Monday, December 18, 2006

O casal


II- O CASAL

(Continuação)

Nem José e nem Maria possuíam qualquer registro profissional, um simples documento que fosse, atestando que trabalhavam. Por conseqüência, a jovem (que sequer tinha 20 anos, embora aparentasse bem mais) não teria nenhuma assistência médica para acompanhar o nascimento do bebê. Os dois sequer eram casados. Conheceram-se, gostaram um do outro e decidiram juntar os trapos, como diziam. E davam-se muito bem. Viviam juntos há já cinco anos.

O casal poderia procurar um hospital público, mas os dois sequer atinavam que contavam com esse direito. José, aos 25 anos, jamais precisou de médico. Embora levasse uma vida de privações, a natureza o dotara de rara resistência física. Era o típico sertanejo, "sobretudo um forte", conforme assegurou Euclides da Cunha em seu "Os Sertões". José não pagava o INPS e não sabia a quem recorrer em caso de necessidade de atendimento.

Maria sofria com cólicas constantes, mas se virava sozinha. Enfrentou a gravidez com heroísmo, sem queixas de qualquer espécie. Nunca deixou de cumprir as suas obrigações. Cuidava do companheiro como a mais zelosa das esposas, mantendo o barraco o mais asseado possível e as roupas de José limpas e remendadas, sem deixar faltar um único botão em suas camisas ou calças.

O casal contava, em caso de necessidade, apenas, com a vizinha, dona Marta, viúva, de 60 anos, pau para toda a obra. Ela não era apenas a parteira, mas tinha noção sobre remédios de ervas para quase todos os males. Pelo menos era essa a fama que corria na favela. Por isso José e Maria confiavam nela mais do que em qualquer obstetra.

Sabendo da competência da negra parteira, o biscateiro havia ido trabalhar razoavelmente sossegado, se é que isso é possível em tais circunstâncias. Estava seguro de que Maria receberia o melhor atendimento. Nem por isso deixava de experimentar preocupação e desassossego. "Nunca se sabe", resmungava, precavido. Além do que, sabia disfarçar bem seu estado de espírito e seus sentimentos. Nunca fora dado a queixas ou lamentações.

(Continua)

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