Wednesday, September 10, 2008

Bondade enérgica


Pedro J. Bondaczuk

A maldade, em suas variadas formas de manifestação, sempre me deixou perplexo. Suas conseqüências, não somente para quem é vítima dela, mas também (e sobretudo) para os que a praticam, são terríveis. E, ainda assim, o mal prepondera entre raças e povos, e se multiplica como erva daninha.
Quem me dá a honra da sua constante leitura sabe que, ao lado do tempo e da solidão, este é um dos temas mais freqüentes em minhas reflexões. Estranhamente, porém (não sei por qual razão subjetiva), tenho escrito pouquíssimo sobre o oposto da maldade, ou seja, a bondade. Creio que o motivo seja por entender, subconscientemente, que se trata de um assunto restrito, a ser tratado mais por teólogos do que por filósofos. A rigor, não é. Trata-se de um tema que deveria ser o centro das preocupações dos que crêem na preponderância da razão sobre os instintos.
O jurista Pontes de Miranda escreveu o seguinte, com a lucidez que o caracterizava, a esse propósito, em seu livro “Obras Literárias”: “A bondade enérgica é a reconstrutora do mundo; somente ela, aliada à ciência, poderá guiar, pelos vergéis da Vida, o promíscuo rebanho da humanidade, e aproveitar como valores indispensáveis à obra do bem e da Sabedoria, da felicidade de todos e da verdade, os caracteres diferenciais das raças e dos povos”. Quem age assim? São raros, raríssimos, os que têm tamanha lucidez, meras gotas imperceptíveis num oceano sem fim de egoísmo e omissão.
Cabem, aqui, algumas observações sobre Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, a quem sempre admirei por sua cultura, idealismo, vigor intelectual e produtividade até sua morte, ocorrida em dezembro de 1979. Além do mais renomado jurista brasileiro, foi, também, filósofo, matemático e escritor. Tem obras publicadas além de em português, em alemão, francês, espanhol e italiano.
Seu “Tratado de Direito Privado”, de 60 volumes, concluído em 1970, com 30 mil páginas, é sua obra mais conhecida. Todavia, sua produção foi magnífica em todas as áreas que dominava. Publicou 144 livros, dos quais 128 são estudos jurídicos. Tornou-se imortal da Academia Brasileira de Letras, contudo, somente poucos meses antes da morte. Antes tarde do que nunca.
Voltando ao tema central destas considerações, ouso afirmar que não há quem nunca tenha dito, com desalento e revolta, que o mundo é mau. Seria exata essa afirmação? Claro que não! O Planeta em que vivemos é benigno e feito de forma a assegurar não somente a nossa, mas todo o tipo de vida.
Maus são os homens, que não conseguem controlar seus instintos de fera e certas tendências próprias, que não existem em nenhum outro animal, como a cobiça, o rancor, as injustiças, e tantos e tantos outros comportamentos, que envenenam as relações com o próximo. O mundo, portanto, não é mau.
Maus somos nós, que cobramos posturas justas e corretas dos outros, mas nem sempre (ou quase nunca) atentamos para nossas ações e comportamentos. Fernando Pessoa desabafou, com rara lucidez, num de seus tantos textos: “Torturamos os nossos irmãos homens com o ódio, o rancor, a maldade e depois dizemos: ‘o mundo é mau’”. E não é assim que agimos?
Devemos nos perguntar, isto sim, sempre que nos sentirmos tentados a esse tipo de desabafo: “o que estamos fazendo para melhorar este nosso planeta tão benigno e acolhedor, para fazer dele o paraíso dos nossos sonhos?” Mesmo se formos bons e justos, se nossas ações forem altruístas e constantes, nossa bondade é tíbia, morna e meramente formal ou é ativa, dinâmica e enérgica?
Apontar mazelas, corrupções e aberrações comportamentais de toda a sorte é fácil, cômodo, porém inócuo. Aliás, não é preciso ser nenhum gênio para detectar a maldade em ação. Um chimpanzé, provavelmente, consegue fazer isso, com sua parca capacidade de entendimento. E nem é necessário ser uma pessoa hiper-informada. Mesmo à nossa revelia, os meios de comunicação jogam, bem no meio da nossa sala, diariamente, várias vezes por dia, o que há de mais horrendo, asqueroso, vil e corrupto na natureza humana.
O que importa é como agir para pelo menos atenuar essas barbaridades e reduzir seu número a níveis, digamos, toleráveis e seus efeitos a intensidades mínimas. Temos que ser tolerantes com os vícios e fraquezas alheios, conscientes de que também os temos, mesmo que em grau ínfimo (no caso dos que são considerados “santos”, raríssimos, diga-se de passagem), mas nem por isso podemos concordar com eles e muito menos ser, igualmente, fracos e viciados.
Precisamos ser caridosos com os que nada têm (nem mesmo forças para melhorar, pouco que seja, sua situação), que ascendem aos bilhões. Mas nossa caridade não deve ser alardeada, para não se tornar humilhante aos seus beneficiários. Temos que ser solidários com os que se sentem perdidos, sem conhecer os caminhos adequados para conviver em sociedade, por carência de educação.
Em suma, devemos ser bons, sem dúvida, o máximo que pudermos, mas não sermos dotados daquela bondade apenas aparente, cínica e covarde, mas da ativa, sem máculas e ousada, forte e enérgica. É difícil agirmos assim, em um mundo em que predominam o egoísmo, a maldade e a prepotência? Claro que sim! É impossível? Cada um que responda a questão, de acordo com os ditames da sua consciência.

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