Monday, December 18, 2006

Como os reis magos


VII- COMO OS REIS MAGOS

(Continuação)

Quando abriu a porta do barraco, angustiado e suando frio, por causa do medo, ou insegurança que a nova situação lhe despertava, José parou, respeitoso. E a cena que viu, o tocou fundamente. Como que por encanto, as preocupações de momentos atrás se dissiparam. Era um quadro lindo, como o da igreja de São José dos Palmares, sua cidade natal na Paraíba, que apreciou deslumbrado na infância, antes que seus pais se mudassem para Maringá, no Norte do Paraná, de onde veio para Campinas.

Deitada no catre, Maria, a sua Maria, com um sorriso de beatitude (aquele quê de santa que toda a mulher que concebe possui), como o de Nossa Senhora em Belém, aconchegava, junto ao seio, um pequenino ser. Pretinho, indefeso, frágil, mas lindo. Naquele momento, ele pareceu a José o garoto mais bonito que já havia visto em toda sua vida. Talvez porque fosse seu. Ou porque significasse esperança, certeza de renovação da espécie, apesar da miserável condição com que veio ao mundo.

Era a continuidade de um milenar processo de perpetuação humana do qual, a partir de agora, fazia parte. Mas José, na sua extrema simplicidade, só intuía essas coisas, que não saberia expressar em palavras, no seu limitado vocabulário de analfabeto. Não tinha exata consciência disso.

Sentia, apenas, algo diferente. Mas sabia que era um sentimento bom. Algo lhe dizia que ele se transformara, a partir do momento em que pusera os olhos sobre aquela criança. Aparentemente, era o mesmo, embora intimamente soubesse que não. Mudara. Enobrecera. Ganhara outra dimensão, com a responsabilidade. Passara a ser alguém muito especial.

Absortos com a visão do filho, de mãos dadas, sorrindo, nem José e nem Maria notaram quando surgiram, na porta do barraco, sem ao menos pedir licença, três comerciantes do bairro. O casal os conhecia bem demais. Mesmo sem saber como manifestar apreço, rusticamente, à sua maneira, marido e mulher tinham grande estima e respeito pelos visitantes.

Os três eram a salvação da favela, o verdadeiro serviço de assistência social daquela miserável comunidade. Vendiam fiado, em seus estabelecimentos, a todos que necessitassem, nos freqüentes dias em que o dinheiro escasseava. Apesar de um calote ou outro, nunca suspenderam o crédito para ninguém.

Seu Melchior, da farmácia do Jardim São Marcos, trazia nas mãos um pacote de fraldas descartáveis, talco e outros produtos para a higiene do bebê. Cumprimentou os pais, emocionado, e depositou, meio sem jeito, seus presentes aos pés do recém-nascido, que dormia profundamente, a despeito da agitação ao seu redor.

Seu Gaspar, do armazém, trouxe consigo várias latas de leite "Ninho" (produto que andava sumido na praça) e que o comerciante havia reservado especialmente para a ocasião. "Fome meu filho não vai passar nos próximos meses", pensou José, agradecido, que buscava, em vão, o que dizer para expressar sua gratidão.

O açougueiro Baltazar tinha embaixo do braço uma manta e dois cobertores, já bastante usados, mas imaculadamente limpos. Eles serviram para agasalhar seu último filho, da prole de dez, nascido há sete anos. Emocionado, certamente lembrando o nascimento das próprias crianças, entregou a Maria o volumoso pacote. Depois, como se houvessem combinado, de forma sincronizada, os três deixaram o barraco, sem conseguir dissimular as lágrimas de emoção que lhes rolavam pela face. Antes, desejaram "Feliz Natal" àquela família humilde, enriquecida com o acréscimo do novo membro.

(Continua)

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