Monday, December 18, 2006

Inevitável comparação


VIII-INEVITÁVEL COMPARAÇÃO

(Continuação)

Quer pela coincidência de nomes, quer pelas atitudes dos protagonistas, esse nascimento, ocorrido na favela do Jardim São Marcos, periferia de Campinas, fazia lembrar outro, em circunstâncias que guardavam alguma semelhança, ocorrido há quase dois mil anos, em uma pequenina cidade da Judéia. Na verdade, embora teólogos neguem e fiéis não se dêem conta, Jesus renasce a cada dia, em forma de esperança para os desesperados, de luz para os que buscam caminhos para sobreviver com dignidade e de alternativas de vida voltada para os semelhantes.

José, comovido por tudo o que viu e ouviu, estava exausto, mas feliz. Saiu para o sujo quintal da favela, para que não percebessem furtivas lágrimas que rolavam por sua face.

--- "Não quero que o meu filho veja o pai chorando" –, pensou. – "Ele vai ser cabra macho, mas não para arrotar valentia, mas para trabalhar e ser honesto. E, afinal,, homem não chora. Não sou maricas qualquer, um chibungo ou boiola" –, repetiu para si mesmo, envergonhado pela demonstração do que interpretava como fraqueza.

Fora, já refeito, olhou para o céu claro, com milhões de pontos luminosos que intuía serem mundos como o que habitava. Era uma agradável noite de verão. Havia chovido durante o dia, mas agora não havia uma única nuvem. José julgou ver, naquele enxame de estrelas, como que vagalumes, uma mais brilhante que as demais.

Comparou-a, quase que de imediato, com outra que há quase dois mil anos guiou três outros homens bons a um estábulo, na Belém de Judá, onde nascera, em uma manjedoura, o Salvador do mundo, conforme aprendera nas lições de catecismo com o padre Francisco, na infância, e reforçado pela mãe.

José caminhou a esmo, horas a fio. Passaram pela sua cabeça mil planos, projetos e sonhos. Findou por fazer um solene e íntimo juramento: o de que o destino do menino Jesus (esse era o nome que iria dar ao filho), seria muito melhor que o seu.

--- "Nem que eu precise morrer de trabalhar" –, ponderou, cerrando os dentes, com determinação. O negro José confiava na força de seus músculos de traquejado sertanejo e na sua miraculosa capacidade de suportar privações, coisas que nunca o deixaram na mão, nas piores circunstâncias que tivera que enfrentar.

Ao longe, muito longe, para os lados do Distrito de Barão Geraldo, o repique dos sinos da igreja de Santa Isabel convocava os fiéis para a Missa do Galo. A vida seguiria seu curso em sabe-se lá quantos anos mais. Pessoas nasceriam, pessoas morreriam, pequenas cidades se transformariam em metrópoles, megalópolis entrariam em decadência, novos países surgiriam, nações decadentes desapareceriam. Tudo mudaria, mas na essência continuaria o que sempre foi.

E a cada data, como aquela, a esperança de um mundo justo e humano, sem excluídos ou famintos, haveria de renascer em milhões de pessoas, fosse em que circunstância fosse, como um ideal perene, uma meta, uma utopia talvez jamais realizável, mas muito desejada. A noite banhava-se de luz...Era Natal...

(Do livro "Quadros de Natal" - contos)

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