Saturday, December 23, 2006
Numa noite de Natal
Pedro J. Bondaczuk
A casa está toda arrumada para
um evento insólito e especial.
Até as paredes parecem sentir,
expectantes, a antecipação de
um momento ímpar, inesquecível.
A mesa está posta para receber
tantos e ilustres convidados.
Néctares inestimáveis, inacessíveis
aos mortais, enchem terrinas de porcelana.
Aos que optarem pelo exótico,
há generosas porções de ambrosia,
procedente, direta, do Olimpo.
Os comedidos, de postura espartana,
poderão apreciar o milagroso maná
que alimentou Israel no Sinai.
E o vinho?Especial para a ocasião!
É da safra original, que embriagou
o patriarca Noé, após deixar a arca,
tão logo baixaram as águas do dilúvio.
Ao canto, um pinheirinho, garboso,
enfeitado com bolas coloridas de vidro
elaboradas por artesãos de Sidon.
Dezenas de estrelinhas douradas
pisca-piscam mistérios insondáveis,
ao comando da estrela de Belém,
que encima a árvore (símbolo da vida).
E os convidados chegam, em silêncio,
um a um, posto que radiantes,
com sorrisos avassaladores e
estranhos embrulhos sob o braço...
Meus avós...Tio Pedro e tio João...
O Maurício de Moraes, com olhar brejeiro...
O Mauro Sampaio, com sua lira
dourada, com sete cordas de crina...
A Célia Búrigo, recitando versos e
beijando, carinhosa, os convidados...
E eles chegam e se acomodam
ao redor da magnífica mesa posta.
Antes, trocam presentes comigo.
O avô Hilarion brinda-me com um álbum
dos seus feitos mais notáveis,
o que me comove, às lágrimas.
O avô Simão, com seu gorro de astracã,
e um pesado casaco, vermelho e branco,
que o faz parecer Papai Noel,
me entrega rico samovar de vidro
e uma insólita pomba de cristal.
Tio Pedro, compenetrado, me dá
um caderno amarfanhado, com poemas,
ricos versos, que compôs na juventude.
As avós, Rosa e Matrena, dão flores,
suaves e imperecíveis flores:
um lírio branco e a rosa de Sharon.
E recebo presentes...Outros presentes...
Tio João oferta-me uma antologia rara
com poesias de Wladimir Mayakowski.
Maurício traz-me raras crônicas
da sua infância em Minas Gerais,
emolduradas num quadro, com molduras de ouro.
Mauro presenteia-me com os originais
do seu livro “No silêncio do espelho”
E Célia? Célia oferta, generosa,
seu último verso (o que não escreveu).
Retribuo, a todos, com presente-padrão:
a fidelidade da perpétua lembrança.
A noite avança. Lá fora, a lua cheia
ilumina a casa, o bairro, o mundo,
enquanto meu pensamento vagueia
numa estrada, luminosa, de estrelas.
Ao longe, o som sereno de um sino
embala sonhos e as nossas conversas,
num ritmo de recordação e saudades.
Finda a ceia, os convidados se vão, um a um,
Mas com solenes promessas de voltar...
Meus avós...Tio Pedro...Tio João...
O Maurício de Moraes, com olhar brejeiro...
O Mauro Sampaio, com sua lira...
A Célia Búrigo, recitando versos...
Seguem, alegres, pisando estrelas,
com seus pés incorruptíveis,
para o seu novo mundo: o das lembranças...
O relógio marca duas da madrugada...
Estou só... A casa? Vazia! E a noite? De Natal!
(Poema composto em Campinas, em 15 de dezembro de 2006).
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