Monday, December 18, 2006

Os preparativos


V-OS PREPARATIVOS

(Continuação)

Deitada numa velha cama patente, comprada em terceira mão numa loja de móveis usados na Rua Benjamin Constant, zona central de Campinas, perto do Mercadão, Maria esperava, resignada, pelo grande momento: o do nascimento do primeiro filho. A ansiedade da véspera transformara-se em medo. Temia que algo pudesse sair errado e pusesse em risco sua vida e a do bebê. Tinha muito medo de morrer.

As dores, inicialmente fracas, quase imperceptíveis, e a intervalos grandes, tornavam-se menos espaçadas e cada vez mais agudas. O momento que ela tanto temia, mas que aguardava com impaciência, se aproximava. E José que demorava a chegar! Queria tanto tê-lo ao lado, segurando a sua mão e dizendo-lhe no ouvido aquelas palavras tão bonitas, que só ele sabia dizer.

A velha dona Marta ultimava os preparativos. De tempos em tempos, segurava-lhe o pulso e olhava por um minuto o relógio. Sorria-lhe, para transmitir confiança e tranqüilidade e a instruía sobre como deveria proceder para facilitar os trabalhos do parto, para que o bebê nascesse logo e sem riscos.

---"Procure respirar imitando um cachorrinho" –, recomendava a parteira, com voz calma, ao mesmo tempo em que preparava o cenário, como se o quarto do barraco fosse uma bem equipada sala de parto de qualquer maternidade da cidade.

Fora, num fogão de tijolo e barro, duas velhas latas de óleo, com capacidade para cinqüenta litros cada, estavam sobre o fogo, para ferver a água. A bacia de alumínio, para lavar a criança, já estava preparada e desinfetada com álcool. Fora colocada sobre uma mesa, feita de restos de caixotes. Era um rústico móvel artesanal construído, no entanto, com bastante capricho pelo hábil José.

Velhos trapos, que haviam sido previamente fervidos, se encontravam em um banquinho ao lado. Dona Marta havia varrido o chão de terra batida do acanhado e cinzento cômodo e feito uma aspersão com mistura de água e cândida. O barraco, agora, encontrava-se, pelo menos aparentemente, limpo.

Na sua instintiva sabedoria, a anciã sabia que a higiene era fundamental para evitar infecção da mãe e do bebê. Era um conhecimento que adquirira em longos anos de prática, ajudando uma grande quantidade de crianças a nascer. Quantas, não saberia dizer, tantas foram. Nunca se preocupara em contar, mas sabia que eram muitas. Da mesma forma, vira muitos moradores morrerem, à míngua de assistência médica. Muitos foram salvos por sua providencial ajuda.

Uma tesoura, que fora fervida, estava na bacia. Serviria para cortar o cordão umbilical. Linhas de náilon, de pescaria, tinham sido desinfetadas e postas na mesa, bem à mão. Com elas, dona Marta pretendia amarrar o umbigo da criança, depois de desligá-la fisicamente da mãe.

Um vidro de "merthiolate" completava o improvisado equipamento de assepsia da competente parteira, que agia com tamanho desembaraço, que transmitia confiança e otimismo a Maria, impressionada com a segurança e presteza da amiga na preparação do parto.

(Continua)

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