Monday, September 08, 2008

Dias cinzentos


Pedro J. Bondaczuk

O homem é um ser “meteorológico”. Comporta-se de forma diferente ao sabor do clima. Seu estado de espírito tem muito a ver com as condições de tempo. Age de determinada maneira, mais leve e descontraída, por exemplo, em uma manhã risonha de primavera ou de outono; de outra, mais lânguida e preguiçosa, num dia ensolarado de verão; de uma terceira, mais sombria, face ao frio de inverno ou a um céu cinzento e chuvoso de qualquer estação.
Não sei se os outros animais também são assim. À sua maneira, acredito que sejam. As formigas, por exemplo, servem como um “boletim meteorológico” natural. Quando estiverem muito agitadas, mais do que o normal, correndo às tontas de um lado para outro, pode contar que é chuva certa. Quando criança, eu passava horas observando formigueiros e fantasiando que elas tivessem consciência e formassem cidades, Estados e países, como nós, humanos.
O tema vem a propósito da temporada de chuvas deste ano, que neste janeiro (que chega ao fim), por exemplo, passou dos limites. Não tivemos, no mês, um único dia luminoso e ensolarado, destes de se acordar cantando, feliz apenas pelo fato de estar vivo. Foram temporais sobre temporais, trazendo transtornos, de toda a sorte, ao trânsito das grandes cidades (Campinas, por exemplo), já por si só caótico, além de prejuízos materiais imensos para as pessoas que moram em zonas de risco, sujeitas a enchentes.
Aproveitando o gancho, vem-me, à mente uma série de situações sobre as estações do ano. A influência do clima no homem determina, também, a personalidade dos que vivem em regiões frias do Planeta, diferente da dos que habitam zonas tropicais, mais quentes. As atitudes, ânimo e vestuários (neste caso, por questões óbvias) diferem de uma área para outra da Terra. Minha filha caçula, vaidosa como ela só, assegura que prefere o frio. Justifica dizendo que a moda de inverno é “muito mais chique” e que as pessoas ficam mais elegantes nessa estação.
Depende. Se o indivíduo não tiver o mínimo de bom-gosto, irá se vestir de forma espalhafatosa e ridícula. Parecerá mais um palhaço (com todo o respeito que esse profissional do humor merece) do que uma dessas manequins, que incendeiam a fértil imaginação das meninas (e dos garotões também, por que não). Ademais, o inverno, principalmente quando muito rigoroso, é sumamente cruel, um pesadelo para os desabrigados, os moradores de rua, os chamados “homeless”.
Da minha parte, como adoto o estilo esportivo no trajar (e não dou a mínima para a moda), prefiro, sempre, o calor. Sinto-me mais à vontade, mais leve e descontraído no verão, mesmo no mais rigoroso, como o atual. Mas sem tantos dias cinzentos e de chuva, nos quais sinto-me como o patriarca bíblico Noé, só faltando mesmo a arca para me prevenir contra o dilúvio. Deve ser questão de tato, de sensibilidade, de pele.
Paulo Mendes Campos faz pitorescas observações sobre o clima, notadamente sobre dias chuvosos (como os que estamos encarando neste verão). Neste trecho da sua lapidar crônica intitulada “De um caderno cinzento”, publicada na Revista Manchete em 17 de agosto de 1967, escreve: ““Nos dias cinzentos, o mundo é mais opaco e mais áspero; as pessoas falam com um timbre mais rouco e aflito; os pássaros não cantam; a brisa é mais úmida, o ar mais pesado”. E está errado? Basta observar ao redor para constatar que as coisas ocorrem, de fato, dessa maneira.
A capacidade que temos de lembrar episódios ocorridos na mais remota infância é algo que sempre me fascinou. Outra característica que me causa assombro é a seletividade da memória. Acontecimentos que nos foram penosos, por exemplo, são atenuados e não raro transformados por completo, vestidos com uma roupagem muito mais favorável quando os recordamos anos depois. E os momentos felizes parecem que foram bem mais venturosos do que na realidade. São dourados por essa artista competente e hábil, chamada fantasia.
Todavia, raras são minhas recordações de fatos ocorridos em dias cinzentos e frios. A grande maioria das minhas lembranças está associada a muita luz e calor, a céu azul sem nuvens ou a noites enluaradas, salpicadas de estrelas. Confira as suas, paciente leitor, pois, provavelmente, são parecidas com as minhas (se não iguais), pelo menos nesse aspecto.
A propósito, algumas lembranças se perdem, encobertas pelo manto do esquecimento. Contudo, podem assomar, subitamente, à mente, quando menos esperarmos, acompanhadas, invariavelmente, da saudade. Há determinadas delas, porém, que nos deixam em dúvida se são de fatos realmente ocorridos ou meros frutos da imaginação. Há lugares, por exemplo, em que nunca estive e que, quando chego pela primeira vez, me parecem sumamente familiares. Lembro pouco, todavia, de dias cinzentos e chuvosos e não lembro nada de bom e proveitoso daqueles gelados, que nos mantêm encolhidos e não raro sombrios, exigindo agasalho e aconchego. Somos ou não somos seres “meteorológicos”? Eu, pelo menos, sou.

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