Tuesday, December 12, 2006

Por uma nova utopia-2


Pedro J. Bondaczuk

O homem contemporâneo, de forma generalizada, salvo exceções, carece de um ideal grandioso, transcendente e altruísta, diferente do que se vê nestes tempos de suposta “globalização” – na verdade generalizada padronização de costumes, idéias, gostos, comportamentos, desejos etc. – que se limita ao “ter”, em detrimento do “ser”. Precisa, antes de tudo, estabelecer um objetivo de vida, que a maioria não tem, e que não se limite a um vazio e enganador hedonismo. A este, apenas ínfima (infimíssima) minoria tem acesso, em detrimento de bilhões de pessoas pelo mundo afora, que vegetam sem condições de verem atendidos, sequer, seus mínimos, seus mais elementares direitos, como comida, saúde, moradia, segurança, educação etc.
Os que têm possibilidades de consumir, o fazem com uma sofreguidão tal, que é como se isso fosse o bem supremo da existência. Todo o sistema de vida atual – a que, reitero, pouquíssimos têm acesso – gira ao redor desse pífio “ideal”: do consumo, do desperdício, do “prêt-à-porter”, do “use e jogue fora”, com as conseqüências previsíveis (mas não sei se ainda evitáveis) para o meio-ambiente.
O Planeta está se exaurindo, de forma acelerada, e talvez já seja impossível de deter a sua deterioração. A brutal carga de poluentes lançada, diariamente, ano após ano, sem cessar, desde o advento do que se convencionou chamar de “Revolução Industrial”, quer no ar, quer nos mares, rios e lagos, começa a afetar, e muito, e de forma crescentemente acelerada, o clima da Terra e os mais sensíveis ecossistemas. A temperatura média terrestre aumenta, de forma rápida e perigosa, e ameaça derreter todas as geleiras dos pólos (algumas já derreteram ou estão derretendo), o que, se (ou, melhor diria, quando) acontecer, vai se constituir numa catástrofe como jamais houve, muito pior do que a da lendária Atlântida, de dimensões imprevisíveis.
Os oceanos tendem a elevar seu nível e sepultar, sob vários metros de água, países insulares inteiros, além de inúmeras metrópoles super-povoadas como Nova York, Londres, Paris e Rio de Janeiro, entre tantas e tantas outras. Dois terços das matas do Planeta já foram destruídos – boa parte queimada, sem qualquer proveito para ninguém – apenas para utilizar as terras que ocupavam para o plantio de algumas poucas culturas. Mas não as destinadas a alimentar os bilhões de famintos do mundo, porém as utilizadas para fins industriais, para a produção de combustíveis não-poluentes. O terço restante (inclusive, e principalmente, a Amazônia) no ritmo atual de destruição, tende a durar, no máximo, duas décadas, se tanto. O alarme da natureza, portanto, está soando, de forma ensurdecedora, há tempos, em vão. Ninguém o ouve e nem parece disposto a ouvir.
É preciso, com a máxima urgência, hoje, sem tardança, já, despertar os que dormem (99% da espécie humana) e os convocar à ação, para que detenham, de imediato, essa insanidade que nos conduz à destruição. Faz-se indispensável o resgate da esperança, que hoje não passa de figura de retórica, e apresentar propostas (não somente uma, mas dez, cem, mil, milhões, bilhões) que assegurem a preservação deste planeta tão especial e, por conseqüência, dessa raridade em termos universais: a vida, notadamente a inteligente. A humanidade carece de pelo menos uma “nova utopia”.
O presente livro se propõe a ser (e admito que de forma uma tanto ingênua) uma convocação geral para essa transcendental tarefa. Dá continuidade ao volume que lancei em 1994 e que, embora se constituísse em sucesso comercial (que era o aspecto que menos importava), causou ínfima repercussão. Não gerou debates, não inspirou a criação de organizações não-governamentais, enfim, foi absolutamente ignorado pelas pessoas que detêm poder de decisão. Não repercutiu, sequer, nos meios intelectuais.
Talvez (é bastante provável) isso tenha ocorrido em decorrência de um erro de estratégia da minha parte. Foi um livro sóbrio, discreto, otimista até, em que manifestei, sobretudo, minha então inabalável crença (que, confesso, não tenho mais) no engenho e no bom-senso humanos. Não adotei, por exemplo, no primeiro volume de “Por uma nova utopia”, a postura conformista (em voga, nos tempos que correm entre intelectuais, artistas e pseudo-formadores de opinião), que dão a entender, em seus pronunciamentos e atitudes, que nada e ninguém prestam. Que são inúteis as tentativas de mudar o que aí está. Que se entregam a um estéril e covarde conformismo e avalizam, nas entrelinhas, o atual “laissez-faire” (para os que podem, evidentemente).
Ademais, não recorri a pirotecnias verbas, de forma arrogante, e pedante, procurando ostentar uma erudição que talvez sequer tenha. Também não passei a mensagem, que circula subliminarmente nos meios de comunicação, de que o mundo não tem mais conserto, de que o homem nunca irá mudar seu comportamento e será sempre a fera mais perigosa da natureza, por ser a única a destruir os semelhantes, sem ser pela luta por comida ou para acasalamento. Que melhor seria destruir, mesmo, o Planeta, e acabar com a vida, para pôr fim à tragédia que se desenrola neste pequeno recanto azul dos confins da Via Láctea.
Mas será que estava, mesmo, errado em não agir dessa forma, que hoje já é, posto que tacitamente, quase consensual? Creio que não. Afinal, esta é uma postura covarde, derrotista, cínica, com a qual não compactuo e nem posso compactuar. Por todo o livro anterior, perpassa, sutilmente, confiança, esperança e, sobretudo, amor pela humanidade. Ainda confio na preponderância da razão sobre os instintos, embora esta precise ser despertada. Amo, sobretudo, os mais frágeis, os mais vulneráveis, os mais expostos aos vícios e degradações. Concordo, em suma, com a pregação cristã: tenho horror ao pecado, mas compaixão pelo pecador.
Não assumo, por essa razão, postura moralista, ou pedante, ou de dono da verdade, já que não o sou. Tenho plena consciência da minha pouca importância e das múltiplas limitações que me caracterizam. Mas argumento, ou deixo implícito, que o indivíduo não está preso a qualquer tipo de determinismo, como muitos impostores apregoam e tanta gente lhes dá ouvidos. O homem é livre, por conseguinte, para construir sua biografia. É senhor dos seus atos e competente o suficiente para corrigir seus erros e edificar um mundo melhor.

(Introdução do livro "Por uma nova utopia-2", em fase de produção e ainda sujeito a revisões)

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