Sunday, September 07, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Desequilíbrio na estratégia


Pedro J. Bondaczuk


O presidente egípcio, Hosni Mubarak, passou por cima de suas diferenças com a Síria e pôs fim a um longo distanciamento com esse país, que perdurava desde 1979, ao ir a Damasco, numa histórica visita oficial. Todavia, sua missão foi mais profunda do que possa parecer à primeira vista e, caso seja bem sucedida, tende a alterar dramaticamente o quadro estratégico do Oriente Médio. O sucessor de Anwar El-Sadat está tentando reaproximar dois inimigos quase inconciliáveis, embora ambos pertencentes a uma mesma vertente ideológica, (o Partido Socialista Baath, só que de facções rivais). Hosni, pensando no fortalecimento da comunidade árabe, dividida nos últimos anos por interesses antagônicos, quer reconciliar a Síria com o Iraque. Ou seja, pretende que Hafez Assad e o general Saddam Hussein passem a atuar em conjunto, superando um antagonismo nascido em princípio da década de 70.

E qual a importância disso tudo para o Oriente Médio e para o mundo? Em primeiro lugar, o equilíbrio estratégico da região seria rompido. Israel passaria a sofrer uma ameaça mais direta e iminente, assim como o Irã. Os sírios foram os únicos, na comunidade árabe, a fazerem uma aliança com a República dos aiatolás, inimiga do Iraque, com quem travou uma guerra tida como uma das mais sangrentas, de caráter regional, deste século, repleto de violências.

Não faz muito o truculento presidente iraquiano, livre há quase três anos do conflito do Golfo Pérsico, voltou suas "baterias" contra o Estado judeu. Sem que fosse provocado para isso ou que alguém lhe perguntasse, assegurou que arrasaria metade do território israelense com armas químicas binárias moderníssimas, caso seu país fosse atacado com bombas nucleares. Ademais, veio a público a fantástica história do "supercanhão", cujo alcance atingiria Jerusalém e Teerã.

Como Hussein tem uma "revanche" com Israel, pela destruição do complexo atômico de Osirak, em 1980, por caças desse país, quando tal unidade estava ainda em construção e Bagdá estava às voltas com as forças fanáticas de Khomeini, uma reconciliação com a Síria poderia significar "barulho". E dos grandes, se for confirmada a versão de que o Iraque ou já dispõe, ou está prestes a possuir uma arma nuclear. Quanto ao Egito, seu restabelecimento de amizade com Damasco tende a favorecer os palestinos, em especial a OLP de Yasser Arafat, com quem Hafez Assad está rompido desde 1982, apoiando dois grupos que são contrários a esse líder, a Frente Popular para a Libertação da Palestina, do comunista George Habash e a Frente Popular comandada pelo radical Ahmed Jibril. Estas podem ser algumas das conseqüências da visita de Mubarak a Damasco. E são poucas?

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 4 de maio de 1990)

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