Com a paz nas mãos
Pedro J. Bondaczuk
A segunda rodada de conversações entre os guerrilheiros salvadorenhos e o governo do presidente José Napoleón Duarte, ocorrida num asilo da localidade de Ayaguallo, ontem, em El Salvador, mostrou o quanto é penoso o processo de reconciliação nacional. As duas partes estão ainda muito distantes de algo sequer parecido com um acordo e esse encontro pode até ter sido o derradeiro esforço pacificador de ambos os lados.
O principal ponto de discórdia entre rebeldes e governo é a presença norte-americana, através de conselheiros militares, no país. A guerra civil já causou, no mínimo, 50 mil mortes, criou um imenso campo de refugiados em Honduras, com cerca de 100 mil camponeses (que preferem sobreviver precariamente em gigantescas e precárias favelas, a ficarem entre o fogo cruzado do Exército e da guerrilha) e produziu um caos econômico de tal ordem, que por maiores que sejam os auxílios da Casa Branca, El Salvador levará décadas para se recuperar.
Não se pode, todavia, culpar apenas os EUA pelos desacertos institucionais dessa República, bem ao estilo centro-americano. Desde a sua independência, os governos desse Estado carente raramente se preocuparam com tentativas de criação de instituições sólidas. Nunca se empenharam em estabelecer um sistema econômico em que a riqueza nacional fosse compartilhada com razoável justiça e onde todos tivessem oportunidades idênticas de ascensão social.
Os vários presidentes salvadorenhos, muitos dos quais perversos caudilhos, não se empenharam em adotar um legítimo capitalismo, de livre empresa, onde os mais capazes sobressaíssem de maneira natural, sem favorecimentos ilícitos e nem privilégios criminosos. Não criaram um esquema de poder em que o povo fosse o árbitro e os políticos seus servidores. Ao contrário, El Salvador, antes do início da guerra civil, foi transformado em um feudo de apenas 21 famílias. Não é necessário ser nenhum gênio político para prever situações como a que os salvadorenhos vivem atualmente, face a esses nada louváveis antecedentes históricos.
Tempos atrás, quando começaram os combates em El Salvador, observávamos que o conflito desse país era muito mais pelo pão do que pelas idéias pregadas por Karl Marx. Ou seja, que a tentativa de implantação de um regime dito de esquerda era secundária. E que aquilo pelo que o povo dessa populosa República centro-americana realmente lutava era por condições melhores de vida: por salário justo, por terras para plantar, por habitação e por saneamento, entre outras coisas. Ou seja, pelo básico.
É claro que os que pregam a "ditadura do proletariado" em âmbito mundial, exploraram essa situação anômala, existente em El Salvador, para tentar impor seus conceitos ideológicos. No duelo entre as superpotências, ou entre as ideologias antagônicas que as movem (capitalismo e comunismo), tudo é válido e cada uma das partes explora o quanto pode os vazios deixados pela rival, mesmo que isso implique no sacrifício da milhares de vidas. Para elas, os fins justificam os meios.
A opinião pública mundial está farta de observar Vietnãs, Líbanos, Afeganistãos, Etiópias e Granadas espalhados por aí, desde o final da Segunda Guerra Mundial, onde povos desassistidos e atrasados se envolvem em confrontos estúpidos e fratricidas, alguns até surrealistas, que jamais consertam qualquer mazela e só servem aos propósitos hegemônicos das duas forças oponentes que realmente contam na atualidade, e que fazem do mundo um tabuleiro de xadrez, onde mantêm um maquiavélico confronto estratégico militar: a do Leste, liderada pela União Soviética e a do Oeste, sob as rédeas dos Estados Unidos.
Se os salvadorenhos realmente desejam construir uma nação, uma sociedade justa e progressista que prospere, cabe a eles próprios darem os passos necessários nessa direção. Compete-lhes criar, com seus próprios recursos, sem dependências externas, um sistema de convivência de acordo com suas tradições e seu temperamento, privilegiando a vontade da maioria, sem alinhamentos com quem quer que seja. Caso contrário, o país vai continuar, ainda por muitos anos, abastecendo as manchetes de imprensa internacional com notícias deprimentes, sobre uma guerra exótica, em uma "República de banana", responsável por sua crescente (e talvez definitiva) desagregação econômica e social.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 1 de dezembro de 1984)
Pedro J. Bondaczuk
A segunda rodada de conversações entre os guerrilheiros salvadorenhos e o governo do presidente José Napoleón Duarte, ocorrida num asilo da localidade de Ayaguallo, ontem, em El Salvador, mostrou o quanto é penoso o processo de reconciliação nacional. As duas partes estão ainda muito distantes de algo sequer parecido com um acordo e esse encontro pode até ter sido o derradeiro esforço pacificador de ambos os lados.
O principal ponto de discórdia entre rebeldes e governo é a presença norte-americana, através de conselheiros militares, no país. A guerra civil já causou, no mínimo, 50 mil mortes, criou um imenso campo de refugiados em Honduras, com cerca de 100 mil camponeses (que preferem sobreviver precariamente em gigantescas e precárias favelas, a ficarem entre o fogo cruzado do Exército e da guerrilha) e produziu um caos econômico de tal ordem, que por maiores que sejam os auxílios da Casa Branca, El Salvador levará décadas para se recuperar.
Não se pode, todavia, culpar apenas os EUA pelos desacertos institucionais dessa República, bem ao estilo centro-americano. Desde a sua independência, os governos desse Estado carente raramente se preocuparam com tentativas de criação de instituições sólidas. Nunca se empenharam em estabelecer um sistema econômico em que a riqueza nacional fosse compartilhada com razoável justiça e onde todos tivessem oportunidades idênticas de ascensão social.
Os vários presidentes salvadorenhos, muitos dos quais perversos caudilhos, não se empenharam em adotar um legítimo capitalismo, de livre empresa, onde os mais capazes sobressaíssem de maneira natural, sem favorecimentos ilícitos e nem privilégios criminosos. Não criaram um esquema de poder em que o povo fosse o árbitro e os políticos seus servidores. Ao contrário, El Salvador, antes do início da guerra civil, foi transformado em um feudo de apenas 21 famílias. Não é necessário ser nenhum gênio político para prever situações como a que os salvadorenhos vivem atualmente, face a esses nada louváveis antecedentes históricos.
Tempos atrás, quando começaram os combates em El Salvador, observávamos que o conflito desse país era muito mais pelo pão do que pelas idéias pregadas por Karl Marx. Ou seja, que a tentativa de implantação de um regime dito de esquerda era secundária. E que aquilo pelo que o povo dessa populosa República centro-americana realmente lutava era por condições melhores de vida: por salário justo, por terras para plantar, por habitação e por saneamento, entre outras coisas. Ou seja, pelo básico.
É claro que os que pregam a "ditadura do proletariado" em âmbito mundial, exploraram essa situação anômala, existente em El Salvador, para tentar impor seus conceitos ideológicos. No duelo entre as superpotências, ou entre as ideologias antagônicas que as movem (capitalismo e comunismo), tudo é válido e cada uma das partes explora o quanto pode os vazios deixados pela rival, mesmo que isso implique no sacrifício da milhares de vidas. Para elas, os fins justificam os meios.
A opinião pública mundial está farta de observar Vietnãs, Líbanos, Afeganistãos, Etiópias e Granadas espalhados por aí, desde o final da Segunda Guerra Mundial, onde povos desassistidos e atrasados se envolvem em confrontos estúpidos e fratricidas, alguns até surrealistas, que jamais consertam qualquer mazela e só servem aos propósitos hegemônicos das duas forças oponentes que realmente contam na atualidade, e que fazem do mundo um tabuleiro de xadrez, onde mantêm um maquiavélico confronto estratégico militar: a do Leste, liderada pela União Soviética e a do Oeste, sob as rédeas dos Estados Unidos.
Se os salvadorenhos realmente desejam construir uma nação, uma sociedade justa e progressista que prospere, cabe a eles próprios darem os passos necessários nessa direção. Compete-lhes criar, com seus próprios recursos, sem dependências externas, um sistema de convivência de acordo com suas tradições e seu temperamento, privilegiando a vontade da maioria, sem alinhamentos com quem quer que seja. Caso contrário, o país vai continuar, ainda por muitos anos, abastecendo as manchetes de imprensa internacional com notícias deprimentes, sobre uma guerra exótica, em uma "República de banana", responsável por sua crescente (e talvez definitiva) desagregação econômica e social.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 1 de dezembro de 1984)
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