Wednesday, December 13, 2006

Lembranças da várzea - 11


Pedro J. Bondaczuk


O Flamenguinho, como destaquei nos primeiros capítulos destas reminiscências do futebol varzeano, fez história na várzea – e não somente na do ABC paulista, mas até do Estado de São Paulo – no início da década de 60. Isso se deveu, basicamente, ao excelente conjunto que conseguiu formar, mais até do que ao talento individual de seus integrantes. Mas o fator decisivo para o seu sucesso foi a união geral de diretores, jogadores e associados, todos buscando um mesmo objetivo, remando sempre na mesma direção, sem vaidades e sem estrelismo.
Conseguimos constituir uma imensa e unida família, um círculo fechado em que os interesses pessoais foram deixados de lado em favor do grupo. E sempre que isso acontece, seja qual for a atividade (salvo raríssimas exceções) o resultado é o que nós, de fato, conseguimos: o sucesso. Foi uma experiência de que me orgulho de ter participado e de ter dado a minha modesta, mas positiva, parcela de contribuição.
Como o futebol é um esporte coletivo, enfatizei, nos capítulos anteriores, esse aspecto de união do grupo. Citei, até aqui, apenas os jogadores que mais se destacaram, notadamente nos campeonatos da Liga Sancaetanense de Futebol que disputamos, mas eles nada conseguiriam fazer se não contassem com a aplicação, com a técnica, com o esforço e, principalmente, com o sentido coletivo de cada um dos companheiros. Até por questão de justiça, portanto, trago, a partir de agora, um ligeiro perfil de cada integrante desse time notável, em cada um dos seus compartimentos, nos capítulos que se seguem.
Nos quatro anos que comandei o Flamenguinho, pude contar com três goleiros natos, especialistas da posição, além do ecletismo do Celso, jogador que não me canso de louvar e que teria feito sucesso como profissional (e, quem sabe, até chegar à Seleção) caso quisesse se profissionalizar. Não quis, como já tive a oportunidade de abordar.
O titular era o Jorge, atleta de boa estatura (tinha 1,84 m), boa pinta, namorador como só ele, que tinha um fã clube feminino de fazer inveja a muito cantor ou galã de novela. Era, porém, um sujeito temperamental. Foi expulso várias vezes por arrumar confusão com os árbitros e com os adversários. Sua maior virtude era o senso de colocação. Sabia, também, sair do gol, coisa que muito profissional da época precisava aprender. Ficou famoso na várzea como pegador de pênaltis.
De vez em quando, porém, engolia cada frango de dar desespero no mais calmo e fleugmático dos treinadores. Um deles, por exemplo, foi no empate de 3 a 3, com o Vila Gerte, no campeonato de 1964, que quase nos custa o título. Deve-se dizer, contudo, a seu favor, que no jogo do primeiro turno, contra esse mesmo adversário, garantiu nossa vitória por 1 a 0, com defesas impossíveis, oportunidade em que fomos totalmente dominados pelo antagonista.
O reserva imediato do Jorge – que em 1963 chegou a disputar metade do campeonato como titular, quando este teve que passar por uma cirurgia – era o Birigui. Tinha esse apelido, claro, em referência à sua cidade de origem. Nossa torcida preferia chamá-lo de Veludo, comparando-o ao goleiro do Fluminense do Rio de Janeiro, reserva do grande Carlos Castilho (que também foi um bem-sucedido técnico e que se suicidou, em meados dos anos 90, por motivos até hoje não-explicados).
Tratava-se de um negro espigado, de uma frieza comparável ao Dida do Milan e da Seleção Brasileira, com um senso de colocação notável e precisão nas saídas do gol. Não ficava nada a dever ao Jorge, embora este contasse com a preferência (óbvia) da ala feminina da nossa torcida. Se não fazia “milagres” debaixo dos três paus, também não me lembro de um único frango que tenha tomado. Era um goleiro confiável, que tinha o mérito de orientar a defesa durante o jogo. Eu optava pelo Jorge apenas porque ele tinha mais anos de clube do que o Birigui. Tecnicamente, porém, ambos estavam no mesmo nível. Tanto com um, quanto com o outro, o Flamenguinho estava bem servido.
O mesmo já não acontecia com o terceiro goleiro, o Mendes. Estava integrado ao time apenas porque era parente de um dos diretores. Eu dava-lhe uma ou outra chance, no segundo quadro, e em jogos menos difíceis, mas era um frangueiro de marca. Mesmo jogando apenas de vez em quando, chegou a enterrar o time nas poucas ocasiões em que atuou. Aliás, por causa dele, quase cheguei a pedir demissão do clube. Seu primo, diretor-social do Flamenguinho, quis impor-me a sua escalação. Como sempre exigi carta branca, resolvi “pegar meu boné” e ir embora. Os jogadores, todavia, não deixaram que eu saísse e, a partir de então, nunca mais ninguém deu palpites no meu trabalho.
Por estranho que possa parecer, o melhor dos nossos goleiros era, mesmo, o Celso. Mas seria um desperdício utilizá-lo no gol. Contudo, foram vários e vários os jogos em que o escalei na meta do segundo quadro. E o nosso Pelézinho gostava tanto de bola, que integrava o time titular a seguir com toda a disposição, como se não houvesse jogado, há pouco, noventa minutos de partida. Em dois ou três jogos do campeonato, contra times mais fracos, escalei o Celso de goleiro (para irritação dos três colegas da posição) e ele, como sempre, não decepcionou. Não tomou um único gol. Esse valia o quanto pesava!

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