Pedro J. Bondaczuk
A melhor maneira de nos livrarmos de mágoas e dores emocionais é fazermos delas temas para uma obra de arte: um poema, uma canção, uma crônica, ou seja lá o que for. Além de acalmar as emoções, se o que fizermos tiver valor artístico, pode, de quebra, ainda render algum dinheirinho, o que não é nada mau, concordam? E em casos extremos, nos assegurar uma espécie de “eternidade” do nome, com nossas obras sendo procuradas e apreciadas por gerações e gerações, séculos após a nossa morte.
É aquela história que o povão, em sua instintiva sabedoria, tanto conhece: “se lhe atirarem um limão azedo... faça com ele deliciosa limonada”. As mais sensíveis composições do cancioneiro popular em todo o mundo, por exemplo, nasceram de amores fracassados, de ciúmes avassaladores e da chamada “dor de cotovelo”.
Só os masoquistas gostam de ficar remoendo o que os faz sofrer, sem que tenham uma só válvula de escape para esse acúmulo de pressão emocional. Vocês já notaram, por exemplo, o quanto alivia o fato de desabafarmos com alguém quando nos sentimos arrasados com a perda de um amor, ou com a traição de um amigo ou com qualquer outra decepção sentimental?
Esses desabafos, porém, também podem ser feitos com arte que, além de não amolarem ninguém, tendem a encantar quem tiver contato com as obras que forem produzidas nestas circunstâncias (se forem boas, claro).
Os melhores poemas de amor, por exemplo, foram escritos quando o poeta se sentia amargurado e triste com o abandono da amada. São desse tipo estes versos de encerramento do poema “Canção”, do poeta paulista, de Caçapava, Ubiratan Rosa: “Não, não; não quero chorar,/vou compor uma canção.../Canta sempre, eternamente,/canta tolo coração...//Canta a dor que te dói tanto,/canta a dor que te consome./e ao cantares do teu canto,/coração, sossega e dorme...”
As pessoas que sabem vislumbrar beleza até onde esta, objetivamente, não exista (ou pareça não existir) são rotuladas, pelos pessimistas e renitentes derrotistas e pelos onipresentes “idiotas da objetividade”, de “utópicas”. Confesso que comungo dessa utopia. Procuro sempre ver o lado positivo, nobre e belo da vida, sem, contudo, ignorar ou negar a existência do oposto (e nem poderia). Não ignoro, todavia, não para me “escandalizar”, mas objetivando modificar para melhor o que é negativo e ruim.
O antônimo da utopia é chamado de “distopia”. É o comportamento de muitos (talvez, infelizmente, da maioria) que só enxergam o lado perverso, horrendo, espantoso e feio da vida. São, no meu entender, mais alienados do que os que vêem apenas o aspecto positivo, belo e nobre de tudo. E, na sua alienação, são infelizes, mesmo que tenham a seu favor tudo o que alguém necessite para alcançar felicidade.
Não a alcançam, por não estarem predispostas a ela. Apostam no negativo e este se impõe e se manifesta, com todo o vigor e perversidade, em suas vidas amargas e cinzentas. O poeta Murilo Mendes fez uma brincadeira, no poema “O utopista”, e caracterizou o distópico, como sendo utópico.
Escreveu: “Ele acredita que o chão é duro./Que todos os homens estão presos./Que há limites para a poesia./Que não há sorrisos nas crianças/nem amor nas mulheres./Que só de pão vive o homem./Que não há um outro mundo”.
Quem nutre estas crenças e se comporta dessa maneira, reitero, jamais conseguirá ser feliz. Mesmo que o chão não seja macio, que nenhum homem seja livre, que a poesia seja limitada, que as crianças sejam sisudas, que as mulheres não saibam amar, que o homem viva somente em função da comida e que, com a morte, tudo termine, não há mal algum em pensar no oposto, se isso trouxer alegria e motivação para viver. Como são dignos de pena os “distópicos”, imersos em seu mundo árido e pedregoso, de trevas e de feiúra!
Os grandes artistas tendem a exercer influência decisiva (para o bem ou para o mal) na formação da nossa personalidade e caráter, permitindo-nos conhecer situações, comportamentos e circunstâncias os mais diversos e extremos, sem que precisemos passar por essas experiências pessoalmente. E quando algo análogo ao que tratam nos ocorre, contamos com caminhos e alternativas já conhecidos para sairmos de enrascadas ou para usufruirmos plenamente os episódios benignos e favoráveis que surgirem.
Os grandes artistas estabelecem, sobretudo, sua identidade, que refletem nos personagens que criam. Generosos, nos ofertam a possibilidade de libertação do espaço, do tempo e até da morte que, se não a evitam (e não nos ensinam a evitar, pois é inevitável) sugerem como aceitá-la serenamente, como realidade impossível de ser mudada.
André Malraux escreveu a respeito: “O grande artista (...) estabelece a identidade eterna consigo mesmo. Pela maneira segundo a qual nos mostra tal ato de Orestes ou Édipo, do príncipe Hamlet ou dos irmãos Karamazov, ele nos torna próximos a esses destinos tão afastados de nós no espaço e no tempo; torna-os fraternos e reveladores para nós. Assim, alguns homens têm o grande privilégio, essa parte divina, de encontrar no fundo deles mesmos, para nos oferecerem, aquilo que nos liberta do espaço, do tempo e da morte”.
O artista que consegue atrair nossa atenção, nos convencer, motivar e, sobretudo, emocionar, conquista nossa irrestrita simpatia e até cumplicidade, mesmo que jamais venhamos a conhecê-lo pessoalmente, ou por viver em outros países (onde jamais pisaremos), ou por serem inacessíveis por tantos outros motivos, ou por terem vivido em outros tempos, muito antes de nascermos. O que não consegue... Tem que se conformar com o ostracismo e a obscuridade.
A melhor maneira de nos livrarmos de mágoas e dores emocionais é fazermos delas temas para uma obra de arte: um poema, uma canção, uma crônica, ou seja lá o que for. Além de acalmar as emoções, se o que fizermos tiver valor artístico, pode, de quebra, ainda render algum dinheirinho, o que não é nada mau, concordam? E em casos extremos, nos assegurar uma espécie de “eternidade” do nome, com nossas obras sendo procuradas e apreciadas por gerações e gerações, séculos após a nossa morte.
É aquela história que o povão, em sua instintiva sabedoria, tanto conhece: “se lhe atirarem um limão azedo... faça com ele deliciosa limonada”. As mais sensíveis composições do cancioneiro popular em todo o mundo, por exemplo, nasceram de amores fracassados, de ciúmes avassaladores e da chamada “dor de cotovelo”.
Só os masoquistas gostam de ficar remoendo o que os faz sofrer, sem que tenham uma só válvula de escape para esse acúmulo de pressão emocional. Vocês já notaram, por exemplo, o quanto alivia o fato de desabafarmos com alguém quando nos sentimos arrasados com a perda de um amor, ou com a traição de um amigo ou com qualquer outra decepção sentimental?
Esses desabafos, porém, também podem ser feitos com arte que, além de não amolarem ninguém, tendem a encantar quem tiver contato com as obras que forem produzidas nestas circunstâncias (se forem boas, claro).
Os melhores poemas de amor, por exemplo, foram escritos quando o poeta se sentia amargurado e triste com o abandono da amada. São desse tipo estes versos de encerramento do poema “Canção”, do poeta paulista, de Caçapava, Ubiratan Rosa: “Não, não; não quero chorar,/vou compor uma canção.../Canta sempre, eternamente,/canta tolo coração...//Canta a dor que te dói tanto,/canta a dor que te consome./e ao cantares do teu canto,/coração, sossega e dorme...”
As pessoas que sabem vislumbrar beleza até onde esta, objetivamente, não exista (ou pareça não existir) são rotuladas, pelos pessimistas e renitentes derrotistas e pelos onipresentes “idiotas da objetividade”, de “utópicas”. Confesso que comungo dessa utopia. Procuro sempre ver o lado positivo, nobre e belo da vida, sem, contudo, ignorar ou negar a existência do oposto (e nem poderia). Não ignoro, todavia, não para me “escandalizar”, mas objetivando modificar para melhor o que é negativo e ruim.
O antônimo da utopia é chamado de “distopia”. É o comportamento de muitos (talvez, infelizmente, da maioria) que só enxergam o lado perverso, horrendo, espantoso e feio da vida. São, no meu entender, mais alienados do que os que vêem apenas o aspecto positivo, belo e nobre de tudo. E, na sua alienação, são infelizes, mesmo que tenham a seu favor tudo o que alguém necessite para alcançar felicidade.
Não a alcançam, por não estarem predispostas a ela. Apostam no negativo e este se impõe e se manifesta, com todo o vigor e perversidade, em suas vidas amargas e cinzentas. O poeta Murilo Mendes fez uma brincadeira, no poema “O utopista”, e caracterizou o distópico, como sendo utópico.
Escreveu: “Ele acredita que o chão é duro./Que todos os homens estão presos./Que há limites para a poesia./Que não há sorrisos nas crianças/nem amor nas mulheres./Que só de pão vive o homem./Que não há um outro mundo”.
Quem nutre estas crenças e se comporta dessa maneira, reitero, jamais conseguirá ser feliz. Mesmo que o chão não seja macio, que nenhum homem seja livre, que a poesia seja limitada, que as crianças sejam sisudas, que as mulheres não saibam amar, que o homem viva somente em função da comida e que, com a morte, tudo termine, não há mal algum em pensar no oposto, se isso trouxer alegria e motivação para viver. Como são dignos de pena os “distópicos”, imersos em seu mundo árido e pedregoso, de trevas e de feiúra!
Os grandes artistas tendem a exercer influência decisiva (para o bem ou para o mal) na formação da nossa personalidade e caráter, permitindo-nos conhecer situações, comportamentos e circunstâncias os mais diversos e extremos, sem que precisemos passar por essas experiências pessoalmente. E quando algo análogo ao que tratam nos ocorre, contamos com caminhos e alternativas já conhecidos para sairmos de enrascadas ou para usufruirmos plenamente os episódios benignos e favoráveis que surgirem.
Os grandes artistas estabelecem, sobretudo, sua identidade, que refletem nos personagens que criam. Generosos, nos ofertam a possibilidade de libertação do espaço, do tempo e até da morte que, se não a evitam (e não nos ensinam a evitar, pois é inevitável) sugerem como aceitá-la serenamente, como realidade impossível de ser mudada.
André Malraux escreveu a respeito: “O grande artista (...) estabelece a identidade eterna consigo mesmo. Pela maneira segundo a qual nos mostra tal ato de Orestes ou Édipo, do príncipe Hamlet ou dos irmãos Karamazov, ele nos torna próximos a esses destinos tão afastados de nós no espaço e no tempo; torna-os fraternos e reveladores para nós. Assim, alguns homens têm o grande privilégio, essa parte divina, de encontrar no fundo deles mesmos, para nos oferecerem, aquilo que nos liberta do espaço, do tempo e da morte”.
O artista que consegue atrair nossa atenção, nos convencer, motivar e, sobretudo, emocionar, conquista nossa irrestrita simpatia e até cumplicidade, mesmo que jamais venhamos a conhecê-lo pessoalmente, ou por viver em outros países (onde jamais pisaremos), ou por serem inacessíveis por tantos outros motivos, ou por terem vivido em outros tempos, muito antes de nascermos. O que não consegue... Tem que se conformar com o ostracismo e a obscuridade.
2 comments:
Não sou utópico! Na verdade tenho certa resistência aos utópicos. Mas gostei do seu artigo e me levou até ele a máxima da revolução francesa que é (traduzido) Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Fiquei na dúvida: é uma utopia ou uma distopia.
Também estou lendo A Condição Humana – André Malraux e como (citado no seu artigo), resolvi enviar-lhe os comentários.
Abraços e felicidades.
Marcio Automare
Não sou utópico! Na verdade tenho certa resistência aos utópicos. Mas gostei do seu artigo e me levou até ele a máxima da revolução francesa que é (traduzido) Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Fiquei na dúvida: é uma utopia ou uma distopia.
Também estou lendo A Condição Humana – André Malraux e como citado no seu artigo, resolvi enviar-lhe os comentários.
Abraços e felicidades.
Marcio Automare
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