Monday, September 15, 2008

Ignorância linda?


Pedro J. Bondaczuk


A vida apresenta infinitas perguntas e, praticamente, nenhuma resposta conclusiva. As três grandes questões que desafiam o homem, desde que este adquiriu a faculdade de pensar, ou seja, o que somos, onde estamos e para onde vamos, estão envoltas, ainda, em absoluto mistério. Creio que permanecerão assim para sempre.
O que sabemos, a propósito, não passa de mera especulação, com fragmentos de informações, mas sem a devida e irretorquível conclusão. E é bom que assim seja. Estas perguntas da vida estimulam nosso cérebro e aumentam nosso nível de percepção e inteligência.
Sempre que a ciência obtém alguma resposta, esta vem acompanhada de centenas de novas perguntas. Por exemplo, o homem já mapeou todos os genes que compõem o organismo humano, definindo a totalidade de suas funções. Explicou, portanto, o funcionamento. Mas não conseguiu explicar a razão principal, ou seja, o que dá vida às células e as faz dinâmicas.
Como essa essência imaterial é transmitida durante a reprodução celular? No que ela consiste? Enfim, o que faz as células viverem? Esse é, somente, um exemplo das tantas questões que nos desafiam e haverão de desafiar até o fim dos tempos. Fernando Pessoa constatou, a propósito: “Todas as frases do livro da vida, se lidas até ao fim, terminam numa interrogação”. E não terminam?
Costuma-se atribuir, via de regra, valor muito alto à sabedoria e, em contrapartida, desdenhar de quem ignora fatos e informações, como se se tratasse de fera bronca, despida de razão e de importância. Há vários fatos a se considerar nessa questão.
Primeiro: é preciso definir com exatidão quem é sábio e por que. É o sujeito bem-informado? É o que conhece um pouco de tudo, de matemática, física, filosofia, direito etc.? Ou é a pessoa que tem noção dos valores, de virtudes e de moral e põe esses conceitos em prática?
Segundo ponto a considerar: o que se entende por ignorante? É o iletrado, que não teve acesso aos bancos escolares? Ou é quem aprendeu tudo o que os mestres tinham a lhe ensinar, mas não sabe o que fazer com esse conhecimento?
O terceiro ponto a se ressaltar é: o verdadeiro sábio nunca desdenha de ninguém, qualquer que seja seu grau de conhecimento. Vê em todo o ser humano, analfabeto ou não, fonte inesgotável de conhecimento e de experiência e busca usufruir plenamente dela.
Costuma-se rotular quem não conhece determinado assunto de ignorante. Por esse critério, porém, todos os seres humanos, sem exceções, não importa seu grau de leitura e de informação, nem os títulos acadêmicos que ostenta, o são. Afinal, não existe, nunca existiu e certamente jamais existirá quem conheça tudo de tudo.
O pseudo-ignorante, que admite que nada sabe, é muito mais sábio do que o doutor em não sei quantas disciplinas, com pós-graduação, mestrado e doutorado nisso e mais aquilo, e que, por essa razão, pensa que “sabe tudo”.
O ensaísta norte-americano Henry David Thoreau foi à raiz dessa questão. Constatou, no memorável ensaio “Caminhando”, do seu livro “Desobedecendo”, o seguinte, a propósito: “A ignorância às vezes é não apenas útil, mas linda; a chamada sabedoria é freqüentemente pior do que inútil, além de horrorosa. Com quem você preferiria lidar – com o homem que nada sabe de um assunto e – o que é raríssimo – sabe que nada sabe, ou com o outro que de fato sabe alguma coisa do assunto, mas pensa que sabe tudo?”
Eu preferiria, sem pestanejar, conviver com o primeiro. No meu entendimento, este sim é que é o sábio. Já o segundo... Quando muito, é, meramente, arrogante, prepotente e, sobretudo, chato...
Claro que não é qualquer tipo de ignorância que é lindo. Aquela atrevida, do sujeito que nada sabe, ou que conhece apenas rudimentos de determinadas coisas, mas que arrota a “sabedoria” que não possui, não é. Ao contrário, é horrenda, bárbara, terrível e perigosa. Foi ela que, por exemplo, levou pensadores lúcidos e brilhantes, como Giordano Bruno, para a fogueira da Inquisição. Foi ela que, unida ao seu “irmão gêmeo”, o fanatismo, causou tantas guerras sangrentas e destrutivas, que poderiam ser evitadas com um pouquinho só de lucidez e bom-senso. Como se vê, tudo no mundo é relativo...

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