é uma trama tecida de bons e maus fios". Confiemos no lado positivo das pessoas e não nos omitamos jamais. Não deixemos de dar a nossa constante e permanente contribuição positiva, para mudar o panorama sombrio que aí está, mas que não é irreversível. Tem conserto! Façamos de 2007, que está às portas, um dos melhores e mais vitoriosos anos de nossas vidas. Nós queremos isso! Nós podemos isso! Nós vamos conseguir essa façanha! E, graças aos nossos esforços, nossos talentos e nossa competência, faremos de 2007 um ano de contínuo e ininterrupto sucesso.

Deu empate no final


Pedro J. Bondaczuk

O ano pode ser comparado (em uma comparação grosseira) com uma partida de futebol. O tempo normal de duração de ambos é sempre igual (vamos esquecer os acréscimos dados pelos árbitros em alguns jogos). E salvo quando há um desnível técnico muito grande entre os adversários, o resultado definitivo só é possível de se conhecer ao seu término. Ou seja, após o apito final. Esqueçamos (para que a comparação seja válida) os anos bissextos (que não é o caso deste que termina nas próximas horas).
Fazendo as vezes de um comentarista esportivo, desses que falam, falam e falam, mas não dizem nada (e para ficar no espírito da comparação), devo confessar que no meu “jogo” pessoal de 2006, entre mortos e feridos, todos se salvaram. Ou seja, a partida terminou empatada. Nem fracassei por completo e muito menos consegui o sucesso que almejava. Creio que, neste aspecto, não sou diferente da grande maioria dos leitores.
Antes que algum chato – desses que fazem marcação cerrada e criticam tudo o que o cronista escreve (e o que não escreve), que são como os torcedores azedos que vaiam até minuto de silêncio – me pergunte qual a utilidade desta crônica, me antecipo e afirmo: provavelmente nenhuma (nunca se tem certeza). Ou, quem sabe, a mesmíssima de todos os outros textos do gênero. Talvez conduza o leitor à reflexão sobre a própria vida e possa, dessa forma, detectar a razão de ser tão do contra (quando o é, claro). Quem sabe sirva somente para o seu entretenimento, para “matar o tempo” (é possível). Ou (não se pode descartar), é possível que sua utilidade não passe de mero exercício de estilo (do autor, logicamente).
Faço essas considerações como resposta tardia a um determinado leitor, que fez uma observação do gênero a respeito da minha crônica “Trigal dourado” (texto que classificou de “piegas”) na qual narro uma lembrança da infância na fazenda de meu avô paterno, na minha Horizontina natal, na região das Missões do Rio Grande do Sul. Ao cabo de suas irônicas explanações, fez duas perguntas essenciais: “Para que servia aquela crônica?” E “a quem minhas reminiscências interessavam?” Se a moda pega... os escritores que escreveram (ou escrevem ou ainda vão escrever) livros memorialísticos (como Pedro Nava, entre outros) estão ou estarão todos perdidos! Serão todos considerados, liminarmente, “piegas” e seus livros haverão de mofar, “ad aeternum”, nas prateleiras das livrarias, para desespero das editoras.
Mas, voltemos ao assunto (ou falta dele, como queiram). Meu jogo pessoal de 2006 terminou empatado. Um gol a meu favor foi a caudalosa produção de crônicas, contos, poemas, ensaios e outros tipos de texto, espalhados internet afora, creio que com ótima aceitação, a julgar pela quantidade de convites que recebo quase que diariamente, de inúmeros sites, para escrever com exclusividade para eles. Mas, para empatar o jogo, sofri um frangaço. Não consegui convencer nenhuma editora a publicar qualquer dos meus 18 livros inéditos (ou, a sequer, ler um único dos originais). Continuo, pois, somente com os dois que lancei há já uma década, um dos quais esgotou seis edições de dois mil exemplares cada (nada mau, não é mesmo?).
Como jornalista, trabalhei como um burro de carga (como um “mouro”, como os portugueses costumam dizer). Foi outro gol, portanto, a meu favor. Mostra que fui muito requisitado, o que não deixa de ser positivo. Todavia, a contrapartida financeira... foi um deus-nos-acuda! Foi um desastre! Claro que nunca achei que ficaria rico ao optar por essa profissão. Mas também não julguei que ficaria tão pobre. Outro gol contra, portanto. E, novamente, a partida ficou empatada.
Como editor, fui convidado (e aceitei, obviamente) a editar o espaço “Literário” do Comunique-se, o que é, simultaneamente, uma grande honra e uma enorme responsabilidade. Não deixou de ser um reconhecimento profissional inestimável. Outro gol a meu favor, portanto. Todavia, para meu desespero, deixei escapar alguns erros de edição, o que me chateou sobremaneira, já que sou (doentiamente) perfeccionista. Claro que, felizmente, não foi nada sério. A maioria dessas falhas o leitor sequer notou. Mas elas ocorreram. Gol, portanto, contra e novo empate.
Recebi, da Câmara Municipal de Campinas, a maior comenda outorgada pelo Poder Público da cidade àqueles que deram sua contribuição para o desenvolvimento das artes no Município, ou seja, a Medalha Carlos Gomes. Esse foi um golaço de placa, como o feito pelo Pelé, pelo Santos, contra o Fluminense, no Maracanã, nos anos 60 (ou seria 70? Não importa!). Desempatei, pois, a partida. Quando achava, todavia, que o jogo estava ganho, novo revés. Não consegui convencer os editores do Correio Popular, jornal ao qual dediquei mais da metade da minha já longa vida profissional e do qual me desliguei em 1998, a me incluir no seu quadro de colunistas fixos. Novo frango, portanto, e bem no finalzinho da partida. E o jogo ficou, de novo, empatado.
Nas coisas mais banais – não exatamente pessoais, mas que envolvem as minhas preferências – ocorreu a mesmíssima coisa. A Seleção Brasileira, por exemplo, deu vexame na Copa do Mundo da Alemanha e perdeu para a França, que a eliminou da competição, de forma pífia, sem esboçar nenhuma reação. Foi um gol contra, é claro. Mas o menino Felipe Massa tornou a empatar o jogo, ao vencer, de maneira brilhante, de ponta a ponta, o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula-1. Sofri, contudo, mais um frango (êta goleiro frangueiro!) com o rebaixamento do meu time de coração, a Ponte Preta, para a Série B do Campeonato Brasileiro. Essa doeu, e muito! Mas os meninos do vôlei salvaram, de novo, o resultado. Paparam, sem dar nenhuma chance para o azar, o Mundial do Japão.
E assim foi, o ano inteiro, numa sucessão estonteante de gols a favor e contra. Foi um permanente toma lá, dá cá. Euforias foram sucedidas por depressões, alegrias por tristezas, sucessos por fracassos. Como, aliás, todo o mundo. Como, sem dúvida, ocorreu com a maioria dos leitores. Preparo-me, agora, com a máxima concentração, para um novo “jogo”. O ano de 2007 já está às portas, cheio de promessas e de mistérios. O juiz está prestes a apitar a saída. Vamos, juntos, fazer uma corrente pra frente – como a de 1970, que resultou no tri-campeonato mundial do Brasil?! Ah, dessa vez a vitória não nos escapa! Haveremos de ganhar esta partida! Ou não?

Saturday, December 30, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O ano que está às portas vai nascer, como tantos outros, sob o signo da esperança. É mais uma oportunidade que a vida nos confere para corrermos atrás dos nossos sonhos, para concretizarmos nossos ideais e para conquistarmos o que está bem ao alcance das nossas mãos, mas que teimamos em não alcançar, por causa do medo, da cobiça e da desesperança: a felicidade. Para obtermos êxito nessa nossa empreitada é necessário que cumpramos determinadas (e indispensáveis) condições. É fundamental, por exemplo, que estejamos predispostos à alegria, à esperança e ao bom-humor. É imprescindível que saibamos amar e que não tenhamos receio de nos expor, com receio de nos ferir. E que conquistemos (e conservemos) dezenas, centenas, milhares, quiçá milhões de amigos. Cumprindo essas condições, não há o que temer. Faremos, de 2007, um dos melhores anos das nossas vidas. Vamos conseguir, com a graça de Deus!

Bonança


Pedro J. Bondaczuk

Quando a tempestade ameaça,
com raios, granizo, trovões,
--- bárbaras intempéries da vida –
a integridade dos bons sentimentos;
quando vendavais incontroláveis
sacodem, com rudeza intensa,
os alicerces do meu mundo;
quando o furacão deletério
dos desgostos e da minha ira
ameaça devastar o frágil
jardim das minhas emoções;
rompendo o véu de nuvens sombrias,
lançando luz (muita luz) no caminho,
o raio, sutil, do seu cândido olhar
quebra as barreiras do ódio,
devasta o refúgio da dor,
restaura os fios da esperança,
fortalece a claudicante fé,
faz reinar, subitamente, a bonança:
enche meus dias de luz e de amor!

(Poema composto em Campinas, em 25 de junho de 1967).

Friday, December 29, 2006

Hemorragia de ternura



Pedro J. Bondaczuk

Colho lírios, muitos lírios, braçadas de lírios
em pântanos asquerosos, sombrios,
microcosmo onde a vida, também, abunda.

Tão alvos, branquíssimos, iluminados,
são véus diáfanos, de noivas virginais,
que a lama miasmática e putrefata
toca, tenta, mas não macula a sua
branca, alva, alvíssima pureza,
blindada contra eventual corrupção.

Colho rosas, rubras, magníficas rosas
em vastos canteiros interditos.
Espinhos cruéis ferem-me as mãos,
de onde brotam, sutis, generosas,
gotículas, pétalas, de rosas rubras,
sangue, paixão, enlevo, amor.

Colho versos, doidos versos, mil versos,
alvos, brancos, branquíssimos lírios;
rosas, rubras rosas, magníficas rosas,
em pântanos asquerosos, sombrios
das confusas e contraditórias emoções
e em canteiros, multivariados canteiros
dos jardins interditos dos sentimentos.

Colho lírios, mil lírios, braçadas de lírios...
Colho rosas, centenas de rosas, rubras, gloriosas...
Colho flores, muitas flores, em ocasos e albores...
Colho versos, sentimentos e emoções dispersos,
incontroláveis, que deposito, diligente,
dia após dia, com obsessão e afinco,
comovido, em hemorragia de ternura,
docemente, aos seus pés, inolvidável amada!

(Poema composto em Campinas, em 29 de dezembro de 2006).

REFLEXÃO DO DIA


Há dificuldades, dificuldades e mais dificuldades à nossa frente, em nosso horizonte, comprometendo todo o nosso planejamento para um futuro que se afigura cada vez mais sombrio e afetando o nosso humor e, por conseqüência, nossa saúde. Há, porém, motivos concretos para se desesperar? Essa situação de crise generalizada e de violência desabrida é irreversível e sem conserto? Depende. O homem tem a capacidade de mudar qualquer situação, por pior que seja, desde que tenha genuína vontade e aja nesse sentido. Não ficarei nem um pouco surpreso se, ao cabo de 2007, nenhuma das previsões pessimistas que circulam na imprensa, ou pelo menos a maioria delas, não se concretize. E se o País e o mundo retomarem a trilha da paz, da tranqüilidade e do progresso. Para isso, porém, são necessárias mais ações e menos palavras. Minha esperança é a de que faremos, de fato, de 2007, um dos melhores anos das nossas vidas. Mãos à obra, portanto!!!

Há mais de 50 anos


Pedro J. Bondaczuk


O escritor Paul Bourget afirmou que "quando esperamos, os segundos são anos; quando recordamos, os anos são segundos". Nada mais verdadeiro. Recordo-me, como se houvesse ocorrido hoje de manhã, do dia em que cheguei a São Paulo, vindo da minha terra natal, Horizontina, no Rio Grande do Sul, de "mala e cuia", para iniciar nova vida em uma cidade que me era absolutamente estranha e que me pareceu hostil e assustadora. Foi há mais de 50 anos, para ser mais exato, há 56, em 1948 (do mês não me recordo, mas deveria ser novembro, já que não fazia nem frio e nem calor. Mas poderia ser março, ou abril ou, dezembro. Sei lá!).
Eu era um garotinho mimado,de cinco anos de idade, criado até então sob as asas protetoras de uma enorme família de imigrantes do Leste Europeu, constituída dos meus pais, de uma irmã que então tinha poucos meses de vida, muitos tios e alguns primos, embora só um, o Sacha, da minha idade.
Não sabia uma única palavra de português, já que em casa só se falava o russo. Sentia-me, portanto, como um extraterrestre, que houvesse desembarcado de uma nave espacial em um planeta estranho, cheio de perigos insuspeitados. Aliás, até hoje, São Paulo passa-me essa impressão, embora eu tenha mais lembranças agradáveis, do que ruins, dessa que é a terceira maior metrópole do mundo. Seu gigantismo me assusta.
Minhas lembranças da infância são descontínuas. Não guardam ordem cronológica e me parecem, muitas vezes, incoerentes. O tempo distorce os fatos em nossa mente, comprometendo a exatidão, como o fazem as águas de um lago, por exemplo, que reflitam a nossa imagem. É impossível precisar o quanto existe de fantasia e de realidade nessas reminiscências. No entanto, algumas impressões sensoriais ficaram gravadas em meu subconsciente. Quando me lembro delas, é como se as estivesse sentindo de novo.
Recordo-me, por exemplo, da sensação desconfortável em relação ao barulho das ruas centrais de São Paulo, principalmente da Praça João Mendes, em frente ao fórum paulistano. E não era um milésimo, em termos de decibéis, do que atormenta o paulistano hoje.
Eu estava assustado com tantas pessoas e veículos, transitando para cima e para baixo, como se fossem formigas ao redor de um gigantesco formigueiro. Agarrei-me ao pescoço do meu pai, que me carregava no colo, com medo de que, se me desgrudasse dele, alguém pudesse nos separar para sempre ou me fazer algum mal. Seus braços fortes, de camponês jovem e saudável, acostumado às durezas do trato da terra, serviam-me de refúgio. Foi uma das raras vezes em que me senti de fato totalmente protegido de qualquer risco.
Outra lembrança marcante é a do cheiro dos gases dos escapamentos de veículos, principalmente dos ônibus. Embora a fumaça me sufocasse, achei-a, a princípio, com odor até agradável, diferente de qualquer outro aroma que eu havia aspirado até então. Provavelmente o combustível usado há 50 anos não tinha tanta mistura quanto o atual. Ou era o efeito da novidade que fazia esse cheiro parecer com o de alguma exótica flor dos trópicos. Hoje, não suporto a fumaça que sai do escapamento de ônibus e caminhões.
Uma coisa absolutamente nova para mim foi o sorvete. O primeiro que experimentei foi um enorme picolé de uva. A sensação inicial, confesso, foi desagradável. Aquele estranho cilindro molhado era tão gelado a ponto de amortecer-me os lábios e provocar uma espécie de dor nos dentes. Junto com o desconforto, porém, havia uma sensação gustativa bastante agradável. Tão logo terminei de chupá-lo, pedi outro ao meu pai que, ou por de fato achar que um eventual exagero poderia me fazer mal, ou por não ter dinheiro (o que era o mais provável), se recusou a atender minha exigência.
Outra lembrança, esta de três anos mais tarde, é a do Jardim da Luz, onde paramos para uma fotografia tirada por um fotógrafo "lambe-lambe", que fazia ponto no local. Tenho essa foto até hoje. Nela, apareço sério e compenetrado, como se estivesse em vias de assumir a secretaria-geral das Nações Unidas ou de receber a faixa de presidente da República. Lendo a afirmação do mestre Jossei Toda, citada pelo humanista Daisaku Ikeda, em seu livro "Crianças de Vidro e Outros Ensaios", concluo que suas palavras cabem como uma luva para descrever o que tem sido a minha trajetória ao longo dos meus mais de cinqüenta anos de idade.
Diz o citado intelectual: "A vida humana não é algo triste. É possível gostar da vida independente de onde se viva, em que tipo de casa se more, que comida se coma ou que roupas se vista. Se se entendem as leis da vida, então esta pode ser feliz. Não se exalte por coisa alguma. Não tema coisa alguma. Em tudo, utilize seu intelecto e poder de raciocínio. Deixe sua vida ser impregnada por sentimentos de puro amor". Foi o que fiz.
Quando revejo os caminhos que trilhei, da minha Horizontina natal da infância até a Campinas de hoje (onde sou cidadão honorário), sinto-me uma pessoa privilegiada por essas experiências, mesmo as amargas. Concluo (e assim me sinto) que, dentro das circunstâncias, e face tudo o que passei, sou um ser humano feliz!

Thursday, December 28, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Às vezes, julgamo-nos onipotentes e não nos damos conta da nossa pequenez, de que dependemos de forças e circunstâncias muito além da nossa capacidade, sobre as quais não temos o mínimo controle. Há milhares de tragédias potenciais tendentes a nos conduzir à catástrofe que podem se abater sobre nós quando menos esperarmos. Basta citar, por exemplo, os efeitos catastróficos da tsunami que se abateu sobre a Ásia, em 26 de dezembro de 2004, que deixou cerca de meio milhão de mortos. Ou do furacão Katrina, que quase varreu Nova Orleans do mapa. Se quisermos, portanto, ter um futuro, temos que começar sua construção já! Mas com atos concretos e não com fantasias. Por isso, 2007 tem que ser caracterizado pela ação: conjunta, solidária, incansável e competente. Só dessa forma, poderemos fazer do ano que está às portas um período de alegrias, satisfações e sucessos. E com a ajuda de Deus, claro!

Ouvinte generoso


Pedro J. Bondaczuk


A solidão é, conforme ressalta o romancista norte-americano Thomas Wolfe, em um dos seus mais conhecidos romances, "a experiência central e inevitável do ser humano". Todos precisamos do convívio com nossos semelhantes, de sermos amados, de alguém que nos valorize, nos admire, nos respeite, nos compreenda e, sobretudo, nos ouça. Poucas (pouquíssimas) pessoas, no entanto, estão dispostas a ouvir de fato seus semelhantes, mesmo as que têm nesse ato o fundamento da profissão que exercem, como psiquiatras, psicólogos, sacerdotes ou psicanalistas.

Um dos mais belos e profundos romances de língua inglesa, de autoria da escritora norte-americana Taylor Caldwell, tem nessa atitude – que parece tão simples, mas que se torna a cada dia mais rara – o cerne do seu enredo. Trata-se de "O Confessor", best-seller dos anos 60, publicado no Brasil pela Editora Record. Em determinado trecho, a escritora afirma, pondo as palavras na boca de um dos personagens: "A verdadeira necessidade do homem, sua necessidade mais premente, é de alguém para ouvi-lo, não como um 'paciente' e sim como uma alma humana. O homem precisa dizer a alguém tudo o que pensa, as coisas espantosas que encontra ao tentar descobrir porque nasceu, como deve viver e onde está o seu destino".

Somos confrontados, no nosso dia a dia, com súbitas e inesperadas crises – de caráter profissional, social, emocional ou afetivo, entre outras – que enquanto duram, nos parecem insuperáveis. Em casos extremos, tais situações desembocam em becos sem saída tão grandes, ao ponto de muitos cogitarem na insensata e estúpida fuga-limite, através do suicídio. Claro que esta não é, nunca foi e jamais será solução para qualquer tipo de problema. Uma idéia dessas apenas ganha corpo quando o indivíduo está no extremo do abatimento, no auge do desespero, no máximo da vulnerabilidade emocional, quando seu baixo moral é exacerbado a ponto de ofuscar (ou até mesmo extinguir) suas esperanças. E há por aí casos extremos, como estes, em maior quantidade do que qualquer um de nós possa imaginar.

Uma das causas mais comuns (e mais cruéis) desse tipo de depressão é o desemprego. Milhões de brasileiros (e de cidadãos de outros países pelo mundo afora, já que o número mundial de desempregados é estimado em 900 milhões pela Organização Internacional do Trabalho) vivem esse drama, que afeta não apenas a sua condição econômica ou social, mas, sobretudo, seu amor próprio. Uma demissão sem justa causa é muito traumática. Arrasa, entre outras coisas, com a auto-estima de qualquer um. Maior ainda é o desespero do demitido quando ele tem orgulho daquilo que faz e não considera sua atividade como mera fonte de renda, tão somente como um "emprego". Quando ele se preparou por anos a fio para exercer a profissão que lhe dá orgulho a qual é, subitamente, impedido de continuar exercendo, apenas porque o patrão achou que deveria promover "contenção de despesas", para manter intacta sua margem de lucro, em geral superdimensionada. Nestas circunstâncias, sente-se preterido, desprezado, desvalorizado e colocado à margem, como um objeto inútil ou como uma ferramenta envelhecida e que perdeu a serventia. E por maiores que sejam sua força interior e seu autodomínio, é inevitável que venha a ser afetado psiquicamente.

Na maioria das vezes, essas pessoas precisam de pouco, de muito pouco, de pouquíssimo para que possam se reequilibrar e encontrar, com serenidade e cabeça no lugar, a solução para o problema. Carecem de um ouvinte paciente, que não lhes queira dar lições de moral ou se prevalecer de sua fraqueza emocional temporária. Precisam falar, desabafar, gritar o seu desespero, colocar para fora seus recalques e frustrações, sem serem interrompidas e sem que suas palavras sejam recebidas com enfado ou venham acompanhadas de comentários, de cunho moral ou religioso, que mal escondem o desejo de ostentar uma pretensa superioridade por parte do interlocutor.

A citada Taylor Caldwell constata: "Um dos aspectos mais terríveis do mundo atual é que ninguém mais ouve ninguém. Se você está doente ou até agonizante, não tem ninguém para ouvi-lo. Se você está desnorteado, assustado, perdido, desiludido, solitário, não há ninguém para ouvi-lo. Até mesmo os clérigos vivem cansados e apressados". E no entanto, custa tão pouco ouvir com paciência e compreensão.

Milhares de vidas são salvas, diariamente, pelo mundo afora, mediante esse pequenino, anônimo e simples gesto de humanidade. Seja você, também, leitor esclarecido, um ouvinte generoso. Exercite com freqüência esse ato de abnegação com os que o rodeiam. Com o amigo demitido, enquanto você conservou seu emprego e de quem você se afastou, por preconceito ou por receio de ser mal-interpretado. Com o vizinho desempregado, que se tornou subitamente brusco e amargo, atitude que você passou a atribuir a mera "antipatia". Com o estranho, mal-vestido e mal-alimentado, que tenta lhe dirigir a palavra e de quem você foge, sob o pretexto de se prevenir contra a violência. A atenção que você negar hoje ao seu próximo, poderá lhe faltar amanhã, quando você se encontrar em situação parecida ou, quem sabe, mais grave, e for levado a dizer (ou a se sentir), como o poeta Emílio Moura: "Eu fiquei só diante da vida/e todas as coisas me assustaram..."

Wednesday, December 27, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Os indivíduos, os grupamentos humanos e os países sonham com um terceiro milênio radioso, onde não haja famintos, desabrigados e excluídos e as doenças que mais incapacitam e matam estejam controladas, senão vencidas. Acreditam no surgimento de um período de abundância e prosperidade geral e que essa coisa vaga, difusa e indefinida, chamada de "felicidade", será finalmente conseguida por todos, apesar de cada pessoa a entender e definir ao seu modo. Isso, porém, apenas será possível se agirmos nesse sentido. Se cumprirmos com nossas obrigações de maneira responsável, competente e constante. Esse 2006 que está no limiar tem tudo para ser o início da transformação positiva que a humanidade requer. Tem, portanto, que ser caracterizado pela ação. Podemos conseguir esse objetivo! Temos que conseguir! Vamos conseguir! Iremos tornar (e esta é a minha grande esperança) 2007 um ano de felicidades e de completo sucesso!.

Fases da utopia


Pedro J. Bondaczuk

Com vistas a um estudo racional das utopias, podemos dividi-las, a grosso modo, nas seguintes fases (embora não com estrito rigor):

Antiga

Etapa que vai desde a Antigüidade grega (com a República, de Platão, e a minuciosa descrição da suposta civilização – e posterior catástrofe – da Atlântida, continente que teria afundado no oceano, também descrita pelo mesmo filósofo) passando pela Idade Média, e que termina quando da invenção da palavra, por Thomas Morus, em 1516.
Pode-se incluir, nessa classificação, o chamado “milenarismo” dos cristãos primitivos. Como o próprio termo sugere, esse ideal centralizava-se na promessa do advento de Jesus Cristo, que daria início a um reinado de mil anos de paz, felicidade e harmonia na Terra, em que as doenças e a própria morte deixariam de existir, de acordo com a corrente milenarista, que se contrapunha, aliás, aos que acreditavam no Apocalipse.
Vários movimentos com essas características proliferaram ao longo de praticamente toda a Idade Média. A Igreja Católica combateu-os, a ferro e fogo, classificando-os de heresias, até exterminá-los por completo. O Apocalipse, atribuído ao apóstolo João, que o teria escrito na Ilha de Patmos, na Grécia, profetiza o fim do mundo na ocasião da volta de Jesus.
Este voltaria ao nosso mundo com todo o poder e glória – ao contrário do que ocorreu em sua primeira passagem pela Terra, quando nasceu frágil, pobre e humilde em uma estrebaria de Belém –, para um Juízo Final e definitivo, em que julgaria os vivos e os mortos (que, então, ressuscitariam). Puniria os que violaram os princípios cristãos e premiaria, em contrapartida, os que persistiram na virtude e na prática do bem, vencendo, dessa forma, em definitivo, as forças do mal.
Cristo salvaria, na ocasião dessa segunda vinda, os justos (com o aval da sua morte na cruz), que seriam levados para junto de Deus e se tornariam eternos, imortais. Em contrapartida, imputaria a segunda morte, a definitiva e irrevogável, no lago de fogo e enxofre, aos ímpios, aos fornicadores, aos tiranos etc.
Surgiram, também, outros relatos, mais amenos e humorados, nesse período da Idade Média, como o do país da Coconha, que projeta, numa Europa assolada pela peste e pela fome, uma terra de fartura, de saúde, de descanso e, principalmente, de comida. Nessa sociedade maravilhosa, haveria deliciosos alimentos e guloseimas com abundância inesgotável, e para todos. O homem não precisaria trabalhar para garantir o sustento. Poderia, dessa forma, reintegrar-se à natureza e se livrar do que é encarado como uma praga divina em diversas religiões: o trabalho.
É mister ressaltar que, a rigor, o Éden bíblico se constitui, também, numa forma de utopia. É comparado, muitas vezes, por alguns utopistas, às novas terras descobertas por Portugal e Espanha, nos séculos XV e XVI, especialmente o Brasil, onde os indígenas andavam (muitos ainda andam) nus, sem sentirem vergonha da nudez, assim como Adão e Eva antes de comerem o fruto proibido. E onde o calor e a vegetação luxuriante dos trópicos lembravam a fartura prometida na Bíblia, que dificilmente se pode alcançar no clima seco e severo do Oriente Médio, ou no intenso frio da Europa.
O escritor Mário Donato, num longo ensaio que publicou, em abril de 1983, no suplemento “Leitura”, do Diário Oficial do Estado de São Paulo, intitulado “Utopia e o sonho azul da Colônia Cecília”, enfatizou o ideal da ordem como o ponto de convergência de todos os utopistas. Estes variaram, apenas, e em detalhes, quanto à forma como esta seria imposta e assegurada às respectivas sociedades que idealizaram. Donato contesta, portanto, a afirmação – no seu entender equivocada – de muitos analistas, que viam conotações anarquistas nesses movimentos utópicos. E comprova, fartamente, sua contestação.
Escreve, em determinado trecho do citado ensaio: "Uma utopia? Que é uma utopia no consenso atual? Algo de paradisíaco e de inefável. Tão bom, que se faz inexeqüível". E prossegue: “Ora, as utopias inventadas pelos homens, desde que o mundo é mundo, não correspondem ao ideal dos que entendem, erradamente, o anarquismo. Com exceção do Jardim do Éden, onde viveram Adão e Eva em nudez, sem pecado e sem trabalhar e nem sofrer (o que, aliás, durou pouco), todas as utopias foram sempre rigorosamente organizadas, pois os seus criadores, criticando as sociedades em que viviam, elaboraram outras, em que o principal era a ordem, a ausência do imprevisto e o interesse coletivo sobrepujando o individual. Até a Canaã dos hebreus, onde os escritores bíblicos dizem que manavam leite e mel, tinha um Deus vigilante e ciumento, leis, sacerdotes, chefes, trabalhadores e soldados. Não era uma anarquia, embora tenha sido apontada como símbolo de um paraíso na Terra".

Literária

Nessa fase, foi produzido um grande número de obras de ficção, geralmente apresentando países com formas sociais, costumes e/ou governos ideais. Entre tantas dessas sociedades supostamente perfeitas, criadas pela mente de escritores imaginativos, podemos destacar as três que se tornaram mais célebres:
1.) “De optimo republicae statu deque nova insula Utopia”, uma espécie de romance filosófico, de Thomas Morus, em que o autor relata as condições de vida de uma ilha desconhecida, descoberta pelo navegador português Rafael Hitlodeu. Nessa sociedade, haviam sido abolidas a propriedade privada e a intolerância religiosa. As crianças eram educadas para considerar o ouro como coisa desprezível, usado, por exemplo, para fabricar urinóis. O metal só era acumulado para pagar os vizinhos mercenários. Os habitantes da ilha trabalhavam menos horas e apreciavam o que faziam. Morus enfatiza que era pelo fato dos trabalhadores da Inglaterra terem de sustentar uma imensa corja de vagabundos, como nobres, cortesãos e abades ociosos, que a jornada de trabalho se tornava demasiado longa nesse país.
2.) “Nova Atlântida”, de Francis Bacon. O filósofo imagina uma ilha onde se organizou um sistema destinado ao apoio e proteção à técnica. De acordo com seu relato, um rei famoso e sábio haveria criado, em remoto passado, uma “ordem ou sociedade” que chamou de a “Casa de Salomão”. Esse centro de pesquisa era dedicado, principalmente, ao “estudo das obras e criaturas de Deus”. Bacon ensaia uma interessante descrição do objetivo desta Casa, que bem poderia passar como uma tentativa de definir a técnica: “O objeto de nossa fundação é o conhecimento das causas, segredos e noções das coisas e o engrandecimento dos limites da mente humana, para a realização de todas as coisas possíveis”. A ordem ocupava um lugar preeminente na vida da sociedade da Nova Atlântida, com uma hierarquia interna, conformada, aparentemente, por sacerdotes cristãos.
3.) “Cittá del Sole” (“A Cidade do Sol”) de Tommaso Campanella. O rebelde monge dominicano calabrês imaginou um modelo utópico da sociedade que, progressivamente, se estenderia a toda a Terra. Nessa Cidade do Sol, que não era propriamente uma República, nem uma monarquia, nem oligarquia, reinava uma comunidade de bens. Esse Estado, onde floresciam todas as virtudes, não devia a sua perfeição, nem autoridade, ao rei, nem ao governo do povo, nem à sua oligarquia, mas única e tão-somente à ciência.

Socialista

Essa fase foi dominada por figuras de grande destaque, entre os teóricos socialistas, como Graccus Babeuf, Claude-Henri Du Rouvroy (Conde de Saint-Simon), Charles Fourier, Victor Considérant, Weiling, Robert Owen, Pierre-Josep Proudhon, Étienne Cabet, William Kina, Gustav Landauer e H. H. Wells, entre outros.
Todavia, enquanto esses expoentes teóricos do socialismo forjavam suas teorias sobre uma sociedade que tivesse essas características, em pleno sertão baiano, castigado por periódicas secas, terra assolada pela ignorância e pela miséria, ocorreu, na prática, a instalação de um grupamento de características marcadamente socialistas, posto que de curta duração e que terminou em tragédia.
Refiro-me ao arraial de Belo Monte, conhecido pelas pessoas de fora como “Canudos”, por causa da existência, na região, de plantas denominadas “canudos-de-pito”, que cresciam junto ao Rio Vaza-Barris. Seu mentor foi uma figura polêmica, encarada pela maioria dos historiadores como um louco fanático religioso, ignorante e que exploraria a ignorância, a superstição e o desespero da miserável população do Nordeste brasileiro em fins do século XIX.
Refiro-me a Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, que congregou, naquela localidade, cerca de 30 mil pessoas, sob a sua liderança espiritual e moral. Para os padrões de hoje, não era tanta gente assim. Mas devemos situar os fatos no devido contexto histórico. E, em termos relativos, tratava-se de uma multidão considerável. Basta dizer que Canudos, à época da sua destruição, era o segundo maior núcleo populacional da então Província da Bahia, com população apenas inferior à da capital, Salvador, que então tinha 200 mil habitantes.
Concordo com o geofísico Ruy Bruno Bacelar, um dos maiores especialistas neste ainda obscuro e mal-explicado episódio da História do Brasil, quando rebate a afirmação de que Antônio Maciel teria sido um fanático ignorante. Em entrevista publicada em maio de 1991 pela revista “Raízes da Bahia”, ponderou: “O Conselheiro falava e escrevia latim. Tinha uma cultura razoável para a época. Deixou pelo menos dois livros escritos”.
Há quem conteste, e até ridicularize, a afirmação que a sociedade que Antônio Mendes Maciel implantou em Belo Monte tivesse características socialistas. Bacelar rebate esses críticos e justifica sua tese: “Conselheiro estabeleceu uma comunidade de natureza socialista, baseada nos anseios das massas camponesas, mas influenciado, também, pelas idéias do cristianismo primitivo e, possivelmente, pela ‘utopia’ de Thomas Morus. Então era um sistema socialista em plena caatinga nordestina. Enquanto isso, publicava-se, na França, pela primeira vez, a obra-prima de Marx, ‘O Capital’, que o Conselheiro jamais ouvira falar”.
Não é notável?! Sem dúvida! Bacelar esclarece que o tipo de cristianismo praticado em Canudos não era exatamente nos moldes dos ensinamentos da Igreja Católica, embora não conflitassem, em sua essência, com estes. Assemelhava-se, no seu entender, ao dos essênios, antes da crença cristã haver sido contaminada, notadamente em Roma, por práticas pagãs, como, por exemplo, a adoração de imagens e de ícones. Tanto que nas procissões diárias de Belo Monte, estas nunca estavam presentes. Os fiéis carregavam, então, apenas o símbolo máximo do cristianismo: uma cruz.
Bacelar acrescenta, para justificar a afirmação de que Canudos se tratava de uma sociedade marcadamente socialista: “Ali não havia pobres, todos trabalhavam para a comunidade na medida de suas forças. Não havia assaltantes, fome, desemprego, prostituição, jogo ou explorados e exploradores. Não tinha prefeitura, autoridade, polícia ou eleição. Se tudo isso representa socialismo, então pode-se dizer que o movimento de Antônio Conselheiro foi socialista”.
É importante reproduzir o fecho da entrevista de Ruy Bacelar, quando ele menciona o que o Brasil perdeu ao matar no nascedouro essa utopia de justiça e igualdade que estava sendo implantada no sertão baiano: “O maior mérito do Conselheiro está em ter mostrado a perigosa e insidiosa presença do inimigo interno. A Guerra de Canudos serviu para nos mostrar que o inimigo que o brasileiro tem que levar a sério está aqui no Brasil. Canudos é um não imortal a todas as tiranias e sistemas políticos corruptos. E um não a todas as repúblicas degeneradas de ontem e de hoje. Canudos é um não ao Brasil de hoje, é o movimento histórico mais importante de nossa história, e Antônio Conselheiro é o maior vulto desta história. Estamos precisando do espírito do Conselheiro para combater aqueles que tentam tirar a nossa liberdade. Portanto, a minha conclusão é que a Guerra de Canudos foi uma guerra contra o socialismo, contra um homem que afirmava: ‘a terra é de todos’”.


Maturidade teórica

Esta última fase das utopias veio com os trabalhos de intelectuais como Ernst Bloch, Roger Duveau, Karl Manheim, Laurent Mucchielli, Raymond Ruyer, Jerzy Szachi, Martin Buber, Pierre Furter, o educador brasileiro Paulo Freire e muitos outros.
Ressalte-se que, em 1880, quando Friedrich Engels publicou o seu livro “Do socialismo utópico ao socialismo científico”, os utópicos passaram a constituir um grupo definido, pelo menos para os marxistas. Até então, isso não ocorria.
Hoje, aceita-se que foi H. G. Wells quem, em 1905, com o livro “A moderna utopia”, deu à palavra seu sentido moderno e positivo. Outras obras que seguiram pelo mesmo caminho e que, por isso, merecem menção, são: “Geist der Utopie” (O espírito da utopia) de Ernst Bloch, 1923; A utopia e as utopias – Raymond Ruyer – 1950; Ideologia e utopia – Karl Manheim – 1960; O mito da cidade ideal – Laurent Mucchielli – 1960 e Sociologia da utopia – Roger Duveau – 1961.

(Terceiro capítulo do livro "Por uma nova utopia-2", em fase de produção, sujeito a revisões)

Tuesday, December 26, 2006

TOQUE DE LETRA



Pedro J. Bondaczuk

(Fotos: Arquivo do site oficial da A. A. Ponte Preta)

PREFIRO ESPERAR MAIS UM POUCO

O treinador da Ponte Preta – na companhia do diretor de futebol do clube, Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho – anunciou, em entrevista coletiva, na quinta-feira, de forma oficial, as contratações da Macaca para o início da nova temporada. Os nomes, frise-se, decepcionaram a torcida, que esperava jogadores mais conhecidos e mais rodados no futebol brasileiro e até no exterior. Da minha parte, prefiro esperar mais um pouco, pelo menos o início da pré-temporada, prevista para começar já a partir da quarta-feira da semana que vem, antes de emitir qualquer opinião. Não quero cometer nenhuma injustiça. Às vezes, um atleta não é muito conhecido, mas se encaixa bem na equipe e surpreende, do lado positivo, com atuações marcantes. Espero que seja este o caso. Oito jogadores, conforme Wanderley revelou, já estão com a situação contratual definida com a Ponte, e é hora da torcida começar a se acostumar com essas novas caras. São eles: Ismael, volante e Zacarias, zagueiro (ambos do São Raimundo); Anderson Luiz, atacante (Londrina); Julian, volante (Rio Preto); Jonathan, lateral (Goiânia), Emerson, zagueiro (Paraná) e Anderson, zagueiro (Paulista). Fica a expectativa, ainda, quanto ao acerto com o atacante Castor, que defendeu o Gama na temporada passada, cujo passe está vinculado ao Atlético Paranaense, onde o atleta faz tratamento médico para se recuperar de um problema no púbis.

GUARANI PERDE, DE GOLEADA, NO TAPETÃO

Oito a zero contra. Foi esse o “placar” do julgamento do recurso do Guarani, no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), no famoso “Caso Gilson”. Foi mais uma (e creio que derradeira) batalha perdida pelo Bugre, no tapetão, em sua tentativa desesperada para recuperar os três pontos que perdeu, no Campeonato Brasileiro da Série B deste ano, por determinação da FIFA. Caso houvesse uma reversão dessa decisão, o clube permaneceria na segunda divisão do Brasileirão em 2007, o que seria dos males o menor. Nem isso conseguiu. Como se vê, vai ter que se conformar, mesmo, com o rebaixamento e ponto final. Fica a pergunta: se o envolvido nessa questão fosse, por exemplo, um Corinthians, ou um Flamengo, ou um Fluminense, ou outro clube qualquer, dos chamados “grandes”, haveria tamanha intransigência e tanto rigor? Ouso responder que não! Por essas e outras é que concluo, desolado, que o futebol já há muito deixou de ser uma competição, com isonomia de tratamento a todos os competidores, para se transformar num jogo de cartas marcadas.

MUDANÇA DE MENTALIDADE

Insisto na minha tese de que a Ponte Preta, mais do que um plantel de grandes nomes, precisa de uma mudança, urgente, na sua mentalidade, na filosofia de jogo que vem adotando de uns dez anos para cá, com resultados pífios, quando não desastrosos. O time tem que deixar de lado, urgente, sem mais nenhuma demora, essa verdadeira obsessão defensiva que já dura uma década e montar um esquema ousado, pra frente e nitidamente ofensivo. Para isso, precisa contratar jogadores adequados, com mentalidade vencedora. Essa história de jogar sempre com dois zagueiros rebatedores e três volantes idem, razoáveis na marcação, mas péssimos na saída de bola, já encheu. A torcida não agüenta mais esse tipo de jogo medroso, essa descarada retranca, esse incompreensível ferrolho. Chega! Prefiro (e tenho certeza que a maioria dos torcedores compartilha da minha preferência), um time que possa levar, por exemplo, três gols e ainda assim sair vencedor, porque seu ataque fez quatro. Perder por 1 a 0 é a mesma coisa quer perder de dez, em termos de perda de pontos! É derrota, e ponto final! Além do que, a equipe, atuando da forma covarde e sem imaginação dos últimos dez anos, se torna absolutamente previsível, pratica um futebol digno do circo dos horrores e vira saco de pancada até de timinhos inexpressivos, de porte igual ou inferior ao seu. Está mais do que na hora de mudar!

GAROTO REVELAÇÃO FAZ HISTÓRIA

O garoto Felipe, de apenas 18 anos, uma das poucas revelações do Guarani na desastrosa temporada de 2006, está fazendo história. Fez um acordo com o Bugre, que teve perdoados os três meses de salário que lhe devia, e assinou contrato com o Anderlecht, da Bélgica, um dos bichos-papões do futebol desse país, onde terá a oportunidade de disputar, quem sabe, até uma Copa da Uefa. “E onde estaria o fato histórico, no caso?”, perguntaria o torcedor bugrino. Ocorre que Felipe se tornará o primeiro jogador brasileiro a vestir a camisa desse importante clube europeu. O atleta, como se vê, saiu-se muito bem em toda essa situação. Mal deu os primeiros passos na carreira, e já recebe uma oportunidade de ouro para se projetar e fazer, quem sabe, uma ponte para um time de maior expressão no cenário futebolístico europeu, da Espanha, de Portugal ou da Itália. E o Guarani, como clube revelador, o que levou? Praticamente nada! Apenas não terá que pagar os três meses de salário que devia ao atleta. Desse jeito, não é de se estranhar que o Bugre tenha que disputar, em 2007, a série A-2 do Campeonato Paulista e a C do Brasileirão. Quem te viu e quem te vê!!!

PONTE AINDA PROCURA MATADOR

Rodrigo Tiuí, ao que se propala, estaria, mesmo, com um pé na Ponte Preta. Mas sua possível vinda para o Majestoso não teria nada a ver com as negociações com o Santos, em torno do passe do lateral-direito Nei. Até porque, seu vínculo está preso ao Fluminense. Todavia, tudo leva a crer que o jovem atacante não teria espaço algum no tricolor das Laranjeiras se permanecesse no clube carioca, principalmente após as contratações de Rafael Moura, ex-Corinthians, e de Alex Dias, ex-São Paulo. Para não desvalorizar o jogador, o Fluminense estaria disposto a ceder o meia-atacante para a Ponte Preta, por empréstimo, até o final da temporada de 2007. Reitero o que escrevi a respeito na coluna passada. Ou seja, que Rodrigo Tiuí já mostrou, no próprio Fluminense, no Noroeste e no Santos, que é um atacante “interessante”, rápido, de bom domínio de bola e fazedor de gols. Mas ele ainda não é o centroavante matador que a Ponte Preta tanto precisa. No máximo, seria excelente coadjuvante dessa figura, hoje tão rara e cobiçada no futebol brasileiro, que a diretoria precisa trazer com a máxima urgência. Seria o Tico, esse homem-gol? Pode ser! Seria o Geilson, do Santos? Talvez! Mas a Ponte não pode é passar mais uma temporada sem esse centroavante de referência!

EXPECTATIVA QUANTO ÀS JOVENS PROMESSAS

Vai começar, no final da semana que vem, mais uma edição da cada vez mais “inchada” Copa São Paulo de Futebol Junior. Serão 64 clubes, formados por garotos com menos de vinte anos, ávidos por mostrar as suas grandes “promessas”, muitas das quais já vestem a camisa titular de muitos deles. Vai ser uma festa para os empresários, atentos nas revelações, antecipando a possibilidade de lucros milionários em futuras negociações, notadamente com o exterior. Para nós, campineiros, fica a expectativa quanto à participação de nossas três equipes profissionais, Ponte Preta, Guarani e Campinas, que nas últimas cinco ou seis edições demonstraram extrema fragilidade, tiveram performances decepcionantes e foram eliminadas por timinhos inexpressivos, de aluguel, o que se refletiu, diretamente, nas respectivas categorias profissionais. Nas duas últimas Copas São Paulo, convém ressaltar a bem da justiça, o Águia, do Edmar e do Careca, foi quem salvou a honra do tão debilitado futebol campineiro, conseguindo, pelo menos, passar para a fase do mata-mata. Foi pouco? Foi! Mas melhor do que nada.

RESPINGOS...

· O tarimbado e super-rodado Edmundo, de inegáveis virtudes técnicas, mas bastante problemático por causa das besteiras que diz e principalmente faz, fala em encerrar a carreira no Palmeiras em 2007, time que lhe deve muitas das suas conquistas e cuja torcida lhe devota carinho e respeito.
· O veterano Romário, prestes a completar 41 anos, que acalenta a obsessão de fazer mil gols (faltariam apenas 13 para completar essa marca), ainda desperta enorme interesse num montão de clubes. Os dois mais citados, de uns tempos para cá, são o Bragantino e a Portuguesa. Será que o Baixinho vai disputar pelo menos um Campeonato Paulista antes de pindurar as chuteiras? Tenho minhas dúvidas!
· O meia Rozenbrink, há não muito, foi cantado e decantado em verso e prosa como sendo um craque. Não foi, porém, o que mostrou no Palmeiras, onde teve uma decepcionante passagem. Agora, está de regresso a Recife, mais especificamente ao Santa Cruz, de crista bastante baixa.
· O veteraníssimo Antônio Carlos está de regresso à Vila Belmiro. Sempre se deu bem sob o comando de Wanderley Luxemburgo. O zagueiro acaba de assinar contrato com o Santos para a disputa do Campeonato Paulista.
· Quando tudo parecia resolvido, com o fim do caso Nilmar, com o ótimo centroavante permanecendo por mais um ano no Parque São Jorge, eis que o Lyon, detentor do seu passe, manifestou forte interesse de ter seu matador de volta. E, assim, a novela continua.

* E fim de papo por hoje. Entre em contato, para críticas e sugestões.


pedrojbk@hotmail.com

REFLEXÃO DO DIA


A necessidade humana de acalentar esperanças para poder sobreviver ao tédio ou à mediocridade nos leva a fazer do futuro – ou seja, do que ainda não aconteceu e pode sequer jamais ocorrer para nós – uma "Idade de Ouro", onde tudo será melhor do que hoje e principalmente do que ontem. Com isso, nos esquecemos de viver o presente e de valorizar as benesses com que contamos. Nesse contexto, colocamos à nossa frente determinados símbolos, aos quais emprestamos excessivo valor. Um deles, é a passagem de um ano para outro. É o que ocorre agora em relação a 2006. Ele pode, sim, ser um ano de sucessos e de alegrias, se agirmos nesse sentido. Se formos íntegros, dedicados, solidários, competentes e soubermos partilhar o que temos com os menos favorecidos. Ação tem que ser o grande lema para os próximos 365 dias. E que 2007 seja, de fato, um marco em nossas vidas. Que possamos concretizar nesse próximo ano nossos sonhos e ideais.

Lembranças da várzea - 13


Pedro J. Bondaczuk


O ponto vulnerável do Flamenguinho, quer na temporada inteira de 1961, quer na metade da de 1962 – tanto nos amistosos quanto no Campeonato da Liga Sancaetanense de Futebol – era a sua defesa, mais especificamente, seu miolo de zaga. Sua grande deficiência eram as bolas altas. Tomávamos gols incríveis de cabeça, e nos momentos mais críticos de determinadas partidas, obrigando o ataque a se desdobrar para compensar as burradas defensivas. Na maioria das vezes, dava certo (principalmente quando o Celso estava inspirado e ele estava quase sempre), e vencíamos os jogos, embora o placar não refletisse a nossa superioridade. Mas nem sempre isso funcionava. Havia ocasião em que jogávamos de forma arrasadora, como o Santos dos bons tempos, mas perdíamos ou empatávamos os confrontos, em decorrência de falhas defensivas.
Lembro-me de um episódio que ilustra bem essa situação. Foi num jogo contra o então famoso Galo de Ouro, da Mooca, um dos grandes times da várzea de então, que estava há mais de cinqüenta partidas sem perder. Desafiamos esse esquadrão para um tira-teima, que ocorreu ainda no campo do Pira, em maio de 1961. Nesse dia, o Flamenguinho se superou. Tudo dava certo para a gente. O Celso (para variar) fez um gol antológico, de deixar o torcedor sem fala.
Foi um jogo brilhante, do ponto de vista técnico, para crítico nenhum botar defeito. Era um toma-lá, dá-cá constante, um equilíbrio total entre os dois times. Por volta dos 40 minutos do segundo tempo, estávamos ganhando, e jogando bem. Tudo indicava que iríamos quebrar a invencibilidade do poderoso adversário. Foi quando ocorreu uma falta na lateral direita da nossa área. O Jorge armou a barreira, com três jogadores, mas estava claro que o ponta-esquerda iria alçar a bola para alguém cabecear. E foi o que fez. Porém, o Orestinho, nosso quarto-zagueiro, estranhamente, não saiu do chão. E o meia-direita adversário, que era baixinho, ainda precisou se abaixar para cabecear, livre, para o gol, empatando a partida.
Um senhor idoso, que estava ao meu lado (que não era da vila e acho que era torcedor do Piratininga), comentou com um companheiro, a respeito do Flamenguinho: “Esse time é muito bom! No dia em que consertar essa defesa, será imbatível!”. Foi o que aconteceu quando consegui, finalmente, resolver esse problema, antes do início do campeonato da Liga de 1962. A solução veio com a chegada da família Sartori ao clube.
Orestes e Cali atuavam no General Motors e eu já havia visto a dupla jogar pelo ótimo time dessa indústria. Fiquei impressionado! E tentei o que parecia impossível: convencer os irmãos a deixarem um clube onde tinham todas as regalias possíveis, para virem atuar num outro, em que teriam que pagar para jogar. Por incrível que pareça, consegui convencê-los. Inscrevi ambos e, de lambuja, ganhei o concurso de um terceiro irmão, o Wilson.
Antes da chegada do Orestes e do Cali, o nosso miolo de zaga era integrado pelo Pedro e Orestinho. O primeiro, um grande atleta, com grande impulsão, muito fôlego e marcador implacável, era o “carregador de piano” da defesa. O ponto vulnerável estava na lateral-direita. Jogava, nessa posição, o Wanderley, um garoto de 18 anos, voluntarioso, mas com uma série de deficiências técnicas, de fundamento. Era baixinho, marcava mal e tinha a mania de querer “jogar com classe”. Esse setor era um buraco na nossa defesa.
Cansei de recomendar-lhe que não deixasse o ponta cruzar bolas para a área. Em vão. Os cruzamentos, pelo seu lado, sucediam-se o jogo todo, e em todos os jogos, redundando em gols e mais gols dos adversários. Pela esquerda, o Paulo Búlgaro, embora excelente marcador, apelava a toda hora e fazia faltas desnecessárias. E o Orestinho, embora ótimo na marcação, e com muito senso de cobertura, era péssimo cabeceador.
Quando os irmãos Sartori chegaram, além de escalá-los de imediato, como titulares da zaga (estavam super-entrosados, pois há anos jogavam juntos no General Motors), fiz outra mexida na defesa. Mantive o Pedro na equipe, mas deslocado para a lateral-direita, no lugar do Wanderley. E ele adaptou-se logo, sem nenhuma dificuldade, à posição. Parecia, até, que havia jogado a vida toda por esse setor. Craque de verdade é assim.
A partir daí, paramos de levar gols de cabeça, tanto os difíceis quanto, muito menos, os fáceis. E deu no que deu: fomos campeões da Segunda Divisão da Liga em 1962 e da Primeira, dois anos após, cumprindo as previsões daquele torcedor, no histórico jogo contra o Galo de Ouro da Mooca, no campo do Pira.
O difícil foi convencer o Orestinho a jogar no segundo quadro. Ele chegou a pedir demissão do clube, mas foi convencido pelo Neuclair a voltar atrás. Com o tempo, gostou tanto de atuar no time de baixo (onde fazia dupla com o outro irmão Sartori, o Wilson), que quando eu precisava dele na equipe principal, se recusava a jogar. E eu era forçado a fazer improvisações. O engraçado é que a defesa do segundo quadro era um paredão e raramente era vazada. O Orestinho e o Wilson entendiam-se só pelo olhar. Eram demais!
Outro ponto a favor do Orestes, é que foi dele o gol do título de 1964, na dramática partida em que o Flamenguinho empatou com o Vila Gerte, no campo do adversário, por 3 a 3. Muito torcedor nosso contesta isso até hoje, argumentando que depois desse jogo, o time realizou ainda mais três, e venceu todos eles. Não fosse, porém, esse providencial empate, que nos manteve um ponto à frente desse poderoso esquadrão que até então era o maior ganhador de campeonatos da Primeira Divisão da Liga, nossa tão sonhada conquista teria fugido das nossas mãos.
Enfatizo que, na época, não existia essa coisa de zagueiros irem para a área adversária, nos lances de escanteio ou de falta, para tentarem o cabeceio. Ademais, tínhamos o Tatinho, emérito cabeceador e centroavante com “cheiro de gol”, como se costuma dizer ainda hoje dos artilheiros. Quando tomei essa decisão pela primeira vez, de liberar o Orestes para ir à área adversária, todos me chamaram de maluco. Foi num jogo em que perdíamos e precisávamos do empate a qualquer custo e em que tanto fazia perder por um como por dez gols de diferença. Deu certo, na oportunidade. Por isso, passei a utilizar essa “arma” em outros momentos decisivos, como fator surpresa. Raramente falhou. Porque o Orestes era bom de cabeça não só para evitar gols adversários, mas, também, para fazê-los a nosso favor.

Monday, December 25, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Os santos sempre foram raros e ninguém tem a absoluta certeza se sua santidade não foi apenas para "consumo público". A mente e o coração de uma pessoa são indevassáveis... No outro extremo, os piores monstros que já passaram pela Terra, os seres mais asquerosos e repelentes pelas atitudes hediondas que tomaram, certamente tiveram uma pontinha, um lampejo, uma centelha por menor que fosse de bondade, de grandeza e de racionalidade. Tudo o que valoriza a vida e enfatiza o seu mistério e a sua beleza, deve ser preservado, cultivado e transmitido através das gerações. Mesmo com pieguice... E o Natal, mais do que nunca, está nesta condição. Porque a data marca não apenas o nascimento de um deus que se fez homem, mas o surgimento da esperança para uma espécie condenada ao desaparecimento por sua própria animalidade, por seus instintos e por suas inclinações para o mal.

Divagações sobre o Natal


Pedro J. Bondaczuk


O Natal tem o poder de mexer com meus sentimentos e emoções como nenhuma outra data do ano, de tornar-me ainda mais emotivo do que normalmente sou (e olhem que sou demais!) e de fazer com que me mostre dispersivo e sem imaginação, justo eu que prezo tanto a racionalidade, o autodomínio, a concentração e, sobretudo, a criatividade em tudo o que faço.
Sei, sei, impaciente leitor, que estou sendo repetitivo. Não precisa me apontar esse dedo acusador e lembrar que eu já disse tudo isso em pelo menos uma dezena de crônicas alusivas à data. Disse mesmo! E, provavelmente, direi de novo, quantos forem os textos dessa natureza que vier a produzir. Afinal, escrever sobre o Natal não passa de variações infinitas sobre o mesmíssimo tema. Ou não é?!
Ademais, não posso deixar de me repetir, quando o sentimento que me leva a essa repetição não mudou. Ou seja, é, por sua vez, também repetido, ano após ano. Creio que, mais do que falta de assunto, essa minha insistente reiteração mostra, antes de tudo, minha coerência. Ou não mostra? Pior seria se eu me contradissesse nessa crônica. Se confessasse emoções que não sinto e se garantisse não sentir o que, de fato, me vai na alma.
Mas, deixando de enrolação, o tema que vou abordar hoje não é bem este. Para contrapor a minha falta de imaginação ao escrever sobre a data, destaco a total falta de criatividade na forma dela ser comemorada em nosso país, que não passa de cópia mal-feita de comemorações similares da Europa e dos Estados Unidos.
É fato que o Natal envolve, sobretudo, tradição. E que parcela expressiva da nossa população é descendente de imigrantes europeus. São coisas que não nego, e nem poderia (pelo menos em sã consciência) negar. Todavia, a imensa maioria do nosso povo é constituída da quarta ou quinta geração daqueles peregrinos originais que vieram para estas plagas tropicais tentar sorte melhor do que a que tinham em suas pátrias de origem.
Seus tetra-avós, bisavós, avós e pais cederam aos encantos dos nativos e misturaram os seus genes, no magnífico cadinho das miscigenações, aos dos descendentes de africanos, de índios e de asiáticos, o que resultou numa nova etnia: a brasileira. A essa altura da história, portanto, já podemos afirmar, com segurança, que nestas terras abençoadas por Deus, em que em fevereiro tem Carnaval, surgiram um novo homem e uma nova mulher. E não temos, em absoluto, que nos envergonhar disso. Alguns parecem ter vergonha! Tolice. Temos, sim, é que comemorar e que nos orgulhar dessa mistura.
Por que, então, não darmos vazão à nossa própria e rica cultura, considerada exótica por muitos, mas de uma riqueza incomparável quando confrontada com as demais? Por que não festejarmos o Natal (e não somente ele, mas todas as outras datas, consideradas universais) à nossa maneira? Temos sempre que macaquear os outros?
Vejam, por exemplo, o estereótipo do Papai Noel. Não tem absolutamente nada a ver com nossos costumes. Ainda se a lenda dissesse que ele provém do Pólo Sul, poderia, forçando muito a barra, se dar um desconto. Mas não! Essa figura que ainda assanha a imaginação de algumas crianças, em plena era da internet, provém do extremo Norte do mundo! E esse mito natalino (mito que, reitero, não tem nada a ver conosco) já destoa de cara em suas vestes.
Raciocinemos. O Natal, por aqui, cai logo no início do verão que, dependendo da região, é sempre quentíssimo, “senegalesco”, como diriam os locutores esportivos. Papai Noel, com aquela sua roupa pesada, e ainda mais vermelha (que absorve, portanto, o calor em vez de dissipá-lo) não resistiria a uma única temporada entre nós. Morreria de insolação ou, literalmente, “derreteria” neste nosso calor tropical.
Se quiserem usar essa figura simbólica, muito que bem. Usem, mas façam, pelo menos, a caridade de adaptar os seus trajes à realidade climática do nosso País. Já não digo que ele deva vestir bermuda e uma camisa leve e florida, como os turistas que visitam o Rio de Janeiro nesta época do ano usam (aliás, ideal para o nosso clima), mas pelo menos vistam nele uma roupa mais condizente. Talvez a melhor indumentária fosse aquela espécie de bata branca que os membros do bloco carnavalesco Filhos de Gandhi vestem em seus desfiles no Carnaval, pelas ladeiras do Pelourinho, em Salvador. Mas aí já seria um exagero. Muitos considerariam um escracho.
Claro que é possível enumerar mais uma centena de incongruências na forma como comemoramos a data por aqui. Aqueles tufos de algodão, por exemplo, para dar a entender que são flocos de neve, colocados a título de enfeites nas árvores de Natal, não condizem, claro, nem um pouco com a nossa realidade. Não se esqueçam, reitero, que estamos em dezembro e, portanto, em pleno verão por estes trópicos ardentes. Ademais, pouquíssimos brasileiros já viram neve na vida, só presente, nos meses de junho e julho (e assim mesmo nos invernos inusitadamente rigorosos) em São Joaquim e em mais duas ou três cidades das serras catarinense e gaúcha.
E as comidas das ceias natalinas, então! São um massacre para o fígado de qualquer cristão e uma agressão ao organismo dos que lutam contra a obesidade! No entanto, temos uma riqueza gastronômica incomparável (e saudável) que é deixada de lado, apenas para macaquear outros povos. Claro que você, leitor exigente e severo, vai achar esta crônica ridícula. Paciência. Para dar-lhe um toque de erudição, porém, cito o que escreveu William Shakespeare, há quase cinco séculos: “No Natal, não almejo uma rosa nem desejo neve sobre a alegria de maio. Apraz-me em cada estação o que lhe pertence”.
Notaram o que o bardo de Stratford-Avon quis dizer, no remoto século XVI? Pois é, ele me dá plena razão. Afirmou que devemos nos contentar com o que cada estação do ano tem a nos oferecer. Que não se pode querer colher rosas, em nosso jardim, em dezembro (que é inverno na Inglaterra) e nem pretender que caia neve em maio (primavera em seu país). Para o caso brasileiro, basta trocar o inverno pelo verão e a primavera pelo outono e a citação caberá como uma luva para nós. Comemoremos, sim, o Natal, e com tudo a que temos direito. Mas à moda brasileira! E tenho dito!

Sunday, December 24, 2006

Três sonetos de Natal


Pedro J. Bondaczuk

Cenários de Natal


Noite de Natal, a cidade se ilumina...
Brilham estrelas, o mundo se enche de luz.
Mil canções bailam no ar, a paz predomina,
é noite de festas pro Menino Jesus.

Noite de Natal, reacendem-se esperanças,
tristezas desaparecem, tornam-se vultos,
face aos inocentes sorrisos das crianças
que se somam às recordações dos adultos.

A chama do amor os corações incendeia.
A fé eleva nossas preces para o céu...
Em surdina, ouvem-se as notas do Jingle Bell...

Feliz, sentado à mesa, em posição central,
o pai preside a familiar e santa ceia...
A cidade se ilumina... Noite de Natal...

Mensagem de Natal


Um dia – memorável dia – a humanidade
teve expiados todos os erros seus,
através da magnífica oportunidade
de conviver cotidianamente com Deus.

O arquiteto do universo, que irradia
luz, poder, glória infinita e imorredoura,
nasceu, sem pompa ou luxo, numa estrebaria,
só tendo, por berço, uma reles manjedoura.

O seu nascimento traz a maior lição
do que ao homem deve ser essencial:
a bondade, a pureza e amor no coração

e a luz da verdade por perene ideal.
Esta foi a mensagem do Deus do perdão
há dois mil anos, numa noite de Natal!


Meu maior presente


É noite de Natal... Estrelas reluzentes
salpicam o céu, este infinito luzeiro.
Na sala, sob a árvore, estão os presentes.
As luzes, piscando, iluminam o pinheiro.

Só, reflito em fatos antigos e recentes,
nos ganhos e perdas deste ano, no final,
nos mui queridos amigos e nos parentes
que estão distantes nesta noite de Natal.

Penso, sobretudo, em você, amiga ausente,
no que gostaria de receber e dar,
no seu grande carinho e generosidade,

no seu sorriso e franqueza no olhar,
pois só quero, amiga, como maior presente,
o rico penhor da sua eterna amizade!

(Sonetos compostos em Campinas, em 23 de dezembro de 2006).

REFLEXÃO DO DIA


O Natal, apesar de ter sido apropriado pelo comércio como uma época de zerar os prejuízos ou de consolidar os lucros é, sobretudo, louvação à vida. O próprio significado da palavra, "nascimento", sugere essa conotação. Como tema literário, é dos mais difíceis, já que vem sendo explorado há quase dois mil anos por artistas de todas as tendências e línguas. Virtualmente, tudo o que se podia dizer, em qualquer das linguagens artísticas que se utilize – a palavra (em qualquer idioma ou dialeto), o pincel (em qualquer estilo), o buril (em qualquer mão) ou o som (em qualquer tonalidade) – já foi dito por alguém em algum lugar e em algum tempo. Quem se aventura a explorar a temática sabe que dificilmente conseguirá ser original. Mas será que a originalidade é tão importante neste caso? Ou há fatores mais relevantes, como a visão pessoal, o bom-gosto, a sensibilidade, a clareza, a simplicidade etc, a serem enfatizados?

Ao sabor das emoções


Pedro J. Bondaczuk


O Natal tende a me tornar mais emotivo do que normalmente já sou (e olhem que sou um feixe ambulante de emoções, com a sensibilidade à flor da pele, embora raros dos que me conhecem se dêem conta), tanto do lado positivo, quanto do negativo.
Lembranças de pessoas queridas – distantes ou que já morreram –, dos meus pais, de parentes, de amigos e de tantas mulheres que amei – me afloram, irresistivelmente, à memória, logo pela manhã, e teimam em ficar comigo o tempo todo, sejam quais forem as circunstâncias do dia, até conciliar o sono, já alta madrugada, me despertando saudades, tristezas, ternuras e uma gama de outros tantos sentimentos que sequer consigo identificar.
Simultaneamente, a revolta, que mantenho represada o ano todo, contra tudo o que vejo de errado no mundo no meu dia-a-dia, – e vejo muitas e muitas coisas, até em decorrência da profissão que exerço, que me obriga a estar sempre bem-informado sobre tudo o que acontece – subitamente vem à tona, de forma incontrolável, e se mistura com as outras emoções, deixando a cabeça em ponto de explosão. É quando aquela imagem do jornalista frio, insensível e até um tanto cínico, que fazem de mim, cai por terra.
Pudesse, como a maioria das pessoas, gozar plenamente o feriado, não haveria maiores problemas. Mas não posso. As vésperas do Natal, e a própria data, são, para mim, das ocasiões mais trabalhosas do ano. É a época em que recebo encomendas e mais encomendas para produzir textos alusivos à data, de jornais e sites de várias partes do Brasil e até do exterior. E todos os querem exclusivos. E todos os querem originais. E todos os querem equilibrados. E todos os querem inteligentes e atrativos. Haja criatividade! Mas como me concentrar com tamanho turbilhão de sentimentos?
Todos os anos é o mesmo drama. Quem já teve a incumbência de escrever uma única crônica de Natal sabe o quanto é difícil ser original e não descambar para a pieguice. Quase tudo o que se possa escrever sobre o assunto alguém já escreveu em alguma época ou lugar. O tema é dos mais complicados para qualquer redator, seja jornalista, escritor ou publicitário. É um campo minado para a criatividade, verdadeiro terreno de areia movediça no qual, se não tivermos cautela, iremos, fatalmente, submergir. Se um texto do tipo já é um parto da montanha, imaginem, então, o tamanho do pepino, ao ter que escrever de oito a dez diferentes, sobre o mesmíssimo assunto! E, ainda mais, com a cabeça cheia de lembranças e de emoções desencontradas!
Tempos atrás, quando trabalhava no Correio Popular, era pior. Nas duas décadas que permaneci no jornal, nunca tive um único Natal de folga, para desespero da mulher e dos filhos. Meus plantões caíam, invariavelmente, nessa data. Quando voltava para casa, alta madrugada, a ceia já havia acabado há tempos, os convidados já tinham ido embora, deixando-me presentes e votos de felicidade, e a família já estava dormindo. Restava-me tomar banho, requentar o prato feito deixado no microondas, jantar na companhia dos fantasmas e recolher-me, cheio de cansaço e de lembranças (doces e amargas ao mesmo tempo), sem tempo e disposição sequer para lamentações.
Ossos do ofício! O que fazer? Agora as coisas, a rigor, não são lá muito diferentes. Só mudou, mesmo, o lugar em que exerço o meu ofício de “escrevinhador”. Em vez da redação do jornal, o local em que busco garantir o pão nosso de cada dia é o meu gabinete particular de trabalho, aqui em casa. É até pior.
Por mais despojado que seja o ambiente, cada objeto que me cerca é uma lembrança viva a tirar a minha concentração. O próprio computador, no qual redijo os textos, é um presente de Natal da minha filha mais velha, a Tatiana. Quase nada no cômodo – à exceção da maioria dos mais de quatro mil volumes da minha caótica biblioteca – foi comprado por mim. Tudo foi mimo de alguém que gosta de mim, que se importa comigo, que quis me agradar: a caneta, os óculos de leitura, o cinzeiro, o relógio de parede e a própria escrivaninha, entre outras coisas.
Foi nessas circunstâncias, e com os já descritos sentimentos e emoções, que redigi esta insólita e queixosa crônica. Como se vê, apesar de amar, de paixão, o meu ofício, a vida de jornalista não tem nem um pouquinho do glamour e do charme que os que não são do ramo lhe atribuem. Antes tivesse! Feliz Natal para todos!

Saturday, December 23, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O caminho que conduz à alegria genuína, como a que devemos ter no Natal, é menos complicado do que se pensa. Basta saber valorizar os pequenos gestos, as minúsculas conquistas, as mínimas superações de dificuldades que, somadas, representam imensas bênçãos. Saint-Exupéry escreveu no "O Pequeno Príncipe" que "nada se iguala ao sabor do pão partilhado". E não somente deste, poderíamos acrescentar. A partilha das nossas alegrias é como o milagre cristão da multiplicação. Quanto mais as repartimos, mais intensas elas se tornam. Já a divisão dos fracassos, dores e decepções tem resultados opostos: diluem-se, dissolvem-se, reduzem-se e acabam ficando quase imperceptíveis. O gesto de iluminar a fachada da própria casa, ou as árvores da rua, ou os monumentos das praças, reflete um desejo (muitas vezes inconsciente) de partilhar a beleza, a esperança e a alegria; mas também a incerteza, o medo, a dor, a solidão e os problemas.

Numa noite de Natal


Pedro J. Bondaczuk

A casa está toda arrumada para
um evento insólito e especial.
Até as paredes parecem sentir,
expectantes, a antecipação de
um momento ímpar, inesquecível.

A mesa está posta para receber
tantos e ilustres convidados.
Néctares inestimáveis, inacessíveis
aos mortais, enchem terrinas de porcelana.
Aos que optarem pelo exótico,
há generosas porções de ambrosia,
procedente, direta, do Olimpo.
Os comedidos, de postura espartana,
poderão apreciar o milagroso maná
que alimentou Israel no Sinai.
E o vinho?Especial para a ocasião!
É da safra original, que embriagou
o patriarca Noé, após deixar a arca,
tão logo baixaram as águas do dilúvio.

Ao canto, um pinheirinho, garboso,
enfeitado com bolas coloridas de vidro
elaboradas por artesãos de Sidon.
Dezenas de estrelinhas douradas
pisca-piscam mistérios insondáveis,
ao comando da estrela de Belém,
que encima a árvore (símbolo da vida).

E os convidados chegam, em silêncio,
um a um, posto que radiantes,
com sorrisos avassaladores e
estranhos embrulhos sob o braço...
Meus avós...Tio Pedro e tio João...
O Maurício de Moraes, com olhar brejeiro...
O Mauro Sampaio, com sua lira
dourada, com sete cordas de crina...
A Célia Búrigo, recitando versos e
beijando, carinhosa, os convidados...

E eles chegam e se acomodam
ao redor da magnífica mesa posta.
Antes, trocam presentes comigo.

O avô Hilarion brinda-me com um álbum
dos seus feitos mais notáveis,
o que me comove, às lágrimas.
O avô Simão, com seu gorro de astracã,
e um pesado casaco, vermelho e branco,
que o faz parecer Papai Noel,
me entrega rico samovar de vidro
e uma insólita pomba de cristal.

Tio Pedro, compenetrado, me dá
um caderno amarfanhado, com poemas,
ricos versos, que compôs na juventude.
As avós, Rosa e Matrena, dão flores,
suaves e imperecíveis flores:
um lírio branco e a rosa de Sharon.

E recebo presentes...Outros presentes...
Tio João oferta-me uma antologia rara
com poesias de Wladimir Mayakowski.
Maurício traz-me raras crônicas
da sua infância em Minas Gerais,
emolduradas num quadro, com molduras de ouro.

Mauro presenteia-me com os originais
do seu livro “No silêncio do espelho”
E Célia? Célia oferta, generosa,
seu último verso (o que não escreveu).
Retribuo, a todos, com presente-padrão:
a fidelidade da perpétua lembrança.

A noite avança. Lá fora, a lua cheia
ilumina a casa, o bairro, o mundo,
enquanto meu pensamento vagueia
numa estrada, luminosa, de estrelas.
Ao longe, o som sereno de um sino
embala sonhos e as nossas conversas,
num ritmo de recordação e saudades.

Finda a ceia, os convidados se vão, um a um,
Mas com solenes promessas de voltar...
Meus avós...Tio Pedro...Tio João...
O Maurício de Moraes, com olhar brejeiro...
O Mauro Sampaio, com sua lira...
A Célia Búrigo, recitando versos...

Seguem, alegres, pisando estrelas,
com seus pés incorruptíveis,
para o seu novo mundo: o das lembranças...
O relógio marca duas da madrugada...
Estou só... A casa? Vazia! E a noite? De Natal!

(Poema composto em Campinas, em 15 de dezembro de 2006).

Friday, December 22, 2006

REFLEXÃO DO DIA


A violência é a marca do nosso tempo. A paz torna-se aspiração maior de todas as pessoas, mundo afora. Enquanto não se chega a essa situação ideal, porém, resta se contentar com os hiatos de tranqüilidade da época das festas de fim de ano. Há, inclusive, uma campanha em andamento nesse sentido: "Natal de paz e sem violência". Promoções como esta deveriam ser constantes, permanentes e não se limitar apenas às celebrações natalinas, para enfatizar, sobretudo, o "milagre da vida". E por que falamos em "celebração" do Natal e não em simples festa? Não seria a mesma coisa? Não! Leonardo Boff traça a diferença “Celebrar implica mais do que saber e refletir. Importa abrir o coração e se alegrar". E mesmo diante de tanta coisa errada que nos acontece no dia-a-dia, existem inúmeros motivos para alegria (mais do que para a tristeza e a angústia), até mesmo para os doentes, os desesperados e os deserdados da sorte. Basta olhar para ver!

Louvor à vida


Pedro J. Bondaczuk


O Natal, apesar de ter sido apropriado pelo comércio como uma época de zerar os prejuízos ou de consolidar os lucros (dependendo do caso e do estado da economia) é, sobretudo, uma louvação à vida. O próprio significado da palavra, "nascimento", sugere essa conotação.
Como tema literário, é dos mais difíceis, já que vem sendo explorado há quase dois mil anos por artistas de todas as tendências e línguas. Virtualmente, tudo o que se podia dizer, em qualquer das linguagens artísticas que se utilize – a palavra (em qualquer idioma ou dialeto), o pincel (em qualquer estilo), o buril (em qualquer mão) ou o som (em qualquer tonalidade) – já foi dito por alguém em algum lugar e em algum tempo.
Quem se aventura a explorar a temática sabe que dificilmente (provavelmente nunca) conseguirá ser original. Mas será que a originalidade é tão importante neste caso? Ou há fatores mais relevantes na arte, como a visão pessoal, o bom gosto, a clareza, a simplicidade, etc, a serem enfatizados?
O que o artista contemporâneo acrescentará será somente sua experiência pessoal, que é única, desde que se disponha a perder o medo e se exponha de fato, de corpo inteiro, sem nenhuma espécie de pudor ou dissimulação, perante o público: com absoluta sinceridade, sem buscar criar estereótipos. No mais, tudo o que escrever ou disser não passará de variação em torno do mesmo tema.
Ainda assim, é um desafio que o artista de verdade, aquele dotado não somente de técnica, mas, sobretudo, de talento e sensibilidade, deve encarar, mesmo correndo o risco de resvalar para o pieguismo, que é onde geralmente vão parar os textos que têm sido escritos anualmente sobre o Natal. É quase inevitável...
Há os que preferem se alienar da realidade e enveredar pelas fantasias, como se vivessem em mundo ideal e não no "perdido", no violento, no áspero, no duro, no inflexível no qual um deus precisou se fazer humano para salvar. Sua obra fica privada da verossimilhança. Outros descambam para um rumo diametralmente oposto. Também são inverossímeis. Tudo o que vêem no homem é violência, hipocrisia, mentira, vaidade, egoísmo e desamor.
Esquecem-se que essa espécie animal ainda está em formação, já que é extremamente "jovem" em relação não apenas à idade universal, mas da própria Terra, que foi formada, há no mínimo, 4 bilhões de anos. Em pouco mais de seis milênios, (uma piscada de olhos imperceptível de tão rápida, um quase nada da eternidade), evoluiu demais, tanto em termos materiais, quanto morais.
É certo que a história relata avanços e retrocessos contínuos, de acordo com as várias gerações, que são como safras. Umas são de primeira qualidade, outras somente medianas e outras ainda infestadas de pragas de toda a espécie, que não vingam e deixam vestígios de comportamentos doentios nos descendentes. Não se pode ser maniqueísta quando se trata de ser humano.
Os santos sempre foram raros e ninguém tem a absoluta certeza se sua santidade não foi apenas para "consumo público". A mente e o coração de uma pessoa são indevassáveis... No outro extremo, os piores monstros que já passaram pela Terra, os seres mais asquerosos e repelentes pelas atitudes hediondas que tomaram, certamente tiveram uma pontinha, um lampejo, uma centelha por menor que fosse de bondade, de grandeza e de racionalidade.
Tudo o que valoriza a vida e enfatiza o seu mistério e a sua beleza, deve ser preservado, cultivado e transmitido através das gerações. Mesmo com pieguismo... E o Natal, mais do que nunca, está nesta condição.
Porque a data marca não apenas o nascimento de um deus que se fez homem, mas o surgimento da esperança para uma espécie condenada ao desaparecimento por sua própria animalidade, por seus instintos e por suas inclinações.
Se a humanidade não tivesse "conserto", um Deus não se disporia a mandar para este inexpressivo planeta seu próprio filho para a tarefa da sua redenção, mesmo sabendo de antemão qual seria o seu destino na Terra, dada a sua onisciência (e esta é a base da nossa fé cristã).
Possivelmente, muitas gerações ainda irão se suceder. Algumas dessas "safras" serão magníficas. Outras, serão apenas comuns. Outras ainda vão ser de péssima qualidade. Estas últimas é que são perigosas, porquanto podem determinar, através de suas ações, a destruição do Planeta e de tudo o que nele há, se não forem condicionadas, não importa de que forma, a valorizar a vida.
Hoje, há milhões de arautos da morte espalhados pelo mundo. Basta ligar um receptor de televisão ou de rádio, assistir a qualquer filme ou ler os jornais e revistas para perceber onde está a ênfase. A mesma coisa vale em relação à literatura e por extensão às outras artes. Está na violência de toda a espécie, na marginalidade, na criminalidade, na exclusão, na controvérsia, na discórdia, nas guerras civis ou entre nações...Nos conflitos de toda a sorte...
Não que estejamos criticando a mídia. Se a imagem que determinado espelho reflete é horrível, não é este que deve ser quebrado. E os meios de comunicação não passam de reflexos dessa feia realidade que nos cerca. Daí tradições como a do Natal – não importa comemorado de que maneira ou descrito de que forma – são importantes de serem preservadas e transmitidas geração após geração. É a vida prevalecendo, com toda a sua fragilidade, sobre a ronda grotesca e permanente da morte... e do nada...

Thursday, December 21, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Procure passar o Natal com a família. Antes da ceia, abrace, com toda a solenidade, mas de forma espontânea e sincera, de coração aberto, todos seus entes queridos. Mostre-lhes que se importa com seus problemas, com suas preocupações, com seus sucessos ou com seus fracassos. Este abraço pode se transformar no maior presente que eles já receberam algum dia. Um conselho, uma orientação, uma informação, ou um simples gesto de compreensão não custam nada, e muitas vezes podem salvar uma vida, modificar um destino, iluminar um caminho. Lembre-se sempre disso. Porque o Natal é, antes e acima de tudo, uma exaltação à família. É uma alegoria do renascimento da luz no mundo e, em especial, no coração das pessoas de boa-vontade.

Festa das luzes


Pedro J. Bondaczuk


O Natal, cada vez mais, tanto no aspecto espiritual (neste, por sinal, menos), quanto no material, está se transformando em festa de luzes. É comum ver-se nas grandes cidades (e ultimamente também nas pequenas comunidades), casas, árvores e monumentos enfeitados por dezenas, centenas, quando não milhares de lâmpadas, dando um colorido festivo às ruas e avenidas.
Os espíritos desarmam-se. As pessoas dão, inclusive, uma trégua à violência, para celebrar a vida, que deveria ser celebrada e reverenciada o tempo todo, a cada segundo, sem interrupção. Mas a humanidade ainda está muito distante desse estágio de esclarecimento e de civilização. Para chegar lá, são necessárias décadas, séculos ou quiçá milênios de educação, de reflexão e de conscientização.
Para tanto, não se pode descuidar da instrução da geração que irá substituir a atual. Ronald Russel lembra: "A criança que vive com a verdade aprende a ser justa. A que vive com elogio aprende a dar valor. A que vive com a generosidade aprende a dividir".
Enquanto não se chega ao ponto ideal, resta se contentar com esses hiatos de tranqüilidade da época das festas de fim de ano, os enfatizando e estimulando para que se ampliem e se estendam por períodos cada vez maiores.
Há, inclusive, uma campanha em andamento nesse sentido: "Natal de paz e sem violência". Promoções como esta deveriam ser constantes, ininterruptas, permanentes e não se limitar apenas aos festejos natalinos, para enfatizar, sobretudo, o "milagre da vida". Este século, em seus estertores, caracteriza-se pela "apologia da morte".
Por que falamos em "celebração" do Natal e não em simples festa? Não seria a mesma coisa? Não! Leonardo Boff traça a diferença ao constatar: "Celebrar implica mais do que saber e refletir. Importa abrir o coração e se alegrar". E mesmo diante de tanta coisa errada que nos acontece no dia a dia, ou das quais tomamos conhecimento – pessoalmente, ou através da imprensa – existem inúmeros motivos para alegria (mais do que para a tristeza e a angústia), até mesmo para os doentes, os desesperados e os deserdados da sorte.
Basta olhar ao redor. Mesmo no mais intenso sofrimento físico ou moral, há o lenitivo da esperança. Até na mais profunda indigência, há a possibilidade de um amanhã diferente, de conquistas e de realizações. O lema da personagem Scarlet O'Hara, do filme "E o vento levou", é mais profundo e repleto de significado do que possa parecer: "Amanhã será outro dia". Basta analisar com isenção e sinceridade tudo o que nos acontece para percebermos que não somos tão infelizes.
Pierre L'Ermite lembra: "Irradiando sol sobre as grandes árvores da floresta, Deus não esquece a pequena flor que humildemente o contempla por entre as ervas do caminho". Não abandona o indigente, o encarcerado, o solitário, o doente ou o desesperado. Mas é necessário procurá-lo com fé e com o coração aberto. E não querer mais "coisas" do que sua capacidade pode conquistar.
"Conhecer" torna-se cada vez mais fácil e acessível, diante dos meios tecnológicos cada vez mais sofisticados de difusão de informações. Reflexão todos fazemos, embora a maioria sequer se dê conta. Abrir o coração, no entanto, é cada vez mais raro nestes tempos de angústia e solidão. Alegrar-se torna-se mais difícil para quem não sabe definir seus próprios limites.
Mas o caminho que conduz à alegria genuína é menos complicado do que se pensa. Basta saber valorizar os pequenos gestos, as minúsculas conquistas, as mínimas superações de dificuldades, que somadas representam imensas bênçãos, que raramente sabemos agradecer. Saint-Exupéry escreveu no "O Pequeno Príncipe" que "nada se iguala ao sabor do pão partilhado". E não somente deste, poderíamos acrescentar.
A partilha das nossas alegrias é como o milagre cristão da multiplicação. Quanto mais as repartimos, mais intensas elas se tornam. Já a divisão dos fracassos, dores e decepções tem resultados bastante diversos, diria diametralmente opostos: diluem-se, dissolvem-se, reduzem-se e acabam ficando quase imperceptíveis.
O gesto de iluminar a fachada da própria casa, ou as árvores da rua, ou os monumentos das praças, reflete em si um desejo (muitas vezes inconsciente) de partilhar a beleza, a esperança e a alegria; mas também a incerteza, o medo, a dor (física ou moral), a solidão e os problemas. Que o espírito de Natal ilumine também espiritualmente a nossa Campinas (autoridades e população) para que seja mais solidária e cordata e, por conseqüência, menos egoísta e violenta.
Que as luzes atinjam os políticos e os que ocupam posições de mando neste País para que usem os seus cargos para trabalhar pelo bem comum, iniciando uma meritória e incansável cruzada para o estreitamento (e se possível a anulação) do imenso abismo social que separa a minoria aquinhoada da imensa maioria dos excluídos do Brasil. Que transforme os egoístas, os violentos, os preconceituosos e os cínicos em indivíduos esclarecidos que resgatem esta geração e a transformem, de um magote de feras inconscientes em um sólido elo a mais na imensa corrente de razão da humanidade. Feliz Natal para todos!

Wednesday, December 20, 2006

REFLEXÃO DO DIA


John Steinbeck, no romance “A Leste do Éden”, escreveu: “O maior terror que uma criança pode ter é a possibilidade de não ser amada. A rejeição é o inferno que teme. Acho que todas as pessoas do mundo, em grau maior ou menor, já experimentaram a rejeição. E com a rejeição vem a ira, com a ira vem alguma espécie de crime em vingança, com o crime vem a culpa... e aí está a história da humanidade. Acho que se a rejeição pudesse ser eliminada, a humanidade não seria o que é. Poderia haver menos loucos. Tenho certeza de que não haveria tantas cadeias (...) Se uma criança vê recusado o amor por que anseia, chuta o gato e oculta sua culpa secreta. Outra rouba para que o dinheiro a torne amada. Uma terceira conquista o mundo. E sempre se encontra a culpa, a vingança e mais culpa. O ser humano é o único animal culpado”. Manifeste, pois, amor a uma criança, sobretudo neste Natal. Você estará contribuindo para um mundo mais humano e muito melhor.

Graça desprezada


Pedro J. Bondaczuk


O homem, este animal imperfeito, misto de divindade e de fera selvagem, teve o supremo privilégio de conviver diretamente, fisicamente, cara a cara com Deus, em uma das suas três expressões, há dois mil anos. Mas não soube aproveitar essa generosa oportunidade. Selou, por conseqüência, o destino deste belo e mágico planeta azul, que poderia ser infinitamente melhor do que este mar de lágrimas em que todos nós estamos nos afogando.

Tivesse, um pouquinho que fosse, de sabedoria; soubesse distinguir o eterno do efêmero e o sagrado do profano; possuísse capacidade mínima de amar de verdade os semelhantes, e a humanidade viveria hoje num paraíso terrestre, radioso e belo, desde essa especialíssima ocasião. Jesus Cristo teria sido alçado, automaticamente, de forma natural e espontânea, sem quaisquer dúvidas ou mínimas contestações, até por questão de lógica, à liderança suprema do mundo. E a História dos dois últimos milênios não teria sido escrita com tanto sangue e nem teria jamais como fundamento bilhões de cadáveres.

Guerras cruéis e insanas teriam sido evitadas. Ninguém morreria de fome. Haveria um reino indestrutível, de paz, justiça e harmonia. Mas há dois mil anos, o homem perdeu essa chance de redenção, enquanto espécie. Optou pelo caminho mais difícil, criminoso e perverso.

Todavia, graças ao generoso sangue de Cristo, que morreu para redimir os que nele cressem e buscassem seguir seu exemplo de paz e de amor, a humanidade ainda não está perdida. Tem uma chance, ao dispor de qualquer um. Porém o caminho da salvação é sumamente estreito. E pouquíssimos vão conseguir passar por ele. Terão sucesso, apenas, justamente os que, pelas leis e critérios humanos em voga, pelas condições sociais e materiais que ostentam, são os mais humildes entre os humildes. São escarnecidos e perseguidos pelos pretensos poderosos, pelos idiotas que não se dão conta nem mesmo da sua óbvia mortalidade.

Não sabem, esses insensatos, que numa fração infinitésima de segundo, até mesmo sem nenhuma causa orgânica, seus corações podem deixar, subitamente, de pulsar. E todo seu orgulho e empáfia se transformam, então, em nada. Seus corpos, malhados, sarados, bem nutridos e sadios, viram, subitamente, uma massa asquerosa e gelada, de carne inerme e sem vida, que apodrece, fatalmente, em poucas horas. Estes jogam fora a vida espiritual, por causa da aposta estúpida e sem sentido na material. Têm toda a chance possível para fazer a opção correta. Mas não fazem.

São dotados, por exemplo, da capacidade plena de raciocínio, bastando que a exerçam e desenvolvam. Mas não a exercem. Têm acesso a toda a sorte de informação, científica, filosófica, teológica, etc. Mas não sabem aproveitar. Contam com o livre arbítrio para determinar que caminho trilhar. Mas, por razões que se constituem mistério, optam pelo mal, que os leva à destruição. Aferram-se a uma doentia auto-idolatria e julgam-se maiores e mais importantes do que são. Com sua atitude, condenam bilhões de semelhantes a uma vida horrorosa, de sofrimentos imensos e inenarráveis, no plano material. E são condenados, em troca, à absoluta extinção, física e até mesmo da memória de que sequer existiram, no campo espiritual.

"Foi inútil a passagem de Jesus Cristo pela Terra?", perguntariam os pobres de espírito, que não sabem e não querem se refugiar na fortaleza da fé. Claro que não! Deus, em sua presciência, "sabia" (Ele tudo sabe, muito antes de qualquer coisa acontecer), que a grande maioria da espécie humana não só não reconheceria seu Filho, como escarneceria dele. Humilharia o protótipo da bondade. Mataria o Deus de Amor, pregando-o numa cruz. "E por que não interferiu?", voltariam à carga os incrédulos (ou os apenas vacilantes). Para que o exemplo supremo de abnegação e generosidade, que é o de dar a própria vida para salvar a do próximo, permanecesse como testemunho da vontade divina de redimir o homem, sem, contudo, abolir o livre arbítrio.

Este é o verdadeiro significado do Natal. Essa é ocasião propícia para lembrar de quando o Criador, generosamente, deu à humanidade o maior presente que possa ser dado a alguém: a oportunidade da conquista da vida eterna. Mas não esta mesquinha existência terrena, como a conhecemos, repleta de sofrimentos, violência, doenças e maldades de toda a sorte.

Antes da sua ceia, reflita um pouquinho, um instante só, por mínimo que seja, querido leitor, no valor simbólico desta data. Caso se sinta realmente tocado pelo espírito de solidariedade, característico do Natal, faça um gesto de bondade, qualquer um, por pequenino que seja, em relação ao semelhante. Dê uma esmola, por exemplo. Mas espontânea e se sentir vontade. Ou dedique um amável sorriso ao aflito e desesperado. Ou dê uma simples palavra de simpatia e de compreensão ao excluído. Faça qualquer coisa! Não importa o tamanho do ato, mas o espírito que o move. Mas não se omita! Aja assim e verá como vai se sentir melhor. Simples, não é mesmo?!

E um dia, quando não se sabe, a Terra será redimida. E os versos do poeta Thiago de Mello, em seu poema "Os Estatutos do Homem", deixarão de ser mera poesia ou utópico ideal. Vão se transformar em radiosa verdade: "O homem/não precisará nunca mais/duvidar do homem/que o homem confiará no homem/como a palavra confia no vento/como o vento confia no mar/como o ar confia no campo azul do céu..." Feliz Natal para todos!!

Tuesday, December 19, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O Natal é, basicamente, a festa da família. Pelo menos deveria ter essa característica, que o tornaria marcante, ano a ano, pela vida afora, e não seria encarado, meramente, como é por muitos, como um feriado qualquer. Hoje, infelizmente, a ocasião presta-se a muita pieguice, a muita demagogia, a muita hipocrisia e a muita exploração da ingenuidade e da boa fé alheias. Há muito foi apropriada pelo comércio, que tem nesse período do ano apenas uma época propícia para garantir boas vendas e fechar o balanço anual dos grandes e pequenos magazines com lucros. Não haveria nada de errado nesse procedimento se ele não desviasse as atenções do verdadeiro significado do Natal. Mas a data é, também, (felizmente), para muita gente, ainda período de reflexão e de alegria. É uma pausa benfazeja na luta cotidiana pela sobrevivência. A forma como é encarada, contudo, varia de acordo com a personalidade, a realidade e a formação humanística de cada um.

Espírito de Natal


Pedro J. Bondaczuk


O Natal, enquanto tema literário, já se prestou a textos imortais e perfeitos (na forma e na substância), em todos os gêneros, constantes nas melhores antologias nacionais e estrangeiras, de escritores como Anatole France e Eça de Queiroz, por exemplo ou Carlos Drummond de Andrade, Ciro dos Anjos e Humberto de Campos, entre tantos outros. Mas também foi causa (e continua sendo) de farta subliteratura. Originou (e continua originando), crônicas, contos e romances do tipo "água com açúcar" em profusão, com historiazinhas piegas, lacrimejantes e óbvias, que pecam pela falta de criatividade e onde abundam lugares-comuns. No jornalismo, via de regra, o que se escreve sobre o assunto também é uma "tragédia".

Por ser um tema explorado há quase dois mil anos, por escritores cristãos (e até por ateus confessos), é muito perigoso para quem teme o ridículo. Quase tudo o que poderia ser dito sobre a data já o foi, com variações somente no que se refere a personagens, locais e estilos. Um dos pontos mais batidos tem sido o que se refere ao chamado "espírito de Natal". Ou seja, a suposta predisposição de pensar no próximo, no miserável, no indigente, no solitário ou no sofredor, em contraposição à fartura e à alegria dos que são privilegiados, por ocasião desse dia. Uns, demonstram otimismo e fé na racionalidade humana e a certeza de que, um dia, seja quando for, não existirão mais famintos, desabrigados, excluídos ou segregados em nenhuma parte do mundo. Outros, não escondem seu ceticismo e desencanto sobre o egoísmo do homem e suas trágicas conseqüências.

Neste último grupo inclui-se, por exemplo, o escritor Mário da Silva Brito, que na crônica "Conversa vai, conversa vem", publicada no Suplemento Literário do jornal "O Estado de São Paulo", em 1961, destacou: "Pedem-me alegria. Mas como exercê-la sem que pareça uma afronta à infelicidade geral dos homens do mundo?! Só os inconscientes e os desalmados não percebem que a hora é de tristeza . De muita tristeza. Tenho mil perguntas a fazer e nenhuma resposta a dar. A mim e aos outros". Eu também faço, periodicamente, e não apenas por ocasião do Natal, uma infinidade de questionamentos. Contudo, ninguém, jamais, me respondeu, de forma convincente, a essas questões. Talvez não haja resposta para elas.

Ciro dos Anjos, no romance "O Amanuense Belmiro", relata o outro lado dos sentimentos despertados nas pessoas sensíveis por essa que é a data maior da cristandade. Escreve: "Natal! A humanidade se transfigura de súbito, neste dia extraordinário. Que elemento se introduzirá na essência das coisas para que tudo venha, assim, a apresentar uma face nova e desconhecida, e para que todos os seres ganhem uma expressão especial, quase graciosa, de agitada felicidade? As árvores se fazem mais verdes, e os pardais, como cantam!! Será o poder de criar e de transfigurar, que possui a alma humana, ou será uma efetiva transformação no tecido íntimo das coisas?" É a essa sensação de encantamento, de nostalgia e de suposta predisposição à caridade e até ao amor que muitos denominam de "espírito de Natal".

Eça de Queiroz, em texto publicado no livro "Cartas de Inglaterra", segue linha parecida com a de Mário da Silva Brito, achando que é um sacrilégio ter (e expressar) satisfação, sabendo da existência de tantas mazelas, injustiças e carências sociais. Afirma, o escritor português: "Nem eu sei realmente como a ceia faustosa possa saber bem, como o lume do salão possa aquecer, quando se considere que lá fora há quem regele e quem rilhe, a um canto triste, uma côdea de dois dias. É justamente nestas horas de festa íntima – quando pára por um momento o furioso galope do nosso egoísmo – que a alma se abre a sentimentos melhores de fraternidade e de simpatia universal, e que a consciência da miséria em que se debatem milhares de criaturas, volta com uma amargura maior".

E prossegue, mais adiante: "Basta então ver uma criança pasmada diante da vitrine de uma loja, e, com os olhos em lágrimas para uma boneca de pano – que ela nunca poderá apertar em seus miseráveis braços – para que se chegue fácil à conclusão que isto é um mundo abominável. Deste sentimento nascem algumas caridades de Natal; mas findas as consoadas, o egoísmo parte em desfilada, ninguém torna a pensar mais nos pobres, a não ser alguns revolucionários endurecidos – dignos de cárcere – e a miséria continua a gemer ao seu canto".

Essa questão de alegria ou tristeza, no Natal ou em qualquer outra ocasião, é muito relativa. Por exemplo, uma família de sem-teto do Parque Oziel, ou do Jardim Monte Cristo, na periferia de Campinas, que alimenta os filhos com a repugnante pasta, feita de papelão ralado com tomates apodrecidos (encontrados no lixo), o ano todo, ficará sumamente feliz com uma cesta básica, por simples que seja, que será encarada como um presente bastante precioso, "caído do céu", mesmo que tal donativo seja feito apenas por ocasião da festa natalina. Em contrapartida, o milionário, que participa da ceia a bordo de algum navio de cruzeiro pelo Caribe ou pelas ilhas gregas, ou no seu iate de US$ 300 milhões, se sentirá bastante "infeliz", até mesmo "mortificado", se o vinho que lhe for servido não estiver no ponto ou não for das melhores caves ou de safra nobre. Ou se achar que o peru ficou um pouco duro. Ou se o tempero do faisão não estiver ao seu gosto. Ou se o champanhe não estiver bem gelado e o caviar para acompanhá-lo não for da melhor procedência. Ou se as castanhas não forem importadas. O homem é mesmo assim: egoísta, insensato e contraditório. Daí Cristo ter vindo à Terra, na forma humana, para providenciar a sua redenção...Daí a necessidade de sermos sempre os "revolucionários endurecidos, dignos de cárcere", preocupados o ano todo, a vida toda, através de séculos sem fim, com o sofrimento dos pobres. Feliz Natal para todos!!