Tuesday, September 30, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Existem pessoas menos importantes do que outras, cuja morte não nos faria falta? É lícito tomarmos em nossas mãos o terrível poder de decidir quem deve viver, quem não? Há situações extremas em que alguns têm que tomar essa monstruosa decisão. Por exemplo, em hospitais superlotados, médicos têm que decidir quem vão salvar e quem deixarão morrer, por falta de recursos para atender a todos. Margaret Mead fez esta advertência a respeito: “Se não formos capazes de defender todas as pessoas, não seremos capazes de defender nada. É como na discussão sobre a triagem – o processo de seleção dos feridos de guerra que devem ou não ser abandonados. Se dizemos ‘nada podemos fazer pelos índios, eles que morram de fome’, acabaremos dizendo ‘nada podemos fazer pelas pessoas de Massachusetts ou da Califórnia’. O que um país faz com a parcela menos importante de sua população, ele acabará fazendo um dia com toda sua população”.

Motivações de escolha


Pedro J. Bondaczuk

O que motiva as pessoas nas escolhas pessoais e/ou profissionais que fazem e que tendem a determinar os rumos de suas vidas? No caso de profissões, a maioria leva em conta, principalmente, a remuneração que se pode obter com a atividade escolhida (médico, advogado, engenheiro, jornalista, atleta profissional, cantor popular etc.) e, conseqüentemente, o status que se pode obter com ela. Fizeram a opção correta? Equivocaram-se na escolha? É difícil de saber antes de se conhecer os resultados finais. Afinal, fracasso e sucesso, na maioria dos casos, são muito subjetivos, mera questão de ponto de vista.
Caso levem em conta suas aptidões e talentos, essas pessoas tendem a se dar bem (não necessariamente, claro, pois dependem de vários fatores, entre os quais, os principais são as circunstâncias e as oportunidades). Em caso contrário... São inúmeras as histórias de fracassos de indivíduos que tinham tudo para vencer em suas atividades e, no entanto, se decepcionaram e decepcionaram os que acreditavam nelas. Fizeram escolhas equivocadas? Ou as motivações é que não eram as mais pragmáticas e se mostraram frágeis para lhes garantir o sucesso? Ou as duas coisas? Há casos e mais casos e não se pode generalizar.
Somos, porém, via de regra, afoitos e severos em demasia no julgamento dos atos e obras alheios. Exigimos dos outros comportamentos e atitudes que não temos e não admitimos outra coisa neles se não a perfeição. Por que essa postura, se somos tão imperfeitos? É verdade que somos julgados da mesma forma e, não raro, nos rebelamos com esses julgamentos e nos sentimos sumamente injustiçados com eles, esquecidos que, igualmente, somos muitíssimo injustos.
E mesmo quando agimos com justiça, deixamos de lado um ingrediente altamente desejável: a misericórdia. Aliás, a mesma que queremos para nós e para as nossas fraquezas e contradições. Somos implacáveis em nossos julgamentos. Todos os princípios humanos são imperfeitos e falhos, como a verdade (mal-recompensada para os que a buscam com exemplar dedicação), a justiça (raríssimas vezes “cega” e imparcial), além das características encaradas ostensivamente como deficiências de caráter, como orgulho, ambição e vaidade, entre outros.
Teoricamente, quando escolhemos alguma atividade, que seja compatível com o nosso preparo e talento, pesamos (e tacitamente aceitamos) todas suas vantagens e riscos. Mas não raro exigimos dos outros muito mais do que eles podem dar. Não os encaramos como seres humanos, dotados das mesmas vulnerabilidades e fraquezas que nós. Falta-nos o devido senso de proporção.
Reitero: carecemos do maior atributo de Deus, de quem somos imagem e semelhança: infinita misericórdia. Morris West escreveu a respeito, no romance “A Estrada Sinuosa”: “A verdade? Uma dedicação sagrada, mas um serviço mal-agradecido. Justiça? Uma deusa cega cuja balança nunca se equilibra perfeitamente. Orgulho? Ambição? Vaidade? Tudo isso tem importância num homem, mas não se explica. Escolhe-se uma profissão em que se deseja triunfar. Apreciam-se as suas recompensas. Aceitam-se as suas limitações. Compartilha-se a responsabilidade dos seus males. Um homem e a sua obra têm de ser julgados no estado e condição a que ele pertence. O próprio Deus Todo Poderoso tempera a justiça absoluta com uma infinita misericórdia”.
Aspiramos, sobretudo, a eternidade, mas nossas pretensões esbarram na realidade da nossa pequenez e efemeridade. Alguns crêem que nossa presença na Terra é apenas uma passagem, uma preparação, um aprendizado para algo melhor e duradouro, em outra condição desconhecida.
Claro que se trata, apenas, de questão de fé, sem a mínima fundamentação em provas. Outros, por sua parte, acham que nossa existência, enquanto seres racionais, se extingue com a extinção do corpo e que, se não aproveitarmos esta vida, não teremos outra para recuperar o tempo perdido. Aparentemente, é.
Com quem está a razão? Com os que acreditam em eternidade, sem este frágil invólucro de carne, ossos, sangue e vísceras que abriga nossa consciência? Ou com os que crêem que a matéria é a única realidade e que por isso, não se cria e não se perde, mas apenas se transforma? E que apregoam que, o que chamamos de “alma”, não passa de mera função biológica do cérebro?
Cada qual tem uma crença a propósito, de acordo com sua formação intelectual e espiritual. Mas certeza, certeza mesmo, ninguém tem (creio que jamais terá), nem a esse respeito e nem a propósito de nada. Muito menos se suas escolhas – motivadas, via de regra, por fantasias, sem nada de objetivo –, foram, são ou serão as corretas e adequadas. Sucesso e fracasso andam lado a lado e são sumamente subjetivos.
Para uns, somos uma “casta de condenados” à absoluta extinção, sem deixar, a longo prazo, o mínimo vestígio da nossa passagem por este recôndito e ínfimo recanto do universo. Para outros, somos eternos e indestrutíveis, pelo menos no que diz respeito à nossa tão misteriosa parte imaterial e nossos fracassos são somente passageiros, quando não apenas aparentes.
O poeta paulista Y. Fujyama encerra seu poema “Opus Zero” com estes versos instigantes, a esse propósito: “Que representaria o perpetuar-se/de um canto se a certeza do eterno/bafejasse os seus passos? Oh! Incerto,/trivial alimento de uma casta de condenados!”
Seríamos mera matéria, que por um capricho da natureza adquiriu, por certo tempo (que varia de uma pessoa para outra), a capacidade de inteligência e consciência e que um dia se transformará, para sempre, em algo inconsciente, “em pó” ou alguma coisa que o valha, ou temos uma alma imortal, destinada a gozar de ventura eterna? Eu não sei! Você, por acaso, sabe (não perguntei se “acredita”)? E, caso a resposta seja positiva, pode provar esse seu conhecimento?

Monday, September 29, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Vivemos época caracterizada pela pressa. Tudo tem que ser feito correndo, como se o mundo fosse se acabar no minuto seguinte. Assumimos mais compromissos do que nossa capacidade de cumpri-los e nos privamos até dos prazeres simples da vida, como o de beijar nosso filho, todas as noites, antes dele dormir. Parece exagero meu, mas quem refletir só um pouquinho sobre seu cotidiano, verá que não é. Queremos viver duas vidas numa só e acabamos não vivendo, com prazer e dignidade, nenhuma. O pior é que o tempo que achamos que ganhamos com a correria é desperdiçado, de forma banal e boba, em conversas vazias, que nada nos acrescentam, ou em barzinhos da moda. O professor britânico, Ian Baker, fez a seguinte constatação: “A nossa época é a do culto da velocidade! Tudo tem que ser feito rápido, sem pensar muito. Feliz a criança cuja mãe vem beijá-la à noite antes de ele ou ela ir dormir”. Felizes os dois!

Necessidade e ideal


Pedro J. Bondaczuk

As necessidades são as grandes propulsoras da ação. São o fator essencial que nos faz reunir todas nossas forças e capacidades para suprir, da melhor maneira possível, o que precisamos para uma vida confortável, racional e civilizada. Movem-nos, sobretudo, quando são prementes, imediatas e indispensáveis até à sobrevivência. Quando estamos doentes, por exemplo, não podemos perder tempo em “planejar” o tratamento. Temos que sair, de imediato, à procura de ajuda e de remédio, sob o risco de ter a saúde comprometida irremediavelmente e, em casos extremos, de sobrevir a morte. O mesmo vale em relação à fome, à sede etc.
Um ideal, qualquer que seja, é, sim, indispensável para dar direção e, principalmente, motivação, à nossa vida, mas no longo prazo. No curto, temos que satisfazer, antes de qualquer outra coisa, nossas necessidades básicas. E, se tivermos capacidade e preparo para isso, as dos que nos cercam.
Querer realizar alguma coisa que não seja necessária a ninguém é perda de esforço e de tempo. E há tanta coisa de que o mundo necessita, tanta tarefa a ser executada, sem que haja o devido executor, tanto desafio a ser encarado e vencido!
Por que não sermos nós a fazer o que tem que ser feito? O que impede que nos tornemos pioneiros para desbravar determinados campos de atividade e preparar terreno para que outros dêem continuidade ao que iniciarmos?
A necessidade, já escrevi certa feita e reitero o que afirmei, é a verdadeira mola propulsora do progresso. Foi por causa dela que o homem aprendeu a produzir o fogo, feito que se constituiu num avanço miraculoso, quer para a sua segurança (ao manter as feras que o ameaçavam distantes da caverna que habitava), quer para a própria saúde, ao aprender a cozer os alimentos e torná-los, dessa forma, mais digestivos, o que teve enorme impacto positivo sobre sua sanidade e longevidade.
Foi ela que levou nossos ancestrais a desenvolverem a agricultura, o que lhes possibilitou estocar comida para períodos de escassez e os fixou, por conseqüência, em determinadas áreas, deixando de ser nômades. Foi, ainda, a necessidade que fez com que aprendessem a construir moradias saudáveis, confortáveis e seguras. Foi ela, também, que lançou as bases da medicina, praticada, de início, de maneira empírica, mediante sucessivas tentativas, corrigindo, de uma para outra, os erros cometidos nas anteriores.
Por isso, queiram ou não, ela é o grande estimulante dos ideais. E como estes tendem a estimular ações, os três fatores se casam para se tornar os reais fundamentos da civilização. Nossos sonhos, dos menores e mais triviais, aos grandiosos e que mais valorizamos, morrem, como as ondas do mar, que se desmancham nas areias das praias. Principalmente, se nos limitarmos, apenas, a sonhar.
Isso não é motivo, porém, para que não os tenhamos. O que não podemos é nos frustrar por não conseguir concretizá-los. Devemos ser, de fato, como as ondas do mar. Se é verdade que morrem na praia e se desmancham na areia, tornam a se reagrupar e vão e vêm, vão e vêm e vão e vêm, num moto-perpétuo, enquanto a Terra existir.
Não deve ser motivo de frustração o fato das asas da alma serem tão curtas e frágeis e não conseguirem alcançar as estrelas. Amanhã, esses sóis tão distantes ainda estarão lá, luzindo no firmamento, e depois de amanhã, e depois, e depois, por anos, décadas, séculos e milênios sem fim.
Os sonhos são como as águas. Se estas forem estagnadas, “morrem”, ficam poluídas e deixam, portanto, de ser saudáveis. Todavia, se forem correntes, se puderem se renovar continuamente, se compuserem ribeirões, riachos, cascatas e grandes rios, estarão sempre eliminando impurezas e, por conseqüência, sendo salubres e vitais. E se forem motivados por necessidades, certamente sairemos em busca da sua concretização, tenhamos ou não competência para isso. Se não a tivermos, daremos um jeito. Não teremos escolha.
Ou, quem sabe, nos esforçaremos para aprender o que for necessário. Ou, o que é mais comum, recorreremos a terceiros, que sejam devidamente habilitados a satisfazer nossas necessidades, arcando, óbvio, com os devidos ônus, ou seja, pagando o preço pelos préstimos recebidos. É assim que as coisas funcionam.
Um dos versos do poema “Palavras ao mar”, de Vicente de Carvalho, ilustra a caráter essa renovação (das águas e dos sonhos). É o que diz: “Sei que a ventura existe,/sonho-a; sonhando a vejo, luminosa,/como dentro da noite amortalhado/vês longe o claro bando das estrelas;/em vão tento alcançá-la e as curtas asas/da alma entreabrindo, subo por instante./Ó mar! A minha vida é como as praias,/e os sonhos morrem como as ondas voltam!”. Morrem, mas podem renascer, sem dúvida, mais vigorosos e belos e em maior quantidade. Mas essa é uma outra história... que fica para uma outra vez...

Sunday, September 28, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Quando um adulto age ou fala de forma imprudente, sem bom-senso, diz-se que está fazendo “criancice”. É uma injustiça tola contra a criança, fruto de preconceito. Esta, se bem instruída e orientada, certamente será um homem ou uma mulher notável, quem sabe, até, genial. E o adulto é melhor? Não! Claro que não! Tem sempre que aprender alguma coisa, melhorar algum ponto, se informar, se instruir, se educar. A educação é um processo que vai do berço à tumba. Trazemos em nós a criança que um dia fomos. Não sou eu que o digo, mas o eminente psicanalista Carl Gustav Jung, do alto da sua inegável autoridade de mestre no assunto. Ele escreveu a respeito: “Falamos sobre a criança, mas deveríamos ter em vista a criança no adulto, porque em cada adulto está escondida uma criança – uma eterna criança, algo que está sempre crescendo, que nunca se completa e exige incessante cuidado, atenção e educação”. E não está certo?!

DIRETO DO ARQUIVO


Mundo precisa do talento americano


Pedro J. Bondaczuk


O ônibus espacial Discovery, após algumas compreensíveis horas de nervosismo, onde a contagem regressiva chegou a ser suspensa por 98 minutos por causa de um súbito vendaval que se abateu sobre Cabo Canaveral, subiu, finalmente, ontem, repondo os Estados Unidos na corrida espacial. Essa presença norte-americana no espaço é muito importante para as futuras viagens tripuladas a outros planetas do nosso sistema solar. Afinal, trata-se da maior superpotência do mundo, detentora não somente da maior riqueza, mas, e principalmente, da mais avançada e sofisticada tecnologia.

Durante a subida da nave, técnicos, astronautas e público em geral não puderam esquecer a terrível tragédia ocorrida em 26 de janeiro de 1986, quando o Challenger explodiu. A morte de seus sete tripulantes, entre os quais uma civil, a professora Christa Sharon McAulife, serviu como uma dura lição para a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (Nasa).

A Nasa, conforme ficou demonstrado no inquérito que se seguiu a esse lamentável acidente, estava se descuidando da segurança dos vôos, no afã de cumprir um vasto programa de lançamentos. Agora, tudo parece estar reformulado para as futuras missões. Cada detalhe foi levado em conta, prevendo o pior. Até estratégias alternativas de escape para astronautas, em caso de problemas em órbita, foram criadas e exaustivamente ensaiadas. Portanto, o vôo de ontem foi exemplar em todos os sentidos.

Todas as atividades humanas apresentam riscos de falhas. Ainda mais uma tão arriscada quanto esta, de colocar homens ao redor da Terra. Portanto, os norte-americanos fizeram bem em deixar o triste episódio para trás. Muita gente chegou a propor o encerramento do programa dos ônibus espaciais por causa da explosão do Challenger. Tal coisa, porém, seria lamentável para toda a humanidade, se tivesse acontecido.

O mundo precisa do arrojo e da técnica dos norte-americanos. O homem necessita disso, enquanto espécie, já que um dia precisará explorar, desbravar e conquistar novos mundos, para dar seqüência à maravilhosa aventura humana.

Estados Unidos e União Soviética, desde que unam os seus esforços, poderão tornar concretas as fantasias das viagens interplanetárias. Quanta coisa não deverá haver para ser acrescentada? Quanta riqueza, que poderá vir a se somar ao patrimônio da humanidade, não existe por aí para ser amealhada? Quanto espaço útil não há para ser conquistado e povoado por espécimes desse animal sem pêlo, cuja força reside na capacidade de seu cérebro para raciocinar? O que se espera, somente, é que ambas as superpotências utilizem seus recursos para construir, e jamais para promover o temido "doomsday", o dia do Juízo Final.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 30 de setembro de 1988)

Saturday, September 27, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A vida nas grandes cidades, mesmo para os que não conhecem outros lugares – que nasceram e cresceram nelas e nunca saíram dali – é tensa, estressante e difícil. Trânsito complicado, poluição, violência e muito barulho são alguns dos principais inconvenientes. O excesso de ruído, porém, é o fator mais neurotizante. Causa terríveis danos, não apenas psicológicos, mas também físicos. Várias pessoas dizem que “adoram” essa confusão. Seriam sinceras? Não sei! Richard Abou escreveu a respeito: “Dois em cada três homens vivem nas cidades, submetidos às piores pressões. Fala-se muito nos danos causados ao indivíduo pela fase aguda, perceptível, do barulho. Comprovamos, inclusive, que o metabolismo cerebral e cardíaco são afetados. Mas é preciso não esquecer que, mesmo na ausência de níveis sonoros elevados, há nas cidades um ‘fundo de ruídos’ que solapa a resistência do organismo e o torna vulnerável a doenças diversas”.

Antipoema


Pedro J. Bondaczuk


Saí, um dia, garboso,
pelos campos abertos da noite
em busca do ideal antigo:
da minha lança de vento,
do meu escudo de vidro,
da minha espada de fogo
e do meu elmo de cristal.

Em meu cavalo alado,
com meu fiel escudeiro,
do meu castelo dourado,
em certo dia em saí.
Fui combater a quimera,
fui decapitar dragões
e batalhar pela justiça:
com minha lança de vento,
com meu escudo de vidro,
com minha espada de fogo
e com meu elmo de cristal.

Combati atros fantasmas,
derrubei muitos tiranos,
escravizei muitos bravos
e libertei vários escravos,
com a força da convicção
do meu coração ousado
e o inimitável poder
da minha lança de vento,
do meu escudo de vidro,
da minha espada de fogo
e do meu elmo de cristal.

De investida em investida,
empreendi tamanha lida
que cheguei a perder a vida.

Como fantasma, um dia, voltei,
triste, cansado, vencido,
ao meu castelo dourado
sem nada ter ou querer:
sem minha lança de vento,
sem meu escudo de vidro,
sem minha espada de fogo
e sem meu elmo de cristal.

Hoje, procuro um herdeiro,
outro audaz guerreiro,
corajoso e destemido,
que empunhe, com braço ousado,
a minha lança de vento,
o meu escudo de vidro,
a minha espada de fogo
e o meu elmo de cristal.

Lanço ao vento o meu repto.
Se algum poeta discreto,
ou mesmo um agente secreto,
quiser ocupar meu lugar,
empunhe as armas tão minhas:
a minha lança de vento,
o meu escudo de vidro,
a minha espada de fogo
e o meu elmo de cristal.

(Poema composto em Campinas, em 27 de outubro de 1968).

Friday, September 26, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Os heróis são frutos da ocasião. Todos podemos ser, um dia, dependendo das circunstâncias, e de saber agir com determinação, no momento certo, quando formos exigidos para tal. Todavia, são raríssimas essas oportunidades para agirmos com bravura e heroísmo e conquistarmos, para sempre, a estima e a admiração gerais. Já que não somos heróis (ainda), contudo, não precisamos ser covardes. As oportunidades para a covardia, ao contrário do heroísmo, são muitas, quase infinitas ao longo da vida. Mas só depende de nós não sermos covardes em nenhuma ocasião. A maior das covardias, na minha visão, é a omissão. É deixar de fazer o que poderíamos (e deveríamos), por medo, indiferença, egoísmo ou qualquer outro motivo correlato. O escritor René Bazin escreveu a respeito: “Só duas ou três vezes nos aparece, na vida, uma oportunidade para mostrar que somos bravos. Mas temos, diariamente, várias ocasiões para não ser covardes”.

Réplica de classe


Pedro J. Bondaczuk

A imortalidade – não a física, evidentemente, que nos é vedada, mas a como é compreendida pelas pessoas lúcidas e inteligentes, ou seja, a do nome e das obras que lhe sejam associadas – é a máxima aspiração dos indivíduos produtivos e, sobretudo, criativos, mesmo que não admitam. Quase ninguém admite. A minha, porém, confesso, é.
Fico aflito somente em pensar que, poucos dias após a minha morte, o que fui, fiz e pensei pode acabar esquecido até mesmo pelos meus descendentes mais diretos (já nem digo os amigos e demais parentes). E que, ao cabo de escassos anos (se não irrisórios meses ou até dias), não reste o menor vestígio de que um dia amei, odiei, tive saudades, errei, acertei e, em suma, passei pela Terra e vivi.
Essa imortalidade, todavia, é muito caprichosa. Pessoas que foram especiais e deixaram obras magníficas (não importa de que natureza), dignas de reverência e de registro, foram “atropeladas” pelas circunstâncias e acabaram esquecidas para sempre. E outras, que em toda a vida praticaram um único ato que valeu a pena registrar (disseram algo de original, fizeram alguma coisa de excepcional ou nem isso, ou seja, foram apenas exóticas, quando não patéticas), tiveram seus nomes inscritos, para sempre, na História e são citadas, geração após geração (com seus feitos distorcidos e em geral aumentados, de uma época para outra). A memória dos povos é assim: pífia, banal e quase sempre injusta.
Por exemplo, alguém sabe quem foi a pessoa que pela primeira vez inventou um alfabeto (qualquer deles) e que desenvolveu uma forma, mesmo que rudimentar, de registrar idéias por escrito, de maneira coerente e inteligível? Claro que não!
Mas essa foi uma invenção que revolucionou a História. Lançou as bases do que entendemos como civilização. E quem teve a idéia de inventar o símbolo “zero”, para “quantificar” o nada? Isso, para não indagar quem inventou a roda, quem pela primeira vez aprendeu a produzir o fogo e quem teve a intuição de lançar, antes de qualquer outro, sementes de plantas à terra e teve paciência de esperar os resultados, criando, dessa maneira, a agricultura.
Como se vê, a memória dos povos nem sempre (ou quase nunca) é justa. Todavia, de malucos empedernidos, de tiranos, de genocidas, de pilantras de toda a sorte, as páginas da História estão abarrotadas. Estes é que deveriam ser esquecidos para todo o sempre, mas não são. É verdade que temos sábios e santos, artistas e artesãos que lograram obter esse tipo de imortalidade. Mas a desproporção é imensa em relação aos paranóicos, aos verdugos, aos guerreiros que semearam morte e terror por onde passaram, aos corruptos, aos covardes etc.etc.etc.
Jorge Luiz Borges cita, no livro “História da Eternidade”, de passagem, sem fornecer detalhes que permitam exata identificação, um desses personagens que lograram se tornar “imortais” em decorrência de um, um único incidente, que poderia ser relevado e esquecido, como uma infinidade de tantos outros, por sua banalidade, mas que ganhou relevância e permanência, por causa de uma resposta supostamente inteligente, perspicaz, irônica e, sobretudo, elegante, a uma ofensa que sofreu.
Trata-se de um certo “Doutor Henderson”, sobrenome bastante comum em inglês (numa consulta ao Google, este registrou, em fração de segundos, cerca de 700 mil páginas em que é citado). Em nenhum lugar se menciona o que fez (além de dar a mencionada resposta ao agravo que sofreu), qual sua especialidade médica, quantos doentes curou, quantos não conseguiu curar, quais foram seus contemporâneos célebres etc.
Ainda assim, não se tratou de um Henderson qualquer. Este foi especial. A citação de Borges, a que me referi, é a seguinte: “Numa discussão teológica ou literária, lançaram um copo de vinho ao rosto de um cavalheiro. O agredido não se alterou e disse ao ofensor: ‘Isto, senhor, é uma digressão; aguardo seu argumento’. (O protagonista dessa réplica, um tal doutor Henderson, faleceu em Oxford por volta de 1787, sem deixar-nos nenhuma lembrança a não ser essas exatas palavras: suficiente e bela imortalidade)”.
As referências que o caracteriza são o ano e o local do seu falecimento. Esses pequenos detalhes, porém, são suficientes para identificá-lo com razoável precisão. Afinal, apesar desse sobrenome ser (como ressaltei) bastante comum, não devem haver tantos Hendersons falecidos em 1787 e em Oxford, na Inglaterra. Se houver mais de um, já será enorme coincidência.
Ademais, provavelmente sua resposta nem foi da forma com que passou à História. Deve ter sofrido cortes e acréscimos nesses dois séculos e 21 anos após haver sido dada (afinal, “quem conta um conto...”). Alguém deve ter testemunhado e registrado a altercação e o respectivo contraponto, caso contrário não haveria a referência. Além disso, nosso quase ilustre personagem contou com a sorte de encontrar um escritor originalíssimo e perspicaz, como Jorge Luiz Borges, que em alguma fonte (que o escritor argentino não revelou qual era), encontrou essa referência e... a imortalizou.
E pronto! O tal do Doutor Henderson deixou de ser um anônimo “ad aeternum”, para se tornar relativa “celebridade”. É assim que funciona essa tal de “imortalidade” que tanto buscamos: ao sabor apenas dos caprichos do acaso e das circunstâncias. Como nos iludimos com o futuro!

Thursday, September 25, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Não raro desanimamos quando tentamos convencer alguma pessoa que amamos a fazer determinada coisa que lhe será boa ou a não continuar agindo de maneira errada, dadas as conseqüências com que terá de arcar. A persuasão é poderosa, mas exige muita paciência, diálogo, compreensão e, sobretudo, amor. Claro que para persuadirmos alguém a fazer (ou não fazer) alguma coisa, devemos estar absolutamente seguros de que se trata do melhor para ele. Se houver alguma dúvida, por mínima que seja, o melhor é não nos intrometermos em sua vida. Pior é tentar impor o que quer que seja para a amada, os filhos ou alunos etc. Aí, a coisa não funciona mesmo! As conquistas do espírito nunca se dão por esse meio. Frank Clark resume o tema com esta declaração: “Pode-se levar uma eternidade para conquistar o espírito do homem pela persuasão, mas ainda assim é mais rápido do que conquistá-lo pela força”. E eu diria: é mais rápido e eficaz.

Lago secreto


Pedro J. Bondaczuk

O que trazemos escondido no fundo da nossa mente (se no inconsciente ou no subconsciente não importa), é um mistério insondável para nós, para os outros e para os mais experientes e doutos psicanalistas. Pode ser um impulso irreprimível e inexplicável para o bem, que venha, certo dia, sem qualquer aviso, a aflorar e nos tornar heróis (falo do verdadeiro heroísmo, que é o de salvar, literal ou figurativamente, vidas) ou santos.
Mas é possível, também, que lá estejam adormecidos monstros cruéis e sanguinários, incontroláveis demônios, que talvez nunca venham a emergir, ou que, quando menos se esperar, venham, furiosamente, à tona e causem pasmo e terror não apenas a nós mesmos, mas a todas as pessoas do nosso círculo de relacionamentos.
Nunca sabemos quais e quantos impulsos para o bem ou para o mal estão trancados a sete chaves nestes misteriosos e indevassáveis compartimentos da mente, que o escritor John Steinbeck denomina de “lagos secretos”. São inúmeros os casos de pessoas que se comportam com correção e bondade durante boa parte da vida, mas que, subitamente, sem nenhuma espécie de aviso prévio, para surpresa geral, cometem atrocidades imensas.
São pais que matam filhos por banalidades, em momentos de raiva incontrolável; filhos que trucidam pais para antecipar a posse de heranças; cônjuges que juravam mútuo amor eterno e que, subitamente, assassinam a pessoa que garantiam amar, com requintes de crueldade e, não contentes, retalham os cadáveres, no afã de ocultar o horrendo delito, e vai por aí afora.
Há casos e mais casos como esses a abarrotarem as páginas policiais dos jornais do mundo todo. Nunca sabemos se o nosso é um lago sereno, repleto de vida, plácido e benigno, com inúmeros peixes a nadar, ou se é o tão falado Loch Ness da Escócia, com seu suposto monstro a aterrorizar os que passam nas suas cercanias.
John Steinbeck escreveu o seguinte, a propósito, no romance “A Leste do Éden”: “Talvez todos nós tenhamos um lago secreto em que as coisas sinistras germinam e se tornam fortes. Mas essa cultura é reprimida e a prole sobe pelas encostas apenas para tornar a cair. Não é possível que nos lagos escuros de alguns homens o mal se torne forte o bastante para pular a cerca e ficar livre? Um homem assim não seria nosso monstro e não estaríamos relacionados com ele em nossas águas ocultas? Seria absurdo se não compreendêssemos tanto os anjos como os demônios, já que os inventamos”.
A propósito, para quem não sabe, informo que o Loch Ness é o mais profundo lago glaciário da Escócia. Os geógrafos asseguram que, até o fim da Era Glacial, era um longo braço de mar. Quanto a “Nessie”, como é carinhosamente chamado o suposto monstro, seria uma criatura com o corpo de uma gigantesca serpente e a cabeça parecida com a de um dinossauro. Há quem garanta que seja um dos raros animais pré-históricos sobreviventes às várias e cataclísmicas transformações do Planeta. Outros tantos asseguram, porém, que se trata de mera criação da fantasia popular. Pelo sim ou pelo não...
Todos temos, em maior ou menor quantidade, além de impulsos secretos (para o bem ou para o mal) lembranças amargas de fracassos profissionais, de amores que não deram certo, mas deixaram marcas; de sonhos nunca concretizados ou de ideais que deixamos para trás, pelo caminho, sem que saibamos a razão. O mais prudente e sábio é, se possível, nos livrarmos dessas “quinquilharias” emocionais, que só ocupam espaço que poderia ser preenchido com recordações agradáveis, de sucessos, de afetos marcantes, de coisas que pareciam impossíveis de serem feitas e que o foram e de novas metas a nos conferirem motivação e sentido.
Devemos proceder como fazemos, vez ou outra, com os quartos de “bagunça” que quase todos temos em casa (ou nos fundos de uma garagem) onde acumulamos objetos sem uso, em geral quebrados, que planejamos “um dia” consertar, porém nunca o fazemos. Seria mais prático comprar outros, mas, teimosamente, falamos em consertá-los. Só falamos...
Lá um belo dia, no entanto, criamos coragem e nos desfazemos dessas bugigangas e percebemos que elas não nos fazem nenhuma falta. É certo que não demora muito para preenchermos esse espaço com novas quinquilharias. Com as lembranças, porém, é conveniente não agir assim. É sábio não renovar as que eram ruins e foram descartadas.
O prudente é nos livrarmos delas e nunca mais acumularmos novas recordações dolorosas. Isso é mais questão de auto-condicionamento do que de personalidade. Por que represar emoções inúteis e, pior, que causem sofrimento, nos subterrâneos da alma? Melhor é fazer a drenagem do nosso lago secreto e mantê-lo vivo e poético, sem mistérios e sem surpresas.
O poeta Afonso Schmidt tem um soberbo soneto a esse propósito, intitulado “Barba-azul”. E ele o encerra com estes magníficos tercetos, em que diz: “Neste beijo, porei nas tuas mãos suaves/o maldito esplendor das áureas sete chaves/do velho coração...Vem habitá-lo, pois,//não devasses, porém, subterrâneos e fossos;/morrerás de pavor, se vires os destroços/das quimeras que amei e trucidei depois”. Afinal, não queremos que a amada, quando vier a habitar de vez nosso coração, “morra de pavor” ao ver restos de sonhos, trucidados com requintes de crueldade, não é mesmo? E nem que, ao banhar-se em nosso “lago secreto”, se depare, subitamente, com o monstro do Loch Ness...

Wednesday, September 24, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Todas as pessoas, mesmo que não admitam ou tenham consciência, anseiam por ser compreendidas. Quem acha que compreende os outros, mesmo os que lhe são mais próximos e compartilham do mesmo teto, está enganado. Volta e meia se surpreende com alguma palavra que não estava em seu “script” ou com alguma atitude inesperada. No fundo, somos todos solitários, embora em diferentes intensidades. Para sermos compreendidos, temos que nos expor. Não podemos temer decepções, devemos nos prevenir para elas e tentar compreender os outros. É tarefa difícil, dificílima, muito mais complexa do que podemos supor. Mas é indispensável, para relacionamentos sadios e equilibrados. O escritor Leo Rosten escreveu o seguinte, a respeito, no livro “De médico e de louco”: “Cada um de nós, no fundo, é um solitário, e anseia por ser compreendido; mas cada um de nós, em parte, permanece estranho mesmo para aqueles que nos amam”.

Atalho para o amor


Pedro J. Bondaczuk


O amor sempre foi, é e será mistério insondável para os que tiveram a ventura de passar por essa experiência marcante, a mais profunda e compensadora da nossa vida. Quem nunca passou por ela, porém, não tem (e nem pode ter) a menor noção da sua intensidade e transcendência.
Às vezes convivemos anos com uma pessoa do outro sexo, pela qual não sentimos nada de especial e com quem, não raro, brigamos continuamente, achando, até, que a detestamos e que a recíproca seja verdadeira. Lá um belo dia, porém, sem nenhum aviso ou explicação, nos sentimos irresistivelmente atraídos por esse alguém, a ponto de o considerarmos o centro e a razão de nossas vidas.
Caso haja correspondência, vivemos, então, momentos de delírio e de sofrimento inigualáveis, que nenhum outro tipo de sentimento provoca. Mesmo que não correspondidos, no entanto, essa emoção ímpar, brotada, literalmente, do nada, marca nossas vidas para sempre.
Mas o amor é caprichoso e não raro injusto. Idealizamos uma parceira perfeita, que satisfaça todas as nossas expectativas físicas e emocionais. Quase sempre, porém, na convivência real, na maçante rotina do dia a dia, caso os dois parceiros não continuem alimentando, mutuamente, a fantasia da perfeição que os atraiu e ligou, os defeitos reais de ambos se tornam visíveis e, às vezes, insuportáveis. E, se não forem tolerados por uma das partes, ou por ambas, o afeto mútuo que os atraía, e que julgavam que seria eterno, sofre morte súbita.
O amor que consegue sobreviver a esses instantes de lucidez e insatisfação, se perpetua e acompanha o casal até a morte. O que não sobrevive... Mas mesmo quando acaba, deixa vestígios de ternura e encantamento na alma e na memória dos amantes, tenham ou não consciência disso.
Concordo, no entanto, com Vinícius de Moraes quando acentua: “o amor é eterno, enquanto dura”. O delírio, causado por esse sentimento, em seu auge, pode ser simbolizado por estes tercetos do “Soneto XVI”, do poeta araraquarense Raphael Luiz Thomas, que dizem: “Não sei que força esplêndida e plangente/no coração o amor me vai soprando/em me levando a esse suspiro infindo...//Não me importa saber – sentir somente:/vivendo em ti eu morrerei cantando,/morrendo em mim tu viverás sorrindo!”
Que o amor, em todas as suas formas e variações, é o maior sentimento que o ser humano pode ter, é ponto pacífico. Disso restam poucas dúvidas (se é que haja alguém que duvide). Todavia, por estranho que pareça, o tema é verdadeiro campo minado para os poetas que busquem a originalidade e a perfeição.
Quase sempre, ao abordá-lo, ele resvala para a mesmice, o lugar-comum, até para a pieguice, para o seu desespero e frustração. As metáforas, não raro, são pobres, os versos são vacilantes e o conjunto do poema é até pueril. Exagero?! Não!
Claro que há magníficos poemas de amor, recitados por apaixonados ao redor do mundo e através dos tempos. Isso não quer dizer que o tema seja de fácil abordagem. E por que tanta dificuldade? Por incompetência do poeta? Nem sempre (ou quase nunca). Ocorre pela própria intensidade e complexidade desse sentimento.
Concordo com Fernando Pessoa, quando constata a propósito: “A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrito a respeito de uma mulher abstrata. Uma grande emoção é por demais egoísta, absorve em si própria todo o sangue do espírito,e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever”. E olhem que Fernando Pessoa, do alto do seu talento, sabe o que diz.
Embora não se possa afirmar com segurança – já que não nos é dado o privilégio de conhecer, sequer, nossas mais íntimas intenções, quanto mais a dos outros – tenho a intuição de que nem as piores feras humanas, os homens mais sanguinários e maus, estão satisfeitos com essa condição.
Tudo indica que, na verdade, querem ser justos e bons e sonham em ser amados, como qualquer pessoa normal. São, porém, atropelados pelas circunstâncias, pelas deficiências (ou ausência) de educação, por taras congênitas que escapam ao seu controle e vontade, por infâncias infelizes em lares violentos e desestruturados, pela influência do meio em que nasceram e cresceram etc.etc.etc.
Creio, piamente, na bondade latente do homem. Alguns optam apenas por ela e se tornam admirados e amados por gerações e gerações. Outros, talvez a maioria, acabam por se deixar abater pelas circunstâncias e acumulam ódios, ressentimentos, mágoas e espírito de vingança contra a sociedade que, em suas mentes doentias, é a fonte de todos os seus males.
Conversei com vários marginais – tidos e havidos como bandidos irrecuperáveis, sanguinárias e impiedosas feras humanas – e senti, em todos eles, sem nenhuma exceção (posto que em intensidades diversas) que seu sonho supremo na vida (para eles fantasioso e irrealizável) era o de serem amados e admirados por alguém (não importa quem), embora nenhum admitisse culpa por seus atos horrendos e criminosos.
John Steinbeck escreveu a respeito, no livro “A Leste do Éden” e constatou: “Na incerteza, estou convencido de que, por baixo de suas camadas superiores de fragilidade, os homens querem ser bons e querem ser amados. Na verdade, a maioria dos vícios é uma tentativa de atalho para o amor. Quando um homem morre, não importa qual tenha sido seu talento, influência e gênio, sua vida foi um fracasso se morreu sem amor; sua morte é um frio horror”.
Também estou convicto disso, pelas observações que tive a oportunidade de fazer ao longo dos anos. Se são exatas, ou não, claro, não tenho a menor condição de assegurar. Mas a intuição me sussurra que são corretíssimas. E confio nela para extrair minhas conclusões do que observo.

Tuesday, September 23, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Se a literatura é importante na vida das pessoas (e estou absolutamente convicto que é), qual é seu verdadeiro papel no estudo dos seres vivos (principalmente dos humanos)? Para quê ela serve? Para divertir, ou para instruir, orientar, analisar e concluir? Alguém pode, a esta altura, perguntar: “mas não temos a ciência para isso?”. Temos. Mas somente ela não basta. A vida não se restringe a leis naturais e imutáveis e nenhum ser vivo reage de forma absolutamente igual. Ela é sutil e não comporta análises mecânicas e genéricas. Para sua compreensão, são necessários exemplos, das várias formas de comportamento das pessoas. Ainda assim, somos incapazes de compreender em profundidade esse maravilhoso mistério, esse privilégio, essa magnífica aventura que é viver. O escritor, sociólogo e filósofo francês, Roland Barthes, constatou a respeito: “A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa”.

Forçados à cooperação


Pedro J. Bondaczuk

O homem ainda tem longo caminho a percorrer até entender, no fundo da sua alma, que seu papel no mundo é o de ser parte de um todo e que sua vida será um fracasso caso se volte exclusivamente para o individual, em detrimento do coletivo. Não se trata de abrir mão da individualidade, mas de colocá-la, espontaneamente, a serviço do grupo.
Mantive, por muitos anos, em minha mesa de trabalho, quando era editor do “Correio Popular”, uma gravura que ilustra bem a necessidade de cooperação. Ela mostrava, de um lado, dois burrinhos atados a um poste por uma corda, tendo à frente de cada um, um monte de feno. Quando cada qual buscava chegar ao seu, ao mesmo tempo, não conseguia. Enrolavam-se, tentavam, mas sempre em vão.
Do outro lado, porém, a gravura mostrava o momento em que os dois muares iam para um mesmo lado, juntos. Nesse caso, a corda permitia que chegassem primeiro ao monte de feno da direita (que devoravam com apetite e satisfação), e depois ao da esquerda, em que se fartavam com o mesmo prazer.
Pena que não tenho mais essa gravura para me inspirar. Não sei que fim ela levou, onde foi parar. Quando saí do jornal, não me lembro se a deixei na redação, como lembrança dos vinte anos que lá passei, ou se a trouxe para casa e a perdi no meio das tantas bugigangas que acumulo, sem grande (ou nenhuma) ordem. Vi-a em várias salas de chefes de seção, depois disso.
Mas podemos ilustrar essa necessidade de cooperação com algo melhor, com o que ocorre no nosso corpo. Somos integrados por bilhões, quiçá trilhões, de células, cada uma com sua individualidade e vida próprias e com respectiva função. Como qualquer ser vivo (que, de fato, são), nascem, crescem, se reproduzem e morrem.
Todavia, cada qual executa sua tarefa, integrada ao todo, nunca em oposição a ele, o que garante a saúde e a sobrevivência do organismo inteiro e, por conseqüência, a própria. No entanto, se alguma célula eventualmente se desgarrar e, subitamente, sem nenhum aviso, passar a atacar as demais e a devorá-las, o corpo todo ficará desarranjado. Adoecerá gravemente. E se a agressora não for contida, ou imediatamente eliminada, o conjunto morrerá inexoravelmente. E, com sua morte, os bilhões, quiçá trilhões de células morrerão também, inclusive, claro, a que deflagrou o processo destrutivo.
Assim são os homens. Atuando de forma egoística, o que conseguem é, apenas, “adoecer” o corpo social. E se o “remédio” não for logo aplicado, ou não se mostrar eficaz, todo o organismo haverá de se extinguir fatalmente (no caso, a humanidade).
Este terceto com que o poeta Augusto dos Anjos encerra o soneto “Último credo” ilustra bem essa necessidade de um sentido coletivo na atuação de cada indivíduo que compõe a nossa espécie: “Creio, como o filósofo mais crente,/na generalidade decrescente/com que a substância cósmica evolui...//Creio, perante a evolução imensa,/que o homem universal de amanhã vença/o homem particular que eu ontem fui!”.
Só se (ou quando) esta vitória ocorrer, o ser humano poderá se considerar, de fato, racional. Até lá... Notem que não há particularidades no universo. Tudo e todos somos partes de uma unidade infinitamente maior, absoluta, de dimensões inconcebíveis para a pífia e limitadíssima mente humana.
Nossas alegrias, por exemplo, somam-se à de bilhões de outras pessoas, mundo afora e, quiçá, à de um número até indimensionável de outros seres, caso haja vida inteligente em outras partes do Cosmo (provavelmente, há). O mesmo raciocínio vale para nossas dores, tristezas, frustrações, amores, inquietações etc.etc.etc.
Nós e nossos pensamentos, sentimentos e aspirações não somos originais e muitíssimo menos únicos. Daí ser incompreensível o egoísmo, o culto fanático e insensato de alguns ao “próprio umbigo”, como se fossem o centro do universo e a própria razão dele e tudo que ele contém existirem. Óbvio, não são.
Relutamos em entender e assumir nosso papel, que é mínimo, ínfimo, ridículo no concerto universal, embora nossa intuição nos indique o quão pequeno ele é. Queiram ou não, pois, os empedernidos egoístas, todos somos obrigados a cooperar uns com os outros, para manter esse arremedo de civilização e até para assegurar nossa sobrevivência.
Cada qual desempenha um papel, de acordo com suas aptidões e talentos: o médico, o pedreiro, o engenheiro, o jornalista, o lixeiro, o padeiro etc.etc.etc. Imaginem se não fosse assim? Seria o caos instalado. Imperaria a lei das selvas. A despeito de todas as imperfeições, desmandos e até aberrações, bem ou mal, é esse espírito cooperativo (raramente espontâneo) que mantém coesas as sociedades e lhes confere um toque mínimo de organização.
É certo que essa cooperação poderia (e deveria) ser mais ampla, se não irrestrita e absoluta, envolvendo todos os povos. Pena que não é. Nunca entendi essa divisão do mundo por países (e surgem novos, amiúde, como que brotados do nada), por causa de conceitos tolos, como poder, soberania, etnia, tradições religiosas etc.
Sinto-me, porém, cidadão do mundo, o que de fato sou, habitante de um planeta pequeno e de ínfima importância na ordem universal. Morris West colocou as seguintes e lúcidas palavras na boca de um personagem do seu romance “A Torre de Babel”: “Somos forçados, mesmo contra vontade, a cooperar na sanidade mútua. Por que não levamos esta cooperação mais longe? Por que o nós e o eles continuam a acreditar que outras coisas intangíveis são necessárias para nossa identidade: soberania, posse deste ou daquele santuário, ocupação de uns metros de terra estéril, tradições religiosas ou étnicas...Somos ainda crianças brigando por uma maçã, chorando uns e outros, enquanto a maçã apodrece no pé”.
Por que não cooperamos mais, uns com os outros, se esse é o único caminho da eficiência dos nossos atos? Por que agimos como os burrinhos que buscam chegar ao mesmo tempo ao respectivo monte de feno por conta própria, apesar da corda que os prende ao poste não permitir isso? Por que sermos a célula louca e descontrolada, que tenta devorar as vizinhas e parceiras, numa atitude doentia e suicida? Sim, por que?

Monday, September 22, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A literatura tem alguma importância prática em nossa vida, ou não passa de mero passatempo (posto que muito agradável), uma espécie de refinado lazer? Sou suspeito (suspeitíssimo) para opinar, posto que vivo dela. É o meio pelo qual obtenho meu sustento. Entendo, todavia, que a literatura é muito importante para a “fermentação” de idéias, para o estudo do comportamento das pessoas e para nos indicar, sobretudo, o que não devemos fazer, caso tenhamos intenção de obter sucesso em nossas atividades e na convivência do dia a dia. Contudo, ela tem lá sua importância, mesmo que relativa. Nem é inútil, como acusam os que não sabem ou não gostam de ler, e nem essencial à vida, como pretendem os que a produzem. O ensaísta escocês, Thomas Carlyle, adverte a propósito: “A literatura é o vinho da vida, mas não pode ser o seu alimento”. A bebida, se tomada com moderação, nos dá prazer. Mas se ingerida em excesso... embriaga e não alimenta.

O maior desastrado


Pedro J. Bondaczuk

O sujeito desastrado, aquele que invariavelmente tropeça onde e quando não deveria tropeçar, que mostra extrema inabilidade nas tarefas e relacionamentos mais triviais e que faz tudo errado, quando as circunstâncias lhe são benignas e favoráveis, faz a delícia dos que vivem de fazer humor. Hollywood sempre explorou com competência o tipo, para fazer multidões rirem (mais do que isso, chorarem de tanto gargalhar) com personagens trapalhões, como o imortal Carlitos de Charles Chaplin, o Gordo e o Magro, os Três Patetas, Cantiflas, Edie Murphy e tantos e tantos outros, que ao longo dos anos foram um santo remédio para desopilar nosso fígado.
Na literatura, o tipo também (como não poderia deixar de ser) é bastante explorado. Na televisão, nem é preciso lembrar. Todos os programas humorísticos têm lá o seu trapalhão, com ou sem bordões característicos, a garantirem o Ibope das emissoras. Todos nós, porém, em maior ou menor medida, somos, em determinadas circunstâncias, incorrigíveis desastrados. Nem sempre nossas trapalhadas são motivos de riso para os outros e, pior, para nós mesmos. Às vezes, são para se lamentar e se chorar. Marcam nossas vidas e, não raro, as arruínam.
No mundo, convenhamos, não faltam pessoas desastradas, que fazem tudo errado e depois se queixam das conseqüências, que quase sempre são óbvias e, portanto, evitáveis. Há, por exemplo, os que envenenam os relacionamentos afetivos com prepotência, egoísmo e ciúme e depois acham estranho o fato de acabarem sozinhos.
Há, também, os que se mostram irresponsáveis na execução de suas tarefas e se lamentam quando são demitidos. Mas o maior desastrado de todos é o sujeito com reconhecido potencial para ser bem-sucedido nas artes, nos esportes, em alguma profissão etc., mas desperdiça seu talento ao fazer escolhas equivocadas.
A maior insensatez é a da pessoa com obsessão pelo dinheiro. É a de quem concentra toda a atenção e esforços somente nisso, a pretexto de “ganhar a vida”. Todavia, agindo assim, na verdade a desperdiça, deixando de usufruir bons momentos que surgem em seu caminho e que dificilmente voltam depois de haverem passado.
O que devemos é nutrir um ideal elevado e sair na sua conquista, empenhando, nisso, o que tivermos de melhor. Escreva um poema ou um romance; componha uma sinfonia; pinte uma tela com competência; esculpa uma escultura perfeita; construa uma casa ou uma ponte; descubra a cura de uma doença ou faça outra coisa bela ou útil qualquer, mas sem se preocupar com o que ou o quanto isso irá lhe render.
Se o que você fizer de fato tiver valor, fatalmente você será recompensado por isso. E se não for? A satisfação íntima da realização de uma obra-prima será uma compensação mais do que valiosa, pois é algo que não tem preço. Não seja, pois, o desastrado dos desastrados. Não faça como aquela mãe que jogou o bebê junto com a água do banho. Nunca jogue a vida fora!
Um dos princípios fundamentais do budismo diz que para evitarmos sofrimentos – causados, sobretudo, pela frustração – temos que eliminar os desejos. Se não todos, pelo menos a maior parte deles precisa ser eliminada. Quanto mais os eliminarmos, maiores serão as possibilidades de nos sentirmos felizes. Impossível? Não! Mas é extremamente difícil.
Somos (salvo raríssimas exceções) desastrados nesse aspecto. Desejamos tanto o que pode ser alcançado, quanto (e principalmente) o que está absolutamente fora do nosso alcance. E este último tipo de desejo é que se torna a grande armadilha, que nos impede de encontrar (e de trilhar) o caminho da felicidade.
Quantas vezes somos sumamente felizes e sequer percebemos! Se mantivéssemos essa situação ideal, se a usufruíssemos em sua plenitude e se não desejássemos nada, além dela, nossa vida transcorreria no que os poetas chamam de “mar de rosas”. Não é isso, porém, o que fazemos.
Queremos mais, mais e mais, sempre mais, e nem tudo o que desejamos (diria a maioria) nos é conveniente, útil, saudável, benigno ou, sobretudo, factível. Em três tempos, a frustração, o ressentimento, a sensação de fracasso e a mágoa toldam-nos o céu que, nublado, não nos permite vislumbrar o resplendor das estrelas. E, num piscar de olhos, deixamos que fuja de nossas mãos o pássaro esquivo da felicidade.
O poeta Vicente de Carvalho disse isso com elegância, classe e beleza. Escreveu, no terceto com que encerrou seu célebre soneto “Velho tema – I”: “Essa felicidade que supomos/árvore milagrosa que sonhamos/toda arreada de dourados pomos,//existe, sim; mas nós não a alcançamos/porque está sempre apenas onde a pomos/e nunca a pomos onde nós estamos”. E não é verdade? Somos ou não somos, pois, incorrigíveis trapalhões, imensos desastrados?!

Sunday, September 21, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Há pessoas com imensa cultura, ecléticas – que sabem um pouco de tudo, de ciência, filosofia, literatura, música etc. – mas que ocupam posição na sociedade que não condiz com a vastidão dos seus conhecimentos. Por que? Falta-lhes um ingrediente essencial para o sucesso: a iniciativa. Não usam o que sabem em sentido prático, para erigir alguma obra durável (material ou intelectual). Limitam-se a ostentar a vasta cultura que têm em conversas informais, humilhando, embora sem essa intenção, os que não contam com esse acervo de conhecimentos. Aquilo que aprendermos somente terá valor se for usado (e bem-utilizado) em sentido prático. Afinal, cultura não é nenhum adorno para ser exibida por aí. O escritor português, Inácio Dantas, observa a respeito: “Ter grande conhecimento e não o usar é como ter uma grande biblioteca e não abrir um único livro”. Ou, pior, é ter esse enorme acervo e ser analfabeto (mesmo que não literal, mas espiritual).

DIRETO DO ARQUIVO


As piores aflições do povo equatoriano


Pedro J. Bondaczuk


O Equador atravessa um período dificílimo de sua história, certamente o mais árduo desde quando, em 10 de agosto de 1830, separou-se da Confederação da Grã-Colômbia (composta ainda pela Colômbia, Venezuela e Panamá, em 1822, sob as liderança do “Libertador das Américas”, Simon Bolívar) e passou a caminhar com as próprias pernas.

Uma sucessão de abalos sísmicos, que começou na madrugada de 6 de março passado, arrasou, em questão de horas, províncias inteiras, destruindo casas, rodovias, pontes e danificando seriamente o oleoduto transequatoriano. Em conseqüência deste último problema, o país vê-se forçado a suspender suas exportações de petróleo, a maior fonte de divisas de que dispunha.

Se até agora a situação social dessa República sul-americana podia ser classificada de “tensa”, doravante tende a acentuar-se bastante e tornar-se “tenebrosa”. Recorde-se que, recentemente, os equatorianos viram suas frágeis instituições democráticas passarem por grave risco, quando um comando de pára-quedistas chegou a seqüestrar o próprio presidente Leon Febres Cordero, numa abortada tentativa de golpe.

O ato somente não se concretizou graças à serenidade e ao patriotismo de sua atual cúpula militar, que não só agiu com exemplar ponderação para conseguir a libertação incólume do governante, como ainda levou às barras da Justiça aqueles que procederam tão mal.

O país, que nunca foi um mar de tranqüilidade, já havia sido colhido antes, em cheio, pela crise que atingiu a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em outubro de 1985, quando a Arábia Saudita resolveu deflagrar uma desastrosa guerra de preços contra os produtores não ligados ao cartel, em especial os do Mar do Norte, ou seja, Grã-Bretanha e Noruega, através da prática do “dumping”.

Derrubou as cotações do produto, de um patamar de US$ 28 o barril, para cerca de US$ 21, fiando-se na vantagem que teria nos custos de extração. No entanto, não avaliou corretamente a situação do mercado naquele momento. Havia excesso de oferta do produto na ocasião e os principais consumidores estavam com seus estoques abarrotadíssimos.

Dessa redução proposital dos preços, no entanto, a Opep subitamente passou para uma outra fase, a da sua queda acentuada ditada por essa “inundação” de petróleo que havia no mundo. Eles foram despencando, despencando, até atingirem um perigoso patamar de US$ 6.

As economias mais sólidas, ou as que tinham como lastro outros produtos de exportação para garantir divisas, até que conseguiram resistir ao desastre. Mas este, em absoluto, não foi o caso equatoriano. O país acabou se endividando ainda mais do que já estava junto ao sistema financeiro internacional, para continuar cumprindo seus compromissos.

Hoje, o seu endividamento ultrapassa os US$ 8 bilhões. Como o Equador tem 8 milhões de habitantes, equivale a dizer que cada cidadão local, seja qual for a sua idade, condição social ou sua renda, deve, para banqueiros do Exterior, a “bagatela”de US$ 1 mil. Ou seja, praticamente a totalidade da sua renda per capita anual.

O pior de tudo é que as autoridades parecem perdidas após a ocorrência da série de abalos sísmicos. Não se tem sequer uma cifra oficial de mortos e feridos, o que equivale a dizer que muita gente, passados oito dias da tragédia, ainda não recebeu o mínimo socorro.

Muitos podem estar bastante machucados, agonizando e condenados à morte à míngua. Tudo o que se refira a esse desastre natural vem sendo tratado na base do “chutômetro” pelo governo. Parece que as autoridades se preocuparam apenas com as perdas materiais sofridas, com a avaria do maior oleoduto do país, e se esqueceram, do verdadeiro patrimônio nacional: a sua gente.

Pode parecer uma crueldade tecer críticas aos governantes após uma catástrofe do porte da vivida pelo Equador. Mas mais cruel ainda é dar tão pouco valor à vida de pessoas humildes e sem condições de se refazer economicamente.

Porque dificilmente os mais abastados foram atingidos pelos sismos. Eles têm casas sólidas, capazes de resistir à fúria da natureza. Dispõem de recursos próprios para buscar socorro médico em caso de terem sido afetados.

E os pobres camponeses de Napo? E a gente simples, que mal possui uma muda de roupa para vestir e uma pequena gleba párea cultivar? Como fica esse pessoal? É indispensável, pois, que sociedades mais avançadas se movimentem para prestar socorro a essa parcela imensa da população equatoriana. Afinal, são seres humanos que estão sofrendo as conseqüências de algo que ninguém consegue sequer prever, quanto mais evitar.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 13 de março de 1987).

Saturday, September 20, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Se tivermos a mente aberta para o mundo, desenvolvermos o talento da empatia, soubermos conservar o bom-humor até nas circunstâncias mais tensas do dia a dia, guardarmos para nós o senso crítico e formos sinceros e compreensivos nos relacionamentos, seremos amados pela multidão, mesmo que não seja esse nosso objetivo. Todos gostam de ter, ao seu redor, pessoas com essa postura, mesmo os solitários, amargos, pessimistas e os que apostam todas suas fichas na desgraça e na infelicidade (há muitos que agem dessa maneira). Charles Baudelaire, escreveu o seguinte, no texto intitulado “As multidões”: “Aquele que desposa facilmente a multidão conhece gozos febris, de que estarão eternamente privados o egoísta, fechado como um cofre, e o preguiçoso, encaramujado feito um molusco. Ele adota como suas todas as profissões, todas as alegrias e todas as misérias que as circunstâncias lhe deparam”. Que tal sermos assim?!

Irrestrito amor


Pedro J. Bondaczuk

Sinto, outra vez, familiar ansiedade.
Vivo, de novo, em compasso de espera.
O corpo pede, implora saciedade:
sou animal... e já é primavera!

,
Cheiros, olhares e toques sutis.
Suaves murmúrios, palavras sem nexo.
Caos de emoções e sentimentos gris.
Incontida atração, apelo ao sexo.

Percorro intrincados labirintos.
Detenho-me na saída, afinal,
pois sou feixe de irracionais instintos
e é primavera... sou animal!

Seu corpo, seu cheiro, tudo me atrai.
É tensão que antecede tempestade.
O sangue ferve... sou parte que vai
em busca da sua plena unidade.

Vem, amada, e acolhe este afeto.
Só você me satisfaz e me acalma.
Só em você me realizo e me completo:
amo-a de coração, corpo e alma!

Amada, deixe que os dedos percorram
seu corpo perfeito e escultural.
Desejos se acumulam, amontoam
pois... é primavera... sou animal!

Beije minha boca, ávida, faminta,
Deixe-me vê-la inteiramente nua.
Sinta minha ânsia, meu desejo sinta,
meu corpo é seu... e a minha alma é sua.

Amemo-nos sem pejo e sem temor,
anjos acima do bem e do mal.
Rendamo-nos ao irrestrito amor
pois... é primavera... sou animal!


(Poema composto em Campinas, em 21 de setembro de 1965).


Friday, September 19, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A ciência prova a total impossibilidade de haver no mundo duas pessoas absolutamente iguais. Mesmo que alguém fosse clonado, o clone teria personalidade original e única. Fisicamente, há gêmeos univitelinos extremamente parecidos. Isso, no aspecto externo. Interiormente, sempre apresentarão diferenças, quer na estrutura dos órgãos, quer no metabolismo, quer na sua vulnerabilidade. Quanto ao raciocínio e personalidade, as diferenças serão bem mais acentuadas, pois estes dependem não da morfologia, mas do que a pessoa vê, ouve e sente, do tipo de educação que recebe etc. ao longo da vida. Semelhança, portanto, é muitíssimo distinta de igualdade. Suponhamos, porém, que no mundo houvesse um nosso duplo, rigorosamente igual. Friedrich Durrenmat fez essa suposição, ao afirmar: “Qualquer um de nós pode ser o homem que encontra seu duplo”. Pode? Não! Felizmente isso só funciona no terreno da literatura.

Identidade eterna


Pedro J. Bondaczuk

A melhor maneira de nos livrarmos de mágoas e dores emocionais é fazermos delas temas para uma obra de arte: um poema, uma canção, uma crônica, ou seja lá o que for. Além de acalmar as emoções, se o que fizermos tiver valor artístico, pode, de quebra, ainda render algum dinheirinho, o que não é nada mau, concordam? E em casos extremos, nos assegurar uma espécie de “eternidade” do nome, com nossas obras sendo procuradas e apreciadas por gerações e gerações, séculos após a nossa morte.
É aquela história que o povão, em sua instintiva sabedoria, tanto conhece: “se lhe atirarem um limão azedo... faça com ele deliciosa limonada”. As mais sensíveis composições do cancioneiro popular em todo o mundo, por exemplo, nasceram de amores fracassados, de ciúmes avassaladores e da chamada “dor de cotovelo”.
Só os masoquistas gostam de ficar remoendo o que os faz sofrer, sem que tenham uma só válvula de escape para esse acúmulo de pressão emocional. Vocês já notaram, por exemplo, o quanto alivia o fato de desabafarmos com alguém quando nos sentimos arrasados com a perda de um amor, ou com a traição de um amigo ou com qualquer outra decepção sentimental?
Esses desabafos, porém, também podem ser feitos com arte que, além de não amolarem ninguém, tendem a encantar quem tiver contato com as obras que forem produzidas nestas circunstâncias (se forem boas, claro).
Os melhores poemas de amor, por exemplo, foram escritos quando o poeta se sentia amargurado e triste com o abandono da amada. São desse tipo estes versos de encerramento do poema “Canção”, do poeta paulista, de Caçapava, Ubiratan Rosa: “Não, não; não quero chorar,/vou compor uma canção.../Canta sempre, eternamente,/canta tolo coração...//Canta a dor que te dói tanto,/canta a dor que te consome./e ao cantares do teu canto,/coração, sossega e dorme...”
As pessoas que sabem vislumbrar beleza até onde esta, objetivamente, não exista (ou pareça não existir) são rotuladas, pelos pessimistas e renitentes derrotistas e pelos onipresentes “idiotas da objetividade”, de “utópicas”. Confesso que comungo dessa utopia. Procuro sempre ver o lado positivo, nobre e belo da vida, sem, contudo, ignorar ou negar a existência do oposto (e nem poderia). Não ignoro, todavia, não para me “escandalizar”, mas objetivando modificar para melhor o que é negativo e ruim.
O antônimo da utopia é chamado de “distopia”. É o comportamento de muitos (talvez, infelizmente, da maioria) que só enxergam o lado perverso, horrendo, espantoso e feio da vida. São, no meu entender, mais alienados do que os que vêem apenas o aspecto positivo, belo e nobre de tudo. E, na sua alienação, são infelizes, mesmo que tenham a seu favor tudo o que alguém necessite para alcançar felicidade.
Não a alcançam, por não estarem predispostas a ela. Apostam no negativo e este se impõe e se manifesta, com todo o vigor e perversidade, em suas vidas amargas e cinzentas. O poeta Murilo Mendes fez uma brincadeira, no poema “O utopista”, e caracterizou o distópico, como sendo utópico.
Escreveu: “Ele acredita que o chão é duro./Que todos os homens estão presos./Que há limites para a poesia./Que não há sorrisos nas crianças/nem amor nas mulheres./Que só de pão vive o homem./Que não há um outro mundo”.
Quem nutre estas crenças e se comporta dessa maneira, reitero, jamais conseguirá ser feliz. Mesmo que o chão não seja macio, que nenhum homem seja livre, que a poesia seja limitada, que as crianças sejam sisudas, que as mulheres não saibam amar, que o homem viva somente em função da comida e que, com a morte, tudo termine, não há mal algum em pensar no oposto, se isso trouxer alegria e motivação para viver. Como são dignos de pena os “distópicos”, imersos em seu mundo árido e pedregoso, de trevas e de feiúra!
Os grandes artistas tendem a exercer influência decisiva (para o bem ou para o mal) na formação da nossa personalidade e caráter, permitindo-nos conhecer situações, comportamentos e circunstâncias os mais diversos e extremos, sem que precisemos passar por essas experiências pessoalmente. E quando algo análogo ao que tratam nos ocorre, contamos com caminhos e alternativas já conhecidos para sairmos de enrascadas ou para usufruirmos plenamente os episódios benignos e favoráveis que surgirem.
Os grandes artistas estabelecem, sobretudo, sua identidade, que refletem nos personagens que criam. Generosos, nos ofertam a possibilidade de libertação do espaço, do tempo e até da morte que, se não a evitam (e não nos ensinam a evitar, pois é inevitável) sugerem como aceitá-la serenamente, como realidade impossível de ser mudada.
André Malraux escreveu a respeito: “O grande artista (...) estabelece a identidade eterna consigo mesmo. Pela maneira segundo a qual nos mostra tal ato de Orestes ou Édipo, do príncipe Hamlet ou dos irmãos Karamazov, ele nos torna próximos a esses destinos tão afastados de nós no espaço e no tempo; torna-os fraternos e reveladores para nós. Assim, alguns homens têm o grande privilégio, essa parte divina, de encontrar no fundo deles mesmos, para nos oferecerem, aquilo que nos liberta do espaço, do tempo e da morte”.
O artista que consegue atrair nossa atenção, nos convencer, motivar e, sobretudo, emocionar, conquista nossa irrestrita simpatia e até cumplicidade, mesmo que jamais venhamos a conhecê-lo pessoalmente, ou por viver em outros países (onde jamais pisaremos), ou por serem inacessíveis por tantos outros motivos, ou por terem vivido em outros tempos, muito antes de nascermos. O que não consegue... Tem que se conformar com o ostracismo e a obscuridade.

Thursday, September 18, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A lisonja, que é doce (ao contrário da verdade, que via de regra é amarga), nos é bastante atrativa, mesmo que proceda de uma grande mentira. Estimula nossa vaidade, incensa nosso amor próprio e “massageia” nosso ego. O resultado final, claro, é sempre um só: decepção. Quando, enfim, nos damos conta (se o dermos), da verdade, esta fica muito mais amarga do que já é, via de regra. Manda a sabedoria que fujamos da mentira lisonjeira, por mais atrativa e saborosa que nos pareça. Encaremos as verdades, com todo seu amargor, pois elas tendem a nos alertar, instruir, guiar e conduzir às proximidades da perfeição. O enciclopedista francês Denis Diderot escreveu a propósito (citado no livro “Silêncio e Ruído – A Sátira em Denis Diderot”, do filósofo Roberto Romano): “Engolimos a grandes goles a mentira que nos lisonjeia, e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga”. Recusemos a primeira e nos fartemos da segunda.

Arte e competição


Pedro J. Bondaczuk

O bem e o mal duelam no fundo da nossa mente (quer no plano consciente, quer no sub e no inconsciente), desde o momento em que tomamos consciência de nós mesmos e do mundo que nos cerca, até o instante da absoluta inconsciência, que é a morte. Nem sempre, contudo, um e outro se manifestam em atos. Mas estão lá, adormecidos, esperando apenas uma oportunidade para se manifestar. E ambos, conforme as circunstâncias e ocasiões, manifestam-se de fato, quando menos esperamos.
Todas as nossas atividades intelectuais, ou seja, as artes, a filosofia e a religião, são diretamente determinadas por essa incessante competição. O escritor John Steinbeck, no livro “A Leste do Éden”, levanta uma pitoresca questão a propósito, na qual eu não havia cogitado. Sugere que, intrinsecamente, somos, até por instinto, bons e virtuosos.
O mal, por seu turno, na visão do romancista, precisa, a todo o momento, ser ressuscitado, quando não reinventado. Cita, como argumento, novos vícios que surgem de quando em quando. Por exemplo, o tabagismo era desconhecido do Ocidente até o século XVI, embora atualmente faça tantas vítimas mundo afora com seus malefícios.
Já a virtude é, rigorosamente, a mesma desde que o homem aprendeu a pensar e a se relacionar com o próximo. Nada de novo surgiu, nos últimos milênios, no que se refere à moral e aos bons costumes.
Será que o homem, algum dia, conseguirá extirpar o mal da sua mente e, por conseqüência, do mundo? Provavelmente, sou irrecuperável ingênuo. Mas acredito, sem nenhuma sombra de dúvida, que sim. Somente se (ou quando) conseguir sucesso nesse empreendimento, o dito “Homo Sapiens“ fará jus a essa designação e poderá se considerar regenerado e detentor da verdadeira sabedoria. Enquanto isso...
A vida da grande maioria das pessoas – tanto das que vivem hoje, quanto dos bilhões que já viveram desde o surgimento do homem – é, convenhamos, rotineira e vazia, por causa da personalidade, educação, oportunidades (no caso, falta delas) e, principalmente, circunstâncias de cada uma.
Os valores e objetivos, geralmente, são ilusórios e pequenos, mesmo dos que são tidos e havidos como “vencedores”. Dois terços da humanidade, infelizmente, vivem na miséria e têm diante dos olhos cenários cinzentos, paupérrimos, feios, horrorosos, horrendos, para que o um terço restante se regale e viva com conforto e até desregramento. O consumismo desenfreado e inconsciente é o “bezerro de ouro” do nosso tempo, em que o “mercado” foi alçado à condição de divindade.
Todavia, nem por isso as pessoas punidas pelas circunstâncias precisam abrir mão da beleza. Afinal, o mais puro e encantador lírio brota, também, nos mais infectos pântanos. Mesmo uma vida “perdida”, pelos critérios atuais de sucesso, não precisa, necessariamente, ser feia e desoladora. Pode ser vazia, difícil e sofrida, mas, ainda assim, bela. Não é paradoxal? É! Mas ainda assim, possível!
Para isso, é necessário, no entanto, que essas pessoas cultivem, desde tenra infância, até por instinto, o senso estético. Se puderem criar obras belas e harmoniosas, que encantem a vista e alegrem o coração, tanto melhor. Caso contrário, apenas a capacidade de identificá-las (e valorizá-las) e usufruí-las já transforma (para melhor) a vida de qualquer um, por maiores que sejam sua carência e seu desamparo.
Curiosamente, nos lugares mais sombrios e desoladores, emergem, com freqüência, refinados artistas, que captam beleza até no próprio ar e a transmitem por palavras, cores e sons. Um dos versos do poema “Retrato”, de Cecília Meirelles, diz a propósito: “Meus pés vão pisando a terra/que é a imagem da minha vida:/tão vazia, mas tão bela,/tão certa, mas tão perdida!”
Algumas raras vezes uma obra de arte que produzimos supera, em grandeza e transcendência, em muito aquilo que nós somos. Adquire um toque de magia, de perpetuidade, de eternidade até, enquanto nós não passamos de frágeis animais, efêmeros, ignorantes, sumamente imperfeitos e, sobretudo, transitórios.
Convém que, nessas ocasiões, revisemos o que fizermos para lhe dar indispensável toque de humanidade. Caso contrário, nossa obra-prima, exatamente por sua perfeição formal, não encontrará acolhida por parte das outras pessoas, que não se identificarão com ela. Faltar-lhe-á verossimilhança.
Qualquer tipo de renúncia é doloroso, não há como negar. Ainda mais dessa natureza, que afeta, diretamente, nosso ego. Mas não raro, esta se faz não somente necessária, como indispensável. E este é um desses casos. É disso que tratam estes versos com que o poeta piracicabano, Pedro Morato Krahenbuhl, abre o poema “Voto”: “Corrompe-te um vício de humanidade.//Se teu verso repousar na pedra,/na cúpula do tempo ressoar,/gradua-lhe o tom de eternidade,/em poeira e renúncia”.
Confio no poder da auto-sugestão. Já vi pessoas fazerem maravilhas ao se convencerem que poderiam obter sucesso em suas atividades, quando todos os prognósticos lhes eram contrários. Nas recentes Olimpíadas de Pequim, vários atletas se superaram, e venceram os favoritos, estabelecendo recordes olímpicos e mundiais de suas modalidades, porque, além do devido preparo (indispensável, claro, para quem queira vencer em qualquer coisa), se convenceram de que poderiam surpreender a todos. E surpreenderam.
Este é o caminho que vejo para sufocarmos o mal latente que subjaz em nossos inconsciente e subconsciente e permitirmos que o bem – representado, principalmente, pela “trinca” Bondade, Altruísmo e Solidariedade – reine soberano em nossas mentes, corações e vidas. E, por conseqüência, no mundo...

Wednesday, September 17, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Há pessoas que não buscam, como qualquer indivíduo normal, o mero reconhecimento pelo que fazem, pensam ou são. Extrapolam e são obcecadas por glória. Sonham em ser aclamadas por multidões. Fazem qualquer coisa por esse objetivo. Algumas de suas atitudes descambam para o ridículo. O que lhes importa é serem louvadas, por um número máximo de pessoas, por todos os meios imagináveis: na imprensa, em praça pública, por onde transitam etc.etc.etc. Conheço inúmeros indivíduos com essa obsessão. E todos, invariavelmente, terminam a vida frustrados. Elias Canetti escreveu o seguinte sobre esse tipo de gente: “A massa do maníaco da glória é formada por sombras, ou seja, por criaturas que não têm outra razão de viver senão a de pronunciar um nome muito determinado (...) O rico coleciona montes e rebanhos (...) O detentor do poder coleciona homens (...) O famoso coleciona coros. Destes, quer escutar apenas o seu nome”.

Dependência do trivial


Pedro J. Bondaczuk

As decisões mais importantes que afetam a nossa vida e determinam, até, nossa sobrevivência ou extinção, são tomadas por outros, à nossa revelia, e nunca por nós mesmos. Nossa prosperidade ou ruína; alegria ou tristeza; saúde ou doença; vida ou morte, estão em mãos alheias e nada, ou muito pouco, podemos fazer para nos prevenir dos tão freqüentes e contumazes erros de quem decide. Ou, pior, do aspecto aleatório dos fatos.
Leis iníquas, por exemplo, em cuja elaboração não temos a mínima participação, modificam, não raro para muito pior, os nossos destinos. Uma decisão tomada por um ser humano rigorosamente igual a nós, mas que detém as rédeas do poder, em suntuosos gabinetes, com ar-condicionado e todos os luxos que sua posição lhe confere, pode determinar a ascensão ou extinção do país em que vivemos, a vida ou a morte dos nossos parentes (pais, filhos, esposa, netos), amigos e conhecidos, em guerras com as quais não temos nada a ver, que não concordamos que sejam travadas, mas que não temos a menor condição de evitar e que teremos de lutar ou arcar com as conseqüências.
Dependemos, pois, da sanidade ou insanidade, do bom-senso ou da loucura, da competência ou incompetência dos que nos governam. E, pior, dos caprichos da natureza. Morris West ilustra muito bem essa situação, no romance “O Embaixador”, com estas palavras postas na boca de um dos seus personagens: ““Coquetéis, conferências, entrevistas e resmas e mais resmas de papel! Uma das ironias da diplomacia está em que a ascensão e queda das nações, a vida e a morte de milhares de pessoas, dependam de coisas tão sem importância”.
E isso ocorre tanto nas chamadas “democracias”, quanto, e principalmente, nas mais ferozes, brutais e sanguinárias ditaduras. Se não podemos nos defender dos erros e bobagens dos que nos governam, que em geral encaram a função com empáfia e estúpida vaidade e não se dão conta da responsabilidade que têm, menos possibilidade de reação ainda temos em relação às catástrofes ditadas pela natureza, que são aleatórias e até triviais. A rigor, não temos nenhuma.
Acabei de reler a matéria “O deserto vai virar mar”, de Luciana Sgarbi, publicada na seção Meio Ambiente da edição nº 2014 (de 11 de junho de 2008) da revista “IstoÉ”, e um trecho chamou-me, em especial, a atenção. É o que se refere ao tsunami ocorrido na Ásia, em 26 de dezembro de 2004, que causou a morte de mais de meio milhão de pessoas.
O cataclismo foi tão severo, que tirou a Terra seis centímetros do seu eixo. “É muito pouco”, dirão alguns, “para gerar qualquer efeito sensível no Planeta”. Será?! Minha intuição diz que não. Claro, as mudanças – ainda não dá para arriscar afirmação se para melhor ou pior – serão sentidas em anos, quiçá décadas. Mas que ocorrerão, disso não tenho a menor dúvida.
“Uma catástrofe, como esta, é trivial?”, perguntarão alguns, já sugerindo a resposta negativa, pelo tom da indagação. Respondo: é! Afinal, este foi o primeiro tsunami da história do Planeta? Claro que não! Foi o último? Duvido! A Terra comporta-se como um organismo vivo (e desconfio que o seja). A qualquer momento, uma erupção vulcânica catastrófica, como a que arrasou a Ilha de Krakatoa, em 24 de agosto de 1883, ou até pior, pode ocorrer. Ou uma sucessão de vulcões pode entrar, simultaneamente, em atividade, notadamente no chamado “cinturão do fogo”, e determinar, até mesmo, a extinção da vida por aqui. Isso é trivial? Claro que é! Acontece há milhões, quiçá há bilhões de anos.
É verdade que uma catástrofe, como o tsunami da Ásia, pode provocar alterações benéficas na Terra. Por que não? Para a surpresa de todos os cientistas, por exemplo, os geólogos constataram que o Saara não só deteve o seu avanço por terras férteis que o cercam, como experimenta um fenômeno incrível, que é o da crescente fertilização. A continuar nesse ritmo, até o final deste século, deixará de ser um dos mais inóspitos e maiores desertos do Planeta, para se transformar em uma região rica em água e, por conseqüência, com exuberante flora e variada fauna.
Luciana cita, em sua matéria na revista “IstoÉ” a seguinte declaração do cientista Stefan Kropelin, do Instituto de Arqueologia Pré-Histórica da Universidade de Colônia, na Alemanha, autor da pesquisa que mostra o “renascimento” do Saara: “Já é possível perceber mudanças na vegetação”. Satélites, inclusive, registraram o fenômeno no nascedouro e sua evolução.
Somos, portanto, muito menos livres do que geralmente supomos. Estamos, constantemente, na dependência de decisões alheias e, notadamente, dos caprichos da natureza que tendem a nos deixar a mercê de acasos e circunstâncias. Concluo, da minha parte, que o tão apregoado “livre-arbítrio”, de que seríamos dotados, não passa de mero desejo, de simples ideal, quando não de peça de ficção.

Tuesday, September 16, 2008

REFLEXÃO DO DIA


O computador racionaliza e dá precisão a inúmeras tarefas do dia a dia. Sabendo utilizá-lo, ganhamos conhecimento, tempo e dinheiro. Mas há os que transformam as melhores invenções num mal. Usam essa máquina para fins nada louváveis, inclusive para crimes. Melvin Konner faz esta observação pertinente: “As mais acalentadoras diferenças entre os seres humanos e os animais (...) têm sido eliminadas: amor maternal, altruísmo, cooperação e sacrifício são vistos agora como meras adaptações – estratégias geneticamente programadas para a sobrevivência (...). Tudo que nos restou (...) é o pensamento racional. Somos animais, sim, mas animais pensantes e nenhuma outra configuração de matéria na Terra pode rivalizar conosco neste domínio. Agora, até mesmo o pensamento racional está sendo apoderado – inteiramente – pelos computadores”. O mal, porém, não está na máquina. Está em quem a utiliza.

Parâmetros de beleza


Pedro J. Bondaczuk

O que é belo? O que é feio? Existe um padrão universal de beleza, um parâmetro infalível e consensual, que a defina, sem sombra de dúvidas? Não! Trata-se de um conceito sumamente subjetivo e vago, que não comporta definições. O povo, em sua sabedoria, cunhou até um chavão a respeito: “quem ama o feio, bonito lhe parece”.
Nem sempre formas perfeitas são o parâmetro único de beleza (embora seja um deles). No caso de pessoas, por exemplo, há muitas mulheres belíssimas exteriormente, mas que, na comparação com outras sem a mesma perfeição formal, perdem para elas por causa, digamos, de um sorriso bonito, de um olhar expressivo, de lábios bem-desenhados, de gestos graciosos ou por outros detalhes até mais sutis, porém perceptíveis instintivamente, da rival menos perfeita.
Suponhamos que haja vida inteligente em outros planetas e que os extraterrestres, um dia, nos visitem (ou sejam visitados por nós). Dificilmente, esses seres serão sequer parecidos conosco. Podem ter mais braços e pernas do que nós, seus sentidos podem não ser apenas os cinco dos humanos (ou, quem sabe, sejam menos) e a cor da sua pele talvez seja de uma tonalidade muito diferente da que estamos acostumados e que, por isso, consideramos “bela”.
Caso isso ocorra, para os nossos padrões de beleza, esses ETs nos parecerão, com certeza, horrendos, esquisitos, monstruosos. Mas como nós seriamos avaliados por eles? Provavelmente, da mesma forma como os avaliarmos. A mulher mais bonita da Terra, perfeitíssima em todas as formas, absolutamente proporcional em todas as medidas, pareceria, aos extraterrestres, igualmente uma criatura horrenda, caricata e monstruosa.
Deixando de lado essas abstrações – que provavelmente não passam de pura fantasia – (pois se existir vida em outros planetas, as distâncias que nos separam são de tal sorte, que podemos afirmar, com quase cem por cento de certeza, que jamais ocorrerá esse encontro), é fácil de concluir que o gosto estético é subjetivo. Varia de pessoa para pessoa e através do tempo.
Muitas coisas (e pessoas) que nossos antepassados consideravam belas hoje já não são consideradas dessa forma e vice-versa. O filósofo inglês do século XVIII, Edmund Burke, escreveu um livro precioso a respeito, intitulado “Uma investigação filosófica sobre a origem das nossas idéias do sublime e do belo” (Papirus Editora).
A propósito de outros aspectos da beleza, que não exclusivamente a forma, escreveu: “Para compor uma beleza humana perfeita e realçar seu efeito, o rosto deve refletir uma benevolência e uma afabilidade que se harmonizem com a delicadeza, a suavidade e a fragilidade da forma exterior”.
O belo, portanto, para ser consensual, deve aliar, à perfeição das formas (quando possível), o que chamo de “graça”. Isso é válido tanto para pessoas, quanto para coisas, paisagens e até sons. O que para uns não passa, por exemplo, de uma algaravia sem sentido de ruídos desconexos e até ensurdecedores, para outros pode ser percebida como a música dos anjos, como o que há de mais harmonioso e inspirador no universo.
E como definir o conceito de graça? Talvez como sutileza, irradiação, charme, simpatia ou “it”, como se dizia antigamente. Em suma, escrevi, escrevi e escrevi e não cheguei a nenhuma conclusão definitiva sobre o que é belo e o que é feio. Contudo, por intuição, certamente, o leitor inteligente já terá estabelecido, há muito, seu parâmetro pessoal para esses conceitos.
O escritor italiano Paolo Mantegazza escreveu o seguinte a respeito: “A graça é o esplendor da beleza, é a beleza em movimento e moça, é o sorriso da infância, é a bondade da força, é o perfume do fruto saboroso, é a elegância da palmeira que se curva, ondeando, às carícias do vento; a graça é a poesia da beleza”.
Felicíssima, no meu entender, essa definição! Por verdadeira é, também, poética e bela. De fato, a graça é o esplendor da beleza, é seu encanto, sua magia, seu complemento e sua poesia. Para mim, é o que basta.

Monday, September 15, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A palavra “atrevimento” (como tantas outras expressões, em qualquer idioma) tem dupla conotação: uma positiva e outra negativa. Geralmente consideramos atrevida a pessoa desconhecida que nos dirige a palavra de forma abrupta, agressiva, senão brutal. Ou a que sem mais e nem menos, ocupa o lugar que era nosso numa fila qualquer. Ou a que dá uma cantada numa mulher bonita que, visivelmente, “não é para o seu bico”. Há, é claro, muitas e muitas outras acepções negativas do termo. Mas o atrevido, também, é o indivíduo que realiza o que ninguém conseguiu ainda realizar e que tinha toda a aparência de irrealizável. É o que desafia as circunstâncias e faz coisas admiráveis. É o que encara a vida com coragem e ousa ir contra a corrente, impondo, com argumentos, idéias e convicções. Para o escritor Henry Miller, “imaginação é a voz do atrevimento”. Esse é o atrevimento que me fascina e me mobiliza.