Tuesday, December 05, 2006
Lembranças da várzea - 8
Pedro J. Bondaczuk
O objetivo do Flamenguinho, no campeonato da Primeira Divisão da Liga Sancaetanense de Futebol de 1963, era o de apenas se manter na elite da cidade. O plantel continuou praticamente o mesmo do ano anterior, enquanto os demais times se reforçaram, e muito. Quase todos tinham jogadores profissionais: ou veteranos que já haviam abandonado o profissionalismo, ou jovens em início de carreira, ou craques de renome, que nas folgas do Campeonato Paulista ou das excursões ao exterior – que então eram bastante comuns – dos principais clubes do Estado, mantinham a forma na várzea.
Nossa política, porém, não era esta. Constituíamos uma comunidade absolutamente fechada, que, brincando, eu comparava com uma gafieira: quem estava fora queria entrar, quem estava dentro pensava em sair, mas ninguém entrava e nem saía. Vários dos nossos destaques de 1962 foram assediados pelas principais equipes adversárias, com propostas tentadoras (praticava-se, na oportunidade, um profissionalismo disfarçado na várzea), mas nenhum deles nos deixou. É verdade que a maioria confirmou sua permanência apenas na data-limite da entrega das fichas de inscrição, em cima da hora. Mas não tive nenhuma baixa a lamentar.
Fizemos, nessa temporada, prevalecer os fatores campo e torcida. Só perdemos um único jogo em nossos domínios, para o rebaixado Vasquinho (daí a nossa fama de “Robin Hood”), embora tenham sido raras nossas vitórias fora. O time manteve-se, do começo ao fim do campeonato, na zona intermediária da tabela, mais para o topo do que para a rabeira. Terminamos a competição na sexta colocação, o que foi considerado normal, tanto pela nossa torcida, quanto pela diretoria. Não aspirávamos a mais do que isso.
Hoje, considero essa performance uma grande façanha. Afinal, o Flamenguinho, se não era o único, era um dos únicos a praticar o amadorismo puro, legítimo, sem nenhuma fraude. Enquanto nossos adversários (creio que sem exceção) pagavam salários, por baixo do pano, para seus jogadores, no nosso time, quem quisesse jogar, tinha que pagar mensalidade. E não havia nenhuma exceção. Nem mesmo o super-cobiçado Celso escapava dessa regra. Aliás, diga-se a seu favor, ele era dos primeiros a fazer seus pagamentos mensais e, não raro, pagava três meses ou mais adiantados. Isso é que era amor à camisa, na real acepção do termo!
Disputaram, nesse ano, a Primeira Divisão, vários campeoníssimos da várzea sancaetanense. Entre estes, destaco times como o Vila Gerti (que em pouco tempo se transformou no nosso principal rival), o Barcelona (que nada tinha a ver com seu homônimo espanhol, mas representava o bairro do mesmo nome de São Caetano do Sul), o Estrela Vermelha, da Vila Santa Maria, e o Cerâmica, que chegou a disputar o Campeonato Paulista de profissionais da Segunda Divisão.
Eram equipes fortíssimas, bem-treinadas, super-entrosadas e com experiência. Algumas, quando a Rádio Cacique divulgava suas escalações, o ouvinte acreditava que se tratassem de “filiais” de Corinthians, Palmeiras e Portuguesa jogando com outras camisas, tamanha a quantidade de jogadores desses times que as integravam. Nunca concordei com esse procedimento, mas como não havia nenhum artigo no regulamento da Liga que proibisse isso, não tinha como contestar.
Disputaram o campeonato de 1963, além do Flamenguinho e dos times citados acima, o Onze Meninos, o Botafogo, o Bonsucesso, o Ás de Ouro, o Olímpico, o Santos da Vila Alpina, o Autonomistas, o Martelo de Ouro, o Santos da Vila Gerte, o Marca Futebol Clube, o Bangu, o Monte Alegre, o Vasquinho, o Comercial e o Villares. O título ficou, pela oitava vez e a terceira consecutiva, com o Vila Gerte. Era, sem dúvida, um timão! E contava com rios de dinheiro injetados por comerciantes do bairro.
Mas tivemos a honra de “carimbar” sua faixa, derrotando os campeões, no campo deles, por 2 a 1, num jogo tumultuado, que terminou em briga generalizada entre as duas torcidas. O Celso fez um gol antológico, o da virada (começamos perdendo, levando um gol logo aos dois minutos de partida), depois de driblar toda a defesa adversária e rolar a bola, mansamente, para a meta vazia. Mereceu aplausos até da fanática torcida do Vila Gerte.
Mas o destaque, não foi o nosso grande craque. Foi o goleiro Jorge, que fez defesas impossíveis e pegou um pênalti (inventado pelo árbitro) quando faltavam dois minutos apenas para acabar o jogo. Naquele tempo, não havia descontos. As partidas tinham 90 minutos secos, não importa quantas interrupções tivessem. No fim do jogo, houve um quebra-quebra generalizado. Tudo começou depois do Jorge ser atingido com uma pedrada, após defender o pênalti. Todavia, da briga não resultou nada de sério, além de uma ou outra escoriação, sem maior conseqüência, em alguns dos brigões.
Nesse ano, o rebaixado foi o Vasquinho (por incrível que pareça, perdemos para esse time ruim no primeiro e no segundo turno), enquanto que o Mamoré, do bairro Cerâmica, conseguiu seu retorno à Primeira Divisão, para a qual havia sido rebaixado um ano antes.
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