Monday, December 11, 2006

Verde-amarelismo


Pedro J. Bondaczuk


O dia 14 de janeiro próximo vai marcar o 33º aniversário de morte de um dos mais inspirados, lúcidos e importantes poetas brasileiros: o joseense Cassiano Ricardo, que morreu, no Rio de Janeiro, em 1974, aos 79 anos. Escritor de texto musical, límpido, cheio de expressões indígenas e carregado de intenso lirismo, nacionalista até a medula, foi um intelectual participante e ativo no contexto social (e até político) do Brasil do seu tempo.

Desde menino, Cassiano revelou inequívoca vocação para a poesia, gênero que o iria consagrar, pela qualidade, profundidade, beleza e originalidade dos seus versos, como um dos mais lúcidos e criativos escritores brasileiros de todos os tempos. Enquanto outras crianças da sua idade se dedicavam às brincadeiras e jogos infantis, o garoto caladão e arredio de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, aplicava seu tempo a compor poemas.

Talento precoce, escrevia, a mão, rusticamente, muitas vezes em papel de embrulhar pão, quando não em folhas de caderno, um caprichado jornalzinho próprio, só seu, onde era, simultaneamente, o autor e o editor de todos os textos, cujo nome caracteriza bem a sua personalidade e modo de agir: “O Ideal”.

Tempos mais tarde, já formado em Direito, confidenciou que o menino que ele foi nunca deixou de coexistir com o adulto empreendedor e ousado em que se tornou. Cassiano sempre foi um idealista, um “Quixote” dos tempos modernos, a sonhar com um Brasil e com um mundo melhores, regidos pela justiça, solidariedade e beleza.

Em fins da década de 20 e início da de 30, o poeta assumiu, como advogado, a defesa do político Assis Brasil, no Rio Grande do Sul, contra o poderoso caudilho dos Pampas, Borges de Medeiros. Um amigo gaúcho chegou a adverti-lo, na ocasião, sobre os riscos dessa causa. Disse: “Um dia os inimigos te amarram no lombo de um burro e te soltam do outro lado do Rio Pelotas”. Cassiano, claro, não lhe deu ouvidos.

Os adversários do então jovem defensor joseense não chegaram a tanto. Mas não foi por falta de vontade. Bem que tentaram matar o corajoso (ou temerário?) advogado paulista. Cassiano escapou, por muito pouco, de uma tocaia, armada por matadores profissionais, contratados por seus adversários, para calá-lo para sempre.

O poeta acabou sendo salvo (milagrosamente, segundo ele), pelo latido de um cão, que fez com que ele se mexesse na “hora agá”, no momento exato em que um dos jagunços disparou tiro de espingarda em sua direção, que certamente seria fatal se o atingisse. Foi o movimento instintivo que fez, de olhar para o animal que latia, que salvou a sua vida. A bala passou zunindo, raspando a sua cabeça, mas não o atingiu. Por muito pouco, é verdade.

Até a sua morte, o poeta passou a ter (explicável) veneração por esse providencial cachorro. Quando questionado a respeito, justificava, com entusiasmo: “Que se fale de fidelidade de um animal que defende o seu dono, se admite e se considera coisa normal. Mas defender um estranho...?!”.

A participação de Cassiano Ricardo, na Semana de Arte Moderna, de fevereiro de 1922, e sua influência no modernismo brasileiro foram das mais sensíveis, notáveis e fundamentais. Seu lema, como ademais o de diversos outros integrantes desse movimento que revolucionou a estética e a cultura nacionais, era: “Parar de macaquear as coisas das estranjas!”. Até então, era o que os nossos artistas mais faziam.

Por isso, o poeta concordava plenamente com a parte nacionalista daqueles “sete dias bíblicos”, como ele próprio os definiu, ao contrário de muitos outros, que defendiam o propalado “caráter universal e intemporal” da arte. Entretanto, opunha-se, radicalmente, à enxurrada de “ismos” que então se formou (cubismo, futurismo, dadaísmo, impressionismo e os cambau), só aceitando como válido o que denominava de “verde-amarelismo”, rótulo que contrapôs ao “Movimento Pau-Brasil”, lançado por Oswald de Andrade.

Em 1937, Cassiano Ricardo foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, onde nunca se enquadrou. Pelo contrário, mostrou-se um rebelde, inquieto e revolucionário (no mais estrito sentido do termo). Citando Eugene Ionesco, dizia, para quem quisesse escutar: “Sempre fui um acadêmico anti-acadêmico”. E foi mesmo...

Seus principais livros são: “Dentro da Noite” (lírico, de 1915); “A Flauta de Pã” (ainda dentro das concepções parnasianas, de 1917), ”Vamos caçar papagaios” (1926) e “Martim Cererê” (1928), estes dois últimos na linha nacionalista que passaria a seguir até sua morte. Foram inúmeras, também, as poesias que publicou em jornais e revistas, literários ou não, de várias partes do País.

Uma estrofe célebre, de Cassiano Ricardo, define com exatidão e caracteriza à perfeição o que foi a sua vida: “Não sou o herói do dia,/Passei pela vida como quem passa/por um jardim público/onde há uma rosa proibida/por edital”.

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