Pedro J. Bondaczuk
O que trazemos escondido no fundo da nossa mente (se no inconsciente ou no subconsciente não importa), é um mistério insondável para nós, para os outros e para os mais experientes e doutos psicanalistas. Pode ser um impulso irreprimível e inexplicável para o bem, que venha, certo dia, sem qualquer aviso, a aflorar e nos tornar heróis (falo do verdadeiro heroísmo, que é o de salvar, literal ou figurativamente, vidas) ou santos.
Mas é possível, também, que lá estejam adormecidos monstros cruéis e sanguinários, incontroláveis demônios, que talvez nunca venham a emergir, ou que, quando menos se esperar, venham, furiosamente, à tona e causem pasmo e terror não apenas a nós mesmos, mas a todas as pessoas do nosso círculo de relacionamentos.
Nunca sabemos quais e quantos impulsos para o bem ou para o mal estão trancados a sete chaves nestes misteriosos e indevassáveis compartimentos da mente, que o escritor John Steinbeck denomina de “lagos secretos”. São inúmeros os casos de pessoas que se comportam com correção e bondade durante boa parte da vida, mas que, subitamente, sem nenhuma espécie de aviso prévio, para surpresa geral, cometem atrocidades imensas.
São pais que matam filhos por banalidades, em momentos de raiva incontrolável; filhos que trucidam pais para antecipar a posse de heranças; cônjuges que juravam mútuo amor eterno e que, subitamente, assassinam a pessoa que garantiam amar, com requintes de crueldade e, não contentes, retalham os cadáveres, no afã de ocultar o horrendo delito, e vai por aí afora.
Há casos e mais casos como esses a abarrotarem as páginas policiais dos jornais do mundo todo. Nunca sabemos se o nosso é um lago sereno, repleto de vida, plácido e benigno, com inúmeros peixes a nadar, ou se é o tão falado Loch Ness da Escócia, com seu suposto monstro a aterrorizar os que passam nas suas cercanias.
John Steinbeck escreveu o seguinte, a propósito, no romance “A Leste do Éden”: “Talvez todos nós tenhamos um lago secreto em que as coisas sinistras germinam e se tornam fortes. Mas essa cultura é reprimida e a prole sobe pelas encostas apenas para tornar a cair. Não é possível que nos lagos escuros de alguns homens o mal se torne forte o bastante para pular a cerca e ficar livre? Um homem assim não seria nosso monstro e não estaríamos relacionados com ele em nossas águas ocultas? Seria absurdo se não compreendêssemos tanto os anjos como os demônios, já que os inventamos”.
A propósito, para quem não sabe, informo que o Loch Ness é o mais profundo lago glaciário da Escócia. Os geógrafos asseguram que, até o fim da Era Glacial, era um longo braço de mar. Quanto a “Nessie”, como é carinhosamente chamado o suposto monstro, seria uma criatura com o corpo de uma gigantesca serpente e a cabeça parecida com a de um dinossauro. Há quem garanta que seja um dos raros animais pré-históricos sobreviventes às várias e cataclísmicas transformações do Planeta. Outros tantos asseguram, porém, que se trata de mera criação da fantasia popular. Pelo sim ou pelo não...
Todos temos, em maior ou menor quantidade, além de impulsos secretos (para o bem ou para o mal) lembranças amargas de fracassos profissionais, de amores que não deram certo, mas deixaram marcas; de sonhos nunca concretizados ou de ideais que deixamos para trás, pelo caminho, sem que saibamos a razão. O mais prudente e sábio é, se possível, nos livrarmos dessas “quinquilharias” emocionais, que só ocupam espaço que poderia ser preenchido com recordações agradáveis, de sucessos, de afetos marcantes, de coisas que pareciam impossíveis de serem feitas e que o foram e de novas metas a nos conferirem motivação e sentido.
Devemos proceder como fazemos, vez ou outra, com os quartos de “bagunça” que quase todos temos em casa (ou nos fundos de uma garagem) onde acumulamos objetos sem uso, em geral quebrados, que planejamos “um dia” consertar, porém nunca o fazemos. Seria mais prático comprar outros, mas, teimosamente, falamos em consertá-los. Só falamos...
Lá um belo dia, no entanto, criamos coragem e nos desfazemos dessas bugigangas e percebemos que elas não nos fazem nenhuma falta. É certo que não demora muito para preenchermos esse espaço com novas quinquilharias. Com as lembranças, porém, é conveniente não agir assim. É sábio não renovar as que eram ruins e foram descartadas.
O prudente é nos livrarmos delas e nunca mais acumularmos novas recordações dolorosas. Isso é mais questão de auto-condicionamento do que de personalidade. Por que represar emoções inúteis e, pior, que causem sofrimento, nos subterrâneos da alma? Melhor é fazer a drenagem do nosso lago secreto e mantê-lo vivo e poético, sem mistérios e sem surpresas.
O poeta Afonso Schmidt tem um soberbo soneto a esse propósito, intitulado “Barba-azul”. E ele o encerra com estes magníficos tercetos, em que diz: “Neste beijo, porei nas tuas mãos suaves/o maldito esplendor das áureas sete chaves/do velho coração...Vem habitá-lo, pois,//não devasses, porém, subterrâneos e fossos;/morrerás de pavor, se vires os destroços/das quimeras que amei e trucidei depois”. Afinal, não queremos que a amada, quando vier a habitar de vez nosso coração, “morra de pavor” ao ver restos de sonhos, trucidados com requintes de crueldade, não é mesmo? E nem que, ao banhar-se em nosso “lago secreto”, se depare, subitamente, com o monstro do Loch Ness...
O que trazemos escondido no fundo da nossa mente (se no inconsciente ou no subconsciente não importa), é um mistério insondável para nós, para os outros e para os mais experientes e doutos psicanalistas. Pode ser um impulso irreprimível e inexplicável para o bem, que venha, certo dia, sem qualquer aviso, a aflorar e nos tornar heróis (falo do verdadeiro heroísmo, que é o de salvar, literal ou figurativamente, vidas) ou santos.
Mas é possível, também, que lá estejam adormecidos monstros cruéis e sanguinários, incontroláveis demônios, que talvez nunca venham a emergir, ou que, quando menos se esperar, venham, furiosamente, à tona e causem pasmo e terror não apenas a nós mesmos, mas a todas as pessoas do nosso círculo de relacionamentos.
Nunca sabemos quais e quantos impulsos para o bem ou para o mal estão trancados a sete chaves nestes misteriosos e indevassáveis compartimentos da mente, que o escritor John Steinbeck denomina de “lagos secretos”. São inúmeros os casos de pessoas que se comportam com correção e bondade durante boa parte da vida, mas que, subitamente, sem nenhuma espécie de aviso prévio, para surpresa geral, cometem atrocidades imensas.
São pais que matam filhos por banalidades, em momentos de raiva incontrolável; filhos que trucidam pais para antecipar a posse de heranças; cônjuges que juravam mútuo amor eterno e que, subitamente, assassinam a pessoa que garantiam amar, com requintes de crueldade e, não contentes, retalham os cadáveres, no afã de ocultar o horrendo delito, e vai por aí afora.
Há casos e mais casos como esses a abarrotarem as páginas policiais dos jornais do mundo todo. Nunca sabemos se o nosso é um lago sereno, repleto de vida, plácido e benigno, com inúmeros peixes a nadar, ou se é o tão falado Loch Ness da Escócia, com seu suposto monstro a aterrorizar os que passam nas suas cercanias.
John Steinbeck escreveu o seguinte, a propósito, no romance “A Leste do Éden”: “Talvez todos nós tenhamos um lago secreto em que as coisas sinistras germinam e se tornam fortes. Mas essa cultura é reprimida e a prole sobe pelas encostas apenas para tornar a cair. Não é possível que nos lagos escuros de alguns homens o mal se torne forte o bastante para pular a cerca e ficar livre? Um homem assim não seria nosso monstro e não estaríamos relacionados com ele em nossas águas ocultas? Seria absurdo se não compreendêssemos tanto os anjos como os demônios, já que os inventamos”.
A propósito, para quem não sabe, informo que o Loch Ness é o mais profundo lago glaciário da Escócia. Os geógrafos asseguram que, até o fim da Era Glacial, era um longo braço de mar. Quanto a “Nessie”, como é carinhosamente chamado o suposto monstro, seria uma criatura com o corpo de uma gigantesca serpente e a cabeça parecida com a de um dinossauro. Há quem garanta que seja um dos raros animais pré-históricos sobreviventes às várias e cataclísmicas transformações do Planeta. Outros tantos asseguram, porém, que se trata de mera criação da fantasia popular. Pelo sim ou pelo não...
Todos temos, em maior ou menor quantidade, além de impulsos secretos (para o bem ou para o mal) lembranças amargas de fracassos profissionais, de amores que não deram certo, mas deixaram marcas; de sonhos nunca concretizados ou de ideais que deixamos para trás, pelo caminho, sem que saibamos a razão. O mais prudente e sábio é, se possível, nos livrarmos dessas “quinquilharias” emocionais, que só ocupam espaço que poderia ser preenchido com recordações agradáveis, de sucessos, de afetos marcantes, de coisas que pareciam impossíveis de serem feitas e que o foram e de novas metas a nos conferirem motivação e sentido.
Devemos proceder como fazemos, vez ou outra, com os quartos de “bagunça” que quase todos temos em casa (ou nos fundos de uma garagem) onde acumulamos objetos sem uso, em geral quebrados, que planejamos “um dia” consertar, porém nunca o fazemos. Seria mais prático comprar outros, mas, teimosamente, falamos em consertá-los. Só falamos...
Lá um belo dia, no entanto, criamos coragem e nos desfazemos dessas bugigangas e percebemos que elas não nos fazem nenhuma falta. É certo que não demora muito para preenchermos esse espaço com novas quinquilharias. Com as lembranças, porém, é conveniente não agir assim. É sábio não renovar as que eram ruins e foram descartadas.
O prudente é nos livrarmos delas e nunca mais acumularmos novas recordações dolorosas. Isso é mais questão de auto-condicionamento do que de personalidade. Por que represar emoções inúteis e, pior, que causem sofrimento, nos subterrâneos da alma? Melhor é fazer a drenagem do nosso lago secreto e mantê-lo vivo e poético, sem mistérios e sem surpresas.
O poeta Afonso Schmidt tem um soberbo soneto a esse propósito, intitulado “Barba-azul”. E ele o encerra com estes magníficos tercetos, em que diz: “Neste beijo, porei nas tuas mãos suaves/o maldito esplendor das áureas sete chaves/do velho coração...Vem habitá-lo, pois,//não devasses, porém, subterrâneos e fossos;/morrerás de pavor, se vires os destroços/das quimeras que amei e trucidei depois”. Afinal, não queremos que a amada, quando vier a habitar de vez nosso coração, “morra de pavor” ao ver restos de sonhos, trucidados com requintes de crueldade, não é mesmo? E nem que, ao banhar-se em nosso “lago secreto”, se depare, subitamente, com o monstro do Loch Ness...
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