Wednesday, October 31, 2007

REFLEXÃO DO DIA


Podemos (e devemos) marcar nossa passagem no mundo com humildade, abnegação e capacidade de servir, sem depender da ilusão da fortuna e do poder. Basta que nos livremos do egoísmo, da cobiça e da auto-adoração e que estejamos sempre atentos ao que se passa ao nosso redor, para construir, curar, consolar e ensinar, sem esperar recompensas. Estas virão, de forma espontânea e justa, e com fartura. A principal será a certeza de termos feito o melhor que poderíamos. A poetisa Gabriela Mistral, que foi, sobretudo, mestra (na mais legítima acepção do termo), deixou-nos esta magnífica exortação a respeito: “Onde houver uma árvore para plantar, planta-a tu. Onde houver um erro para emendar, emenda-o o tu. Onde houver um esforço de que todos fogem, fá-lo tu. Sê tu aquele que afasta as pedras do caminho”. Existe ideal mais nobre do que este, de servir, espontaneamente, os que precisam? Este é o verdadeiro desafio que a vida nos impõe!

À míngua de pão e de luz


Pedro J. Bondaczuk


A Rede Globo de Televisão engajou-se em uma meritória e louvável campanha, com a ajuda de desportistas, principalmente de jogadores de futebol famosos, para incentivar a população a ler. Nada mais nobre e pertinente! Usa, como mote, a afirmação de que a leitura “também é um exercício”. E como é! Ela abre ao leitor amplos horizontes de conhecimento e reflexão e torna-o, sem dúvida, melhor, caso, é claro, leia o texto certo, no momento adequado, e saiba extrair as lições que ele contém.

Milhões de pessoas, pelo mundo afora, todavia, estão condenadas a vegetar, para sempre, nas trevas da ignorância. E não é por vontade própria, por indolência ou por má fé. É em decorrência da terrível situação social de vastas regiões e de inúmeros países em que vivem, que são economicamente inviáveis. São homens, mulheres e crianças segregados e tratados como membros de uma subespécie, abaixo até dos animais irracionais. Há cães e gatos que vivem infinitamente melhor do que esses excluídos.

São seres humanos que já nascem liminarmente condenados ao fracasso, à semi-escravidão, à miséria e a todas as suas seqüelas. E não sou eu que afirmo, mas são frios e detalhados relatórios de órgãos sérios, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) que comprovam essa dura realidade. A entidade alerta continuamente para o problema, mas suas advertências caem, via de regra, salvo honrosas exceções, em ouvidos absolutamente moucos.

Em levantamento divulgado no dia 22 passado, por exemplo, o organismo da ONU constatou que “mais de cem milhões de jovens e crianças estão presos num ciclo de pobreza, doenças e exploração sexual, por estarem longe da escola”. No Brasil, esse contingente de deserdados, felizmente, diminuiu bastante nos últimos tempos, mas não o suficiente para que deixasse de existir.

E a Unesco denuncia: “O número total de crianças e adolescentes que crescem sem freqüentar nenhum tipo de educação formal chega a 123 milhões. Só na África Subsaariana o número é de 46 milhões”. Isso acontece, é mister frisar, em pleno século XXI, o das comunicações em massa, da televisão, do celular, da internet e de outras tantas preciosas ferramentas de informação e de instrução. Ocorre em um mundo globalizado, onde mirabolantes fortunas circulam diariamente nos mercados financeiros, mas onde não sobram, a esses infelizes, a esses excluídos, a esses rejeitados da espécie, sequer míseras migalhas.

E pensar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos preceitua que “todos os homens nascem iguais, com os mesmos direitos e deveres”. “Words, words, words…”, diria, não sem razão, o velho bardo William Shakespeare. É de se estranhar que nessas circunstâncias haja tanta violência no mundo? Claro que não!

Violentos são aqueles que, por pura e estúpida ganância (já que vão morrer, como todos), privam tanta gente, não somente de comida, que a terra, generosa, provê o homem, mas do alimento espiritual: o do saber! Se sobrassem ao menos migalhas, para os quase dois terços da humanidade que vegetam na miséria, ou que estão muito próximos dela, não haveria tantas mortes causadas pela fome e por suas terríveis seqüelas, quando se sabe que as potências econômicas “pagam” aos seus agricultores para que deixem de produzir alimentos. Por que? Por uma razão bastante “objetiva”. Para evitar que a oferta se torne maior do que a procura e os preços, por conseqüência despenquem, seguindo a inflexível lei natural do mercado. Esses são os autênticos “idiotas da objetividade”, tomando emprestada a expressão cunhada pelo poeta Affonso Romano de Sant`Ana, sequiosos unicamente por crescentes lucros. Não têm a mínima noção do real significado da vida.

Este tremendo desnível, essa aberração contra a espécie, por mais nociva e estúpida que seja (anomalia tão grande que não encontra paralelo no mundo das feras ditas irracionais), tem, ainda, defensores, e que não são poucos! E os que não defendem explicitamente esse sistema, fazem vistas grossas a ele, como se não tivessem nada a ver com isso. Mas têm. Todos temos!

Vendo as imagens dos dramas cotidianos e me informando sobre todas essas aberrações, patifarias e mazelas, que os meios de comunicação, notadamente a TV, jogam com fartura, da manhã até a noite, bem no meio da minha sala de jantar, não posso me furtar de desabafar, como o escritor argentino Jorge Luís Borges: “a vida não pode ser só isso que se vê!”. Ou, pelo menos, não deve ser! E chego a outra contundente e desalentadora conclusão, a mesma a que chegou o poeta alemão Johann Wolfgang Göethe: “Está tudo aí, e eu nada sou”.

Tuesday, October 30, 2007

REFLEXÃO DO DIA


Não raro nos queixamos da falta de progresso em nossas vidas, o que atribuímos, quase sempre, à nossa inabilidade em fazer o que é necessário para sua obtenção. Em geral, desanimamos diante do primeiro obstáculo que encontramos, achando que não estamos preparados para as grandes e difíceis tarefas que temos a executar. O mais prático e eficiente seria, contudo, em vez de nos condenarmos, nos prepararmos para encarar desafios. Mark Twain deixou-nos esta recomendação que, se posta em prática, nos possibilitará alcançar o sucesso que tanto almejamos: “O segredo de progredir é começar. O segredo de começar é dividir as tarefas árduas e complicadas em tarefas pequenas e fáceis de executar. E, depois, começar pela primeira”. Conselho simples, não é verdade? E, sobretudo, revestido do mais puro bom-senso. Que tal tentarmos vezes sem fim, em vez de nos limitarmos a queixas e auto-recriminações?!

Jovem Guarda


Pedro J. Bondaczuk


O programa Jovem Guarda, que era exibido em meados dos anos 60 pela antiga TV Record, deixou muitas saudades em milhões de brasileiros, que curtiram plenamente esse movimento, até como forma de se esquecer que o país vivia, na ocasião, sob uma feroz ditadura militar, que praticamente castrou, em termos de criatividade, toda uma geração.

Até quem não viveu esse período, por ainda não ter nascido, manifesta indisfarçável fascínio por ele. Todavia o faz por motivos (e de maneira) diferentes de nós, que o vivemos em “sua” plenitude (e na “nossa”, no auge da juventude). Para esses, as músicas, as roupas, o cabelo e o linguajar dessa época soam como coisas exóticas, como símbolos ultrapassados, posto que românticos, da geração dos seus avós.

Como ocorre com todo sessentão (ou com parte considerável deles), essa fase ficou registrada em minha memória com cores muito fortes, meio que surrealistas, sem meios-tons, integrando-se à minha personalidade como parte relevante do que hoje sou. As idéias, as músicas, os trajes, a rebeldia... Tudo isso incorporou-se à nossa pessoa, espontaneamente, sem que sequer nos déssemos conta.

Cada um desses itens modificou a nossa maneira de ser, de pensar e de agir e enriqueceu (na minha avaliação) nossas diferentes biografias. Por isso, sou incapaz de pensar nesse período – que então considerava difícil (e que era, por causa da ditadura militar) sem uma pontinha de nostalgia, sem uma sensação de perda, sem que me sinta logrado pelo tempo.

Se na época, quando torcia para o tempo passar depressa, para que eu viesse a amadurecer o mais rápido possível, se alguém dissesse que me sentiria como me sinto agora, eu iria rir em sua cara e provavelmente lhe dizer uns dois ou três palavrões, dos mais cabeludos. Mas hoje gostaria tanto que aqueles anos de loucuras e de sonhos voltassem, porém sem os percalços políticos de então. Tolice minha, claro. O tempo não pára e muito menos volta.

É até meio esquisito ver ídolos daqueles anos – Roberto e Erasmo Carlos, Wanderléia, Eduardo Araújo, Martinha, Vanusa, Ronie Von, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani e tantos outros – envelhecidos, sem a picardia da mocidade, que era o seu distintivo, o seu charme, a sua graça.

Estão todos desgastados pelos anos, da mesma forma que o espelho denuncia a cada manhã que também estou. Todos são sessentões, como eram seus pais na época, aos quais se opunham tendo como expressões dessa rebeldia sem causa a roupa desbotada, os cabelos compridos, o linguajar peculiar, usados como armas no conflito (nada original) entre gerações.

O que fazer? A juventude, ao contrário do que pensamos quando estamos nela, não é uma condição permanente. Antes fosse. Num piscar de olhos, se esvai, sem avisos ou alarmes. Nós é que muitas vezes tardamos a reconhecer que ela passou, que deixamos de ser os "tops" da moda, que não somos mais os mesmos. E que uma nova geração nos substitui, sonhando os mesmos sonhos que sonhamos, lutando as mesmas batalhas que lutamos, inventando nova linguagem (como um dia inventamos) e achando que são e sempre serão originais.

Como nossos avós acharam. Como nossos pais também. Como nós... Como seus sucessores vão achar até o fim dos tempos. Mas, como dizia o filósofo, "não existe nada de novo debaixo do Sol".

Dia desses, revendo velhas fotografias da época, refleti bastante sobre esse movimento, que foi mais do que meramente musical, mas uma revolução pacífica de comportamento que alcançou o mundo, e me dei conta do quanto essa etapa da minha vida foi importante. Machado de Assis chegou a abordar essas transformações pelas quais passamos, comparando o processo a um livro (eu diria, a uma obra de humor, posto que muitas vezes descambando para o tragicômico). Escreveu: "Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes".

Aliás, antes da Jovem Guarda, eu e minha geração havíamos sido influenciados (e modificados) por outros movimentos, que tinham sua expressão mais visível (ou no caso, audível) na música popular, mas que se refletiam em todo um conjunto de comportamentos, de modismos, de formas de ser e agir.

Transviamo-nos com James Dean, nosso símbolo de rebeldia. Entramos no embalo das "pedras que rolam" do rock'n roll, com o rei do topete, Elvis Presley. Deliciamo-nos com a poesia urbana e um tanto alienada da Bossa Nova, com seu ritmo revolucionariamente dodecafônico. Tornamo-nos cabeludos com os Beatles e Rolling Stones. E para não sermos chamados de "velhos demodês", inibimos ligeiramente o senso de ridículo e aderimos ao atual rock pauleira. Corrigimos, como previa Machado de Assis, "as edições anteriores..." Talvez, todavia, para pior. Mas isso nunca iremos saber com certeza. E, caso saibamos, certamente jamais iremos admitir.

Monday, October 29, 2007

REFLEXÃO DO DIA


Os poetas costumam comparar as fases da vida às quatro estações do ano. Atribuem à primavera, a infância cheia de encantos; ao verão, a adolescência repleta de energia; ao outono, a maturidade do bom-senso e ao inverno, a velhice da solidão e frustrações. Discordo dessa comparação. Prefiro outra, mais positiva e próxima da real. Afinal, as estações do ano repetem-se a cada 365 dias, indiferentes ao fato de estarmos vivos ou não. Considero, por exemplo, a primavera como a alegria; o verão, o entusiasmo; o outono; o bom-senso e o inverno, a experiência que se consegue, apenas, com vivência. Temos essas fases não apenas uma vez na vida, mas inúmeras. Florbela Espanca, deixou-nos estes versos belíssimos a respeito: “Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la, assim, florida...” Só discordo dessa limitação: “uma”. Teremos tantas “primaveras” quantas quisermos, desde que estejamos predispostos a elas.

Células de Gaia


Pedro J. Bondaczuk


A Terra é, conforme asseguram notáveis cientistas, um superorganismo vivo, com todas as funções vitais bem caracterizadas, que eles denominam de "Gaia". Tudo o que ela contém – animais, vegetais e minerais – seria simplesmente componente desse magnífico super-ser, de extraordinária beleza quando contemplado do espaço. A teoria, se atentarmos bem, não é tão disparatada quanto possa parecer em um primeiro momento. Nós, humanos, nesse gigantesco corpo, não passaríamos de células, (possivelmente neurônios do cérebro dessa criatura).

Contudo, por nossa ação, o processo de envelhecimento de "Gaia" vem sendo acelerado e ela já está ameaçada de colapso, possivelmente iminente. O desaparecimento de espécies, o desmatamento crescente e o aumento intolerável da poluição do ar e das águas põem em risco a saúde do Planeta. Caso não se atue no sentido da preservação do ambiente natural, a Terra, como qualquer animal, poderá vir a "morrer", num futuro não muito distante, ficando "fossilizada", estéril e vazia, desolada e deserta em nosso Sistema Solar.

Comentando essa depredação ambiental – insensata, criminosa (seria, no caso, suicida) e acelerada –, Leonardo Boff conclui, no ensaio "Desafios Ecológicos do Fim de Milênio", publicado no caderno "Mais!" do jornal "Folha de S. Paulo", em 12.05.1996: "Nós, seres humanos, podemos ser o Satã da Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom".

No primeiro caso, estaremos, junto com a morte de "Gaia", decretando a extinção da nossa própria espécie (e de todas as demais). No segundo, rejuvenesceremos este magnífico organismo, ele sim com possibilidades de uma vida "quase" eterna (pelo menos enquanto durar nosso Sol, cuja falência é estimada em mais quatro bilhões de anos), garantindo a existência, saudável e segura, de milhares de gerações.

Seria o homem capaz de compreender essa relação profundíssima que tem com a Terra e mudar, em curto espaço de tempo, seu comportamento infeliz, destrutivo e absurdo? Para que isso seja possível, é necessário educar os jovens, incutindo neles a mentalidade preservacionista, não como modismo ou bandeira "ideológica", mas como ação. A dúvida é: haverá tempo para isso?

Ainda é possível reverter os sintomas de desgaste, de envelhecimento de "Gaia", que podem evoluir rapidamente para uma "doença" de caráter irreversível, que a leve em pouco tempo à morte? Sim! O ser humano pode qualquer coisa, desde que tenha vontade.

Albert Camus, aparentemente um pessimista, a julgar pelos livros que deixou, afirmou que "há nos homens mais coisas a admirar do que a desprezar". Outro escritor, o norte-americano Loren Eiseley, vai mais longe na avaliação da espécie, de tamanha fragilidade face o universo e, no entanto, de incomparável grandeza quando exercita a razão (seu distintivo e diferencial em relação aos demais seres vivos).

Acentua: "O homem sempre pertence em parte ao futuro, tem o poder de se transportar para além da natureza que conhece. Há muito tempo, criaturas armadas de paus e meras pedras começaram uma jornada que conduz a nós mesmos. Se não houvesse entre elas uma pequenina parcela de honra e amor, pequena, muito pequena, talvez não poderíamos estar aqui agora. Temos que recolher novamente essa pequenina parcela, em vez do nosso terrível equivalente das pedras e esforçar-nos por seguir adiante".

A vertiginosa reprodução humana, mormente no século 20, é aberrativa e antinatural. Em qualquer organismo vivo, essa multiplicação desordenada seria diagnosticada como um câncer. Talvez "Gaia" já tenha esse "tumor maligno" a corroê-la e em processo de metástase.

Em vários períodos da história, povos perderam o "freio" que mantém as comunidades ordenadas e sadias, chamado "moral" e pagaram altíssimo (diria intolerável) preço por isso. Foi o caso dos romanos, por exemplo, quando da invasão dos bárbaros. É o que vem acontecendo agora, com as insensatas tentativas de dissolução de uma das mais antigas e eficientes instituições humanas, a família, sem que nada de melhor seja criado.

Isso resulta numa irresponsável liberação de instintos cegos – principalmente por uma maioria despreparada para a vida –, aqueles mesmos, citados por Eiseley, como os "equivalentes das pedras". Essa perda de autocontrole faz com que a humanidade tenha, como contraponto da evolução tecnológica, um perigosíssimo retrocesso ético. Surge, em nosso século, uma "subespécie" humana, faminta, miserável, obscura e selvagem. É o anticlímax da evolução.

É preciso que valores duramente conquistados ao longo de milênios – como respeito, lealdade, honra, fidelidade, amor e solidariedade, entre outros – sejam resgatados e ampliados e não se transformem, como hoje, em simples palavras, despidas de conteúdo, despojadas de significado.

Roger William Riis lembra que "somente nós, entre as coisas vivas, descobrimos a Beleza, a amamos e criamo-la para os nossos olhos e para os nossos ouvidos. Somente nós, entre as coisas vivas, temos o dom de contemplar o ambiente que nos cerca e criticá-lo e torná-lo melhor". Exerçamos, pois, esse potencial de racionalidade. Sejamos os "anjos da guarda" de Gaia, jamais o seu "Satã".

Sunday, October 28, 2007

REFLEXÃO DO DIA


A amizade ideal requer, além de mútua e espontânea estima, de fidelidade, constância e desprendimento, um tratamento recíproco de absoluto pé de igualdade. Por exemplo, se admiramos em demasia uma pessoa, achando que ela nos é muito superior (intelectual e/ou moralmente), mesmo que de fato seja, elegemos, na verdade, um ídolo, não necessariamente um amigo. O oposto também é verdadeiro. Ou seja, se queremos que o próximo nos trate com excessivo respeito ou, até, com veneração, sem a indispensável e espontânea familiaridade, desejamos, de fato, um admirador, um fã, não um amigo. O pressuposto básico da amizade, portanto, é a igualdade de sentimentos e de tratamento. Só assim ela nasce, se arraiga, se fortalece e se perpetua. Albert Camus tem um texto modelar a respeito: “Não caminhe na minha frente; eu não posso segui-lo. Não caminhe atrás de mim; eu não posso conduzi-lo. Apenas caminhe a meu lado e seja meu amigo”.

Guerra dos sexos - Parte I


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

I - Agressor é conhecido


Estudos feitos por especialistas norte-americanos, divulgados em 1996, concluem que uma, em cada três mulheres no mundo, sofre estupro, ou abuso sexual, em alguma fase da sua vida! E que a maioria absoluta dos agressores é constituída por pessoas conhecidas da vítima.

São bastante numerosos, inclusive, os casos de incesto, em que o estuprador é o próprio pai ou irmão, que reincidem, seguidamente (às vezes por anos a fio) no crime, sem que a pessoa agredida tenha sequer a coragem de fazer a denúncia, por se sentir, de alguma forma, ameaçada. Vários livros foram escritos a respeito. Filmes e peças teatrais foram apresentados. Estudos e mais estudos têm sido divulgados. Tudo para tentar entender o que leva os homens a agir dessa forma.

Um dos livros mais completos sobre o tema, lançados ultimamente no Brasil, traz um título bastante sugestivo: "Eu Nem Imaginava que Era Estupro". Foi escrito por Robin Warshaw e publicado pela, Editora Rosa dos Ventos. É baseado num relatório da revista MS, uma das mais polêmicas e tradicionais dos Estados Unidos, dirigida por Gloria Steinem, ex-coelhinha da Playboy que se tornou escritora feminista internacionalmente famosa.

O livro ensina, entre outras coisas, a reconhecer, combater e principalmente a sobreviver psicologicamente a certas formas veladas de estupro, como aquelas cometidas por namorados, (muitas vezes até por maridos), por conhecidos, ou mesmo por parentes. Trata-se de uma das análises mais completas e mais profundas desse tipo tão comum de delito, que deixa marcas profundas nas vítimas, que as carregam pela vida inteira. Não são raras as mulheres estupradas que cometem suicídio ou que fazem uma ou várias tentativas.

Robin Warshaw tem experiência suficiente para tratar do assunto. Não por causa da profissão, já que não é médica, psicóloga, advogada e nem policial. É jornalista, especializada em temática social. Escreve para o "The New York Times", "Nation Philadelphia Inquirer Magazine" e "Woman' Day", entre outras publicações. Mas Robin passou pela terrível experiência do estupro. E resolveu escrever o livro, ao lembrar a forma como foi tratada pelas autoridades quando, na juventude, foi estuprada pelo namorado.

A jornalista constata: "Alguns jurados...ainda desconfiam da mulher que traz para o tribunal acusações de estupro por alguém conhecido. Ela é criticada pelo que fez ou por quem é, em vez de o homem ser condenado pelas suas ações criminosas". O número de condenações nesses casos, embora muito aquém do desejável, vem aumentando, nos últimos anos, nos Estados Unidos. Mas a maioria das mulheres estupradas ainda mantém em segredo as agressões sofridas.

Dois famosos casos de estupros, cometidos por pessoas conhecidas das vítimas, ambos ocorridos em 1991, nos Estados Unidos, agitaram a opinião pública, não somente norte-americana, mas de todo o mundo, pelos desfechos diferentes que tiveram, suscitando toda a sorte de debates em torno do tema.

Em um, ocorrido no Estado da Flórida, o estuprador escapou impune e foi absolvido pelos jurados. Em outro, no Estado de Indiana, o agressor (como o primeiro, também figura de grande projeção internacional), foi condenado a seis anos de prisão, tendo cumprido, encarcerado, mais da metade da pena. O primeiro dos acusados era um jovem branco, membro de uma das mais tradicionais famílias norte-americanas (sobrinho do senador Edward Kennedy) e estudante de medicina, famoso com playboy e grande conquistador.

O segundo réu era negro, ex-campeão mundial de boxe dos pesos pesados, autêntico mito do esporte, com fama de truculento, tendo várias passagens pela polícia por agressão, inclusive contra mulheres.

O primeiro, William Kennedy Smith, foi isentado de culpa (apesar das contundentes provas da sua culpabilidade) de haver estuprado Patrícia Bowman, mãe solteira, que acabou sendo tratada no tribunal não como vítima, que de fato era, mas como se fosse a criminosa.

O segundo, o boxeador Mike Tyson, foi condenado, pelo mesmo delito, a seis anos de prisão, pelo estupro de Desirre Washington, caloura de faculdade, de 18 anos, concorrente ao título de Miss Black America pelo Estado de Rhode Island.

Analisando o primeiro caso, Robin Warshaw escreve em seu livro: "A ação contra (William Kennedy) Smith (sobrinho do senador Edward Kennedy)... alterou o processo de Patricia Bowman muito antes da intimação do tribunal. Os investigadores de acusação interrogaram-na reiteradamente sobre sua queixa contra Smith, um membro do proeminente clã dos Kennedy. Perguntaram sobre seu uso ilegal de drogas, sua saúde mental, até por que ela não tinha pagado a conta de um alergista há nove anos. Mas essas investigações não representaram nada, comparadas com sua dissecação pública por uma mídia voraz, tanto impressa como eletrônica. Afinal, isso era uma história dos Kennedy e, embora os detalhes do caso fossem dolorosamente comuns, a maneira como a imprensa tratou o caso não o era. Enquanto Smith era retratado, na maioria das vezes, como um estudante de medicina/playboy, seguindo os passos movidos a testoterona dos seus parentes masculinos, a história pessoal de Bowman era revelada minuciosamente, de forma excruciante e condenatória".

O caso em questão ilustra bem como as vítimas de estupro são tratadas, na maioria dos casos, quando recorrem à justiça. Principalmente quando o agressor ocupa posição social de destaque e a mulher estuprada tem antecedentes que não sejam abonadores. Raramente a imprensa e os jurados se atêm, em tais circunstâncias, estritamente às provas. A queixosa acaba sendo tratada como criminosa, tendo sua vida esmiuçada publicamente, em especial nos detalhes escandalosos (caso existam).

Warshaw comenta: "No New York Times, o jornal mais importante da nação e talvez do mundo, os leitores tomaram conhecimento dos pormenores confusos do divórcio dos pais de Bowman, que ela 'teve uma pequena rebelião selvagem' na escola secundária, 'trabalhava esporadicamente' e nunca casou com o pai do seu filho. O tom crítico da matéria do Times foi claramente expresso pela sua manchete, 'Inquérito de Estupro de Mulher na Flórida, um Salto Rápido na Ascensão Econômica e Social". A implicação era clara: pôr em dúvida os motivos de uma mulher com raízes da classe operária que apresentava acusação de estupro contra um Kennedy".

E a jornalista conclui: "...O estupro ainda constitui um pesado estigma social para quem o sofre". Esta, aliás, ainda é a realidade na maior parte do mundo. A vítima sofre, tanto na carne quanto e principalmente em sua dignidade, esse tipo (tão comum) de agressão, mesmo que consiga a reparação na Justiça.

A respeito do rumoroso caso da Flórida, Robin Warshaw informa: "No banco das testemunhas, Bowman contou sua história: ela encontrou Smith num bar, à primeira vista não se deu conta de que ele era o sobrinho do senador Edward Kennedy, dançou com ele e deu-lhe uma carona até a casa da família dele, em frente à praia, por solicitação dele. Eles caminharam na areia, beijaram-se, e depois Smith a derrubou e a estuprou. Havia lacunas e inconsistências no seu relato".

Quem acompanhou o julgamento, no recinto do tribunal ou através dos meios de comunicação, que deram ampla cobertura do caso, pôde perceber a ostensiva má vontade do juiz que presidia a sessão, em relação à queixosa. Ele chegou a recusar, sem nenhuma explicação, o testemunho de três mulheres, que disseram ter sido agredidas por Smith, sob circunstâncias similares às de Bowman.

Ficou mais do que claro que o magistrado já havia "preconcebido" seu veredito. E este era favorável, evidentemente, ao jovem Kennedy, no que foi secundado pela maior parte da mídia de todo o país. O mesmo ocorreu, provavelmente, com os jurados. Os membros do júri impressionaram-se tanto com o desnível social dos protagonistas do caso, quanto com a vida pregressa da vítima, quando lhes competia, tão somente, julgar se atendo, "exclusivamente", às provas do processo, que eram esmagadoras contra o agressor. Tanto isso é verdade, que precisaram de somente 77 minutos para decretar a inocência de William Kennedy.

Warshaw relata, ainda: "Na semana seguinte (ao depoimento da queixosa), Smith contou a sua versão: ele dançou com Bowman, eles se beijaram, depois ela lhe ofereceu uma carona para casa. Ele achou que ela estava agindo de forma confusa e desorientada, mas teve relações sexuais com ela assim mesmo. Quando ele a chamou pelo nome de uma outra mulher, ela o 'mordeu' e bateu nele. Em seguida, ele foi nadar. Quando viu Bowman alguns minutos mais tarde, ela o acusava de estupro. Smith disse que ele não sabia a origem das equimoses, mais tarde visíveis no corpo dela".

Qual a conclusão que se pode tirar dos depoimentos das vítimas, nesse julgamento e no de Mike Tyson? A óbvia! Robin Warshaw afirma: "Através das histórias que Bowman e (Desirre) Washington contaram, os homens pareciam supor que tinham direito a sexo, que as mulheres que estavam com eles eram inconseqüentes e que alguma resistência deveria ser ignorada".

Essa, aliás, é a mentalidade de todos estupradores, conforme ficou patenteado na ampla e abrangente pesquisa nacional feita pela revista MS, envolvendo mais de seis mil entrevistas, em todo o território dos Estados Unidos. Parte considerável dos que cometem estupro (e até grande parcela das vítimas, mal informadas) não consideram que aquilo que fizeram foi errado, e que foi, por conseqüência, um crime. Deixam implícito um suposto "direito a sexo" com suas vítimas. E consideram a resistência das mulheres não como explícita e clara recusa ao ato sexual, mas como "parte do jogo" de sedução e conquista.

Sobre o caso de Mike Tyson, Robin Warshaw escreve: "Desirre Washington era caloura de faculdade, aos 18 anos, concorrente a Miss Black America de Rhode Island, e tinha viajado para Indianápolis para o concurso de 1991. Ela e outras concorrentes conheceram Tyson e pediram-lhe que posasse para uma foto. Quando ele marcou um encontro com Washington, ela lhe deu o número do telefone de seu quarto de hotel. Ele ligou após a meia-noite, oferecendo-lhe um passeio em sua limusine. Tyson tentou beijá-la na limusine. Quando ela recuou, ele comentou que ela era 'uma boa moça cristã'. Depois disse que tinha de voltar ao seu quarto para dar um telefonema. Foi lá que ele a agarrou, eles lutaram, e ele a estuprou. Um médico na sala de emergência disse que os ferimentos de Washington eram coerentes com um estupro. O chofer de Tyson testemunhou que a mulher estava perturbada quando deixou o quarto de hotel do boxeador. Tyson contestou a acusação, dizendo que Washington teve relações sexuais com ele voluntariamente. A defesa argumentou que ela consentiu para obter dinheiro. Sustentaram que a reputação de Tyson como mulherengo era tão notória que ela sabia que aceitando um encontro com ele significava concordar em ter também relações sexuais".

As provas contra o lutador de boxe, negro, apesar de contundentes e esmagadoras, eram até mais inconsistentes e mais fracas do que as apresentadas contra William Kennedy Smith, branco. No entanto, um foi condenado (justamente por sinal) e o outro absolvido (contrariando as mais primárias regras de justiça). Claro que o "status" e a cor pesaram, e muito, em decisões tão diferentes, para delitos tão semelhantes, apesar das reiteradas e enfáticas negativas dos envolvidos nos dois julgamentos, naquela ocasião.

Para enfatizar as inconsistências legais dos tribunais norte-americanos, nos casos de estupro, Robin Warshaw narra, em seu livro, outro caso que ficou famoso nos Estados Unidos: "Exatamente quão inconsistente já pode ser uma lei estadual protetora do estupro, especialmente quando aplicada num caso de estupro por alguém conhecido, ficou claro durante um julgamento em Nova Jersey em 1992 que despertou a atenção do país. Focalizava um acontecimento de 1989, quando treze rapazes adolescentes do confortável subúrbio de Glen Ridge encontraram uma moça de 17 anos que conheciam. Eles lhes prometeram um encontro com um deles, se ela os seguisse até o porão de uma casa. Ali os rapazes mandaram a moça tirar a roupa, acariciar a si mesma e fazer sexo oral com alguns deles. Ela fez. Depois, alguns dos adolescentes inseriram um cabo de vassoura, um fino bastão de beisebol e uma vareta, um de cada vez, na sua vagina, enquanto os que observavam insistiam, 'mais fundo'. Essa seqüência chocante foi agravada pelo fato central do caso: a menina era levemente retardada, com um Q.I. de 64 e o nível de relacionamento social de uma criança de oito anos. Ao longo da sua vida, ela sempre fez tudo que seus companheiros e companheiras lhe pediam que fizesse. Os jovens conheciam sua história. Devido às suas limitações mentais, o que aconteceu não foi meramente uma fantasia sado-sexual adolescente, vivida à custa de uma menina submissa --- foi estupro de gangue".

E a jornalista conclui: "Quatro homens foram a julgamento, acusados de ataque sexual e conspiração: Kevin e Kyle Scherzer, Christopher Archer e Bryant Grober. Três tinham 21 anos quando o julgamento começou; um tinha vinte...O júri condenou os quatro". Neste caso, os jurados agiram como deveriam agir. Ou seja, atendo-se exclusivamente às provas dos autos e ao texto da lei penal do Estado.

O que, afinal, caracteriza o estupro? Muita gente ainda confunde esse crime com o de sedução. A maior parte dos estatutos norte-americanos, no entanto, descreve esse delito da seguinte forma: "penetração sexual não desejada, realizada por força, ameaça de ferir, ou incapacidade mental ou física de dar consentimento (incluindo intoxicação)". Descrição clara, direta e objetiva, para não deixar nenhuma dúvida!

Robin Warshaw acrescenta: "...Estupro é violência, não sedução. No estupro por um estranho e no estupro por alguém conhecido, o agressor toma a decisão de forçar sua vítima a se submeter à sua vontade. O estuprador acredita que ele tem o direito de forçar relações sexuais com uma mulher e vê a violência interpessoal (seja simplesmente dominando a mulher com seu corpo ou brandindo uma arma) como uma maneira aceitável de conseguir seu objetivo".

Susan Brownmiller, no seu livro referencial "Against Our Will: Men, Women and Rape" (Contra Nossa Vontade: Homens, Mulheres e o Estupro), conclui, oportunamente: "Todo estupro é um exercício de poder".

Milhões de norte-americanas são vítimas, anualmente, desse tipo de agressão. Variam as circunstâncias, mas a forma de ação e a mentalidade que a move é sempre a mesma. De acordo com o estudo da revista MS, uma em cada 4 mulheres entrevistadas pelos pesquisadores, foi vítima de estupro ou tentativa de estupro. Oitenta e quatro por cento das mulheres estupradas conheciam seus agressores. Cinqüenta e sete por cento dos estupros aconteceram em encontros.

Num ano, 3.187 mulheres denunciaram que sofreram: 328 estupros (como definidos por lei); 534 tentativas de estupro (como definidas por lei); 837 episódios de coerção sexual (relação sexual conseguida pelos argumentos continuados ou pressão do agressor) e 2.024 experiências de contato sexual não desejado (carícias, beijos ou afagos contra a vontade da mulher).

Um, em 12 estudantes pesquisados, no estudo da revista MS, tinha cometido atos que se enquadravam nas definições legais de estupro ou tentativa de estupro. Para ambos, homens e mulheres, a idade média em que ocorria um estupro (tanto como perpetrador quanto como vítima) era de 18 anos e meio. Apenas 27% das mulheres, cuja agressão sexual se enquadrava na definição legal de estupro, pensaram em si mesmas como vítimas de estupro.

Mais ou menos 75% dos homens e pelo menos 55% das mulheres envolvidos em estupros por alguém conhecido estiveram bebendo ou tomando drogas imediatamente antes do ataque.

Das 3.187 estudantes universitárias pesquisadas pela revista MS, 15,3% tinham sido estupradas; 11,8% foram vítimas de tentativa de estupro; 11,2% viveram experiência de coerção sexual e 14,5% tinham sido tocadas sexualmente.

Quarenta e um por cento das mulheres que foram estupradas eram virgens na época das suas agressões. Quarenta e dois por cento das vítimas de estupro não falaram com ninguém sobre suas agressões. Somente 5% denunciaram seus estupros à polícia. Somente 5% procuraram ajuda em centros que prestam auxílio em caso de estupro.

Oitenta e três por cento das mulheres que foram estupradas por homens que elas conheciam tentaram argumentar ou negociar com seu agressor; 77% se mantiveram quietas, na esperança de repeli-lo; 70% lutaram fisicamente; 11% gritaram por socorro e 11% tentaram fugir.

Quarenta e dois por cento das mulheres que foram estupradas disseram que tiveram sexo novamente com os homens que as agrediram. Cinqüenta e cinco por cento dos homens que estupraram disseram que tiveram sexo novamente com suas vítimas. Quarenta e um por cento das mulheres estupradas disseram que acham que serão estupradas novamente.

Tendo ou não reconhecido sua experiência como estupro, 30% das mulheres identificadas no estudo da revista MS como vítimas de estupro consideraram o suicídio após o incidente; 32% procuraram psicoterapia; 22% entraram em cursos de autodefesa e 82% disseram que a experiência modificou-as de forma permanente.

No ano anterior ao estudo da revista MS, 2.971 homens com instrução universitária relataram que cometeram: 187 estupros, 157 tentativas, 327 episódios de coerção sexual e 854 incidentes de contato sexual não desejado. Dezesseis por cento dos estudantes homens que cometeram estupro e 10% dos que tentaram um estupro tomaram parte em episódios envolvendo mais de um agressor. Trinta e oito por cento das moças estupradas tinham 14, 15, 16 ou 17 anos na época das suas agressões.

(CONTINUA)

(Texto do meu livro, inédito, "Guerra dos Sexos")

Saturday, October 27, 2007

REFLEXÃO DO DIA


Quem tem fé, nunca dá uma batalha por perdida, por mais que pareça que não haja mais salvação. Por mais escura que seja a noite, acredita que logo haverá muita luz para guiar os seus passos, com segurança e firmeza, rumo aos seus objetivos. Quando tudo parece irremediavelmente perdido, acredita, sem titubear um só instante, numa reversão de expectativas e não duvida, em momento algum, do sucesso. E, por acreditar de forma tão absoluta na superação dos obstáculos, via de regra tende a reverter situações aparentemente irreversíveis e a alcançar, de fato, a pretendida vitória. O poeta Rabindranath Tagore criou uma bela metáfora a respeito, num inteligente verso, que diz: “Fé é o pássaro que sente a luz e canta quando a madrugada é ainda escura”.

Jardim de Prosérpina


Pedro J. Bondaczuk


Meia-noite. Insônia. Ar parado e opressivo.
Leve brisa agita discretamente as folhas das
plantas do inculto jardim de Prosérpina
--- mulher de Júpiter, mãe de todas as fúrias –
e, com dedos profanos de pluma e de seda,
acaricia, de leve, meus cabelos, com o toque
erótico e lúbrico dos dedos elétricos
da minha amada na antevéspera do sexo.

Ao longe, a Babel de cimento e de vidro,
fornalha implacável e voraz de sacrifícios
de Baal, que consome esperanças e desejos
e sonhos, e talentos, e ilusões, e vidas
e amores, e certezas, e encantos,
em nome do pagão e mítico mercado,
dorme o sono inconsciente dos canalhas.

Mas há atividade na penumbra dos bastidores,
dos ratos, das prostitutas e dos marginais,
neste tétrico palco de vilezas e de cinismo
em que se encena interminável tragicomédia
à luz sinistra de avermelhada lua cheia.
Sons, muitos sons, confusos e indefinidos
pontuam a noite, povoada por fantasmas,
sirenes, buzinas, suspiros, gemidos, arquejos
gritos, imprecações, murmúrios, vociferações,
amores vendidos à luz de um abajur lilás.

E a Babel, impávida, desafia os deuses,
o tempo, o vento e a lei da gravidade,
com tentáculos imóveis, de cimento e vidro,
e sua bocarra sinistra, gulosa e faminta,
a engolir, implacável, esperanças e vidas
enquanto passeio, entorpecido e insone
nas alamedas do inculto jardim de Prosérpina.

(Poema composto em Campinas, em 25 de outubro de 2007)

Friday, October 26, 2007

REFLEXÃO DO DIA


O amor entre um homem e uma mulher, por mais profundo e desinteressado que seja, só sobrevive e se realiza se é correspondido. Trata-se de maravilhosa sinfonia, mas que exige, sempre, um dueto, jamais um solo, para existir com beleza e transcendência. Sua sobrevivência, crescimento e perpetuação é tarefa a dois. É um aprendizado constante e ininterrupto. Se o amor não existir, o desejo que aproxima duas pessoas logo esfria e se desvanece. E a paixão, que nasce súbita e explosiva, desaparece, com a mesma intensidade e rapidez, por não fincar raízes no coração dos parceiros. É, pois, tarefa não de um dia, um mês ou um ano, mas de uma vida inteira. Affonso Romano de Sant’Anna nos lembra, com pertinência: “Amor é uma tarefa a dois e um aprendizado ininterrupto. É ele que dá sentido ao desejo e enraíza a paixão”. É, sobretudo, partilha espontânea de corpos, almas, objetivos e destinos. E sempre em absoluto pé de igualdade.

Deixai os namorados


Pedro J. Bondaczuk

O saudoso poetinha, Vinícius de Moraes, por tudo o que escreveu, em verso e prosa, bem que poderia ser considerado uma espécie de “patrono nacional dos namorados”. Quase tudo o que nos legou – quer se trate de poesia, quer de crônicas, quer, e principalmente, de letras de inesquecíveis canções que enriquecem e valorizam a MPB – tem, como temática central, o amor, com todas as suas nuances e contradições. Fala-nos de ciúmes, de saudades, de beijos, de dotes da mulher amada e de tantos e tantos outros aspectos desse maiúsculo sentimento, que nos causa tantos delírios, mas também tantos sofrimentos (quando não correspondido, claro).
Pincei, aleatoriamente, este trecho do livro de Vinicius de Moraes, “Para viver um grande amor” (Companhia das Letras, 1991), que diz: “Nada há de mal no beijo dos namorados, como no amor dos pássaros. Deixai-os nos seus parques, nas suas ruas escuras, nos seus portões de casa. Deixai-os namorar...” Nem sempre deixam. E isso não de hoje, mas desde sempre, desde épocas remotas, perdidas no tempo.
Ora alega-se a pouca idade do casal (ou de um dos seus componentes) para impedir seu namoro, ora a diferença de classes sociais (ainda se utilizam essas alegações, por incrível que pareça!), ora as inimizades entre suas respectivas famílias e vai por aí afora. Arrolam-se infindáveis pretextos para atrapalhar esse momento ímpar na vida de qualquer pessoa, como se alguém tivesse (seja quem for) esse direito.
O trecho que citei acima é da crônica “Namorados Públicos”, que consta do livro mencionado, que já li e reli dezenas de vezes e não canso de tornar a ler. Mas não é bem Vinícius e sua obra que vou abordar nestas descompromissadas considerações. Tudo isso é pretexto para confidenciar que acabo de ler, pela décima vez, a peça “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, e que encontrei novidades insuspeitadas, que nas nove leituras anteriores não havia encontrado.
Não me refiro, claro, ao enredo, que como a maioria das pessoas cultas (e das nem tanto), conheço de trás para a frente, de cor e salteado, e sou capaz de repetir tim-tim por tim-tim. O que me chama, em especial, a atenção, são as metáforas utilizadas por Shakespeare. Muitos não sabem, mas o gênio de Stratford-on-Avon considerava-se não propriamente um dramaturgo, mas, sobretudo, poeta.
Tanto que, em vida, não publicou uma única das suas tantas peças, que só vieram a ser publicadas sete anos após a sua morte (ocorrida na data do seu 52º aniversário, em 23 de abril de 1616). Enquanto vivo, ele bancou as publicações de dois poemas narrativos (“Vênus e Adonis” e “O rapto de Lucrecia”) e de uma coletânea de 164 sonetos, aliás, considerados, quase que consensualmente (com o que, também, concordo) dos mais belos já escritos em todo o mundo e em todos os tempos.
Para “saborear” melhor o drama de Romeu e Julieta (que se passa, apenas, em cinco dias, desde que os dois jovens, quase meninos – ela com treze anos, prestes a completar catorze e ele com dezesseis anos – se apaixonam, até o momento em que ambos morrem), recorri, desta vez, ao texto original em inglês, editado por T. J. B. Spencer (Penguim Books, 1967).
E por que fiz isso, se é notória a minha dificuldade nesse idioma, no qual não sou, propriamente, um “expert”? Porque ele apresenta características que em nenhuma das quatro traduções que li (a de Décio Pignatari, da Companhia das Letras; a de Izabel de Lorenzo, da Editora Sol; a de Carlos Alberto Nunes, da Editora Melhoramentos e a de Onestaldo de Penna Fort, esta mais antiga, de 1940, publicada pelo MEC) dá para constatar.
Vale a pena, e muito, esse esforço. Descobri, por exemplo, na edição em inglês, que o diálogo entre Romeu e Julieta, que se inicia na Cena 5 do Primeiro Ato e se prolonga, daí por diante, é apresentado na forma de sonetos. E para um projeto de poeta, como eu, viciado em poesia como sou, isso é a delícia das delícias. Já nas traduções que li, esse mesmo trecho (embora muito bem exposto) está em forma de prosa, de texto corrido, o que, no meu entender, reduz muito o seu impacto.
São grandiosas, por exemplo, as palavras que Shakespeare coloca na boca de Romeu, ao ver sua amada desfalecida, julgando que o entorpecente que ela tomara fora veneno e que estivesse morta e não apenas desacordada: “Ah, Julieta querida, como você pode estar tão bela ainda? Será que o fantasma da morte, esse monstro horrível, se apaixonou por você e a escondeu aqui na escuridão para fazer de você sua amante? Com medo disso, eu vim protegê-la para sempre: nunca mais deixarei este palácio sinistro e tenebroso!”.
E arremata, desta forma, antes de, ele sim, tomar o veneno que poria fim à sua vida: “Aqui, aqui mesmo ficarei, junto aos vermes que são seus servidores; aqui estabelecerei minha morada eterna, libertando do peso das estrelas funestas este corpo cansado do mundo. Meus olhos olhem pela última vez! Meus braços, abracem pela última vez! E lábios, que são portas de alento, selem com um beijo legítimo este pacto a prazo com a morte voraz!”.
Há casos e mais casos, pelo mundo afora, não importando tempo e lugar, de namoros dramáticos como este, descrito pela inspirada pena de William Shakespeare. São amores atrapalhados por moralistas de plantão, por basbaques empedernidos e por infelizes de carteirinha, que sofrem com a felicidade alheia. Por isso, renovo o apelo com que iniciei estas descompromissadas considerações, recorrendo, de novo, ao poetinha Vinícius de Moraes e reiterando, enfático: “Deixai-os (os namorados) nos seus parques, nas suas ruas escuras, nos seus portões de casa. Deixai-os namorar...”

Thursday, October 25, 2007

REFLEXÃO DO DIA


Prevalece no mundo materialista de hoje a mesquinha e equivocada idéia de que só é útil a pessoa que tenha condições de trazer vantagens materiais a alguém ou a toda a sociedade. É uma forma estúpida e injusta de julgamento. Há, por exemplo, indivíduos carentes e frágeis, que por circunstâncias da vida não têm como se enquadrar nesses critérios de utilidade, porque portam alguma deficiência física, mental ou psicológica e dependem dos outros para sobreviver. No entanto, ostentam uma capacidade ímpar de doar amor. São fidelíssimos nas amizades. Manifestam-nos compreensão, carinho, gratidão e, não raro, até devoção, nas horas que mais precisamos. E o afeto, a amizade e a fidelidade, convenhamos, não têm preço. O que são, afinal, “coisas”, por mais preciosas que sejam, senão bugigangas que o tempo torna inúteis? Robert Louis Stevenson chegou à mesmíssima conclusão ao afirmar: “Enquanto se tenha ao menos um amigo, ninguém é inútil”.

Oportunidade perdida


Pedro J. Bondaczuk


O escritor William Faulkner, notoriamente um homem bem-sucedido na vida, como um dos maiores clássicos da literatura norte-americana e mundial, tinha uma tese bem peculiar acerca do sucesso. Afirmava que se tratava de um "matador" da criatividade, dessa ânsia de perfeição que todas as pessoas devem ter, seja qual for a sua atividade, até o último instante da existência.
O italiano Alberto Morávia expressou a mesma idéia, em tempos recentes. Estariam ambos com a razão? Os fracassados seriam os verdadeiros gênios das artes e das ciências? Seriam os chamados donos da verdade? Enxergariam aquilo que eventualmente ninguém mais vê? Claro que não! E nem os dois escritores fizeram qualquer apologia do fracasso.
Ambos quiseram, apenas, alertar sobre a tendência que todos temos à acomodação, a "dormir sobre os louros" conquistados. Afinal, o satisfeito consigo próprio é, na verdade, um derrotado. Ademais, não foram apenas William Faulkner e Alberto Morávia que escreveram a respeito. Ressalte-se que é voz corrente que o sucesso transforma para pior as pessoas. Que os bem-sucedidos se tornam arrogantes, prepotentes e indiferentes. Em alguns casos, isso, de fato, ocorre, mas está longe de ser a regra. É mera exceção.
Quem age assim, é bem-sucedido por pouco tempo. Não tarda para que despenque da sua arrogância. Seu sucesso é parcial e transitório. O fracassado, sim, é perigoso. Alimenta antagonismos, mágoas e ressentimentos e busca derrubar todos que vê pela frente. Por isso, sou levado a concordar (em parte) com Sommerset Maugham, quando constata: “A idéia de que o sucesso deteriora as pessoas, fazendo-as vaidosas, egoístas e complacentes consigo próprias é errônea. Ao contrário, para a maioria delas, torna-as modestas, tolerantes e gentis. O fracasso é que faz as pessoas cruéis e amargas”.
Mas... nem tanto ao céu e nem tanto à terra. Há sucessos e sucessos, assim como há fracassos e fracassos. Tudo é muito sutil, muito vago, muito tênue. Não raro achamos que fomos bem-sucedidos em alguma empreitada quando, na verdade, fracassamos, e vice-versa. Só o tempo pode dizer quando obtivemos uma coisa ou outra.
O tema vem a propósito de uma situação que ocorreu comigo há exatos 44 anos. Eu atravessava, na época, uma fase de intensa criatividade, que nunca mais se repetiu com a mesma intensidade. Fazia dois anos que trabalhava numa emissora de rádio do ABC e já havia conquistado um troféu de “locutor revelação” da região.
Simultaneamente, dava meus primeiros passos no jornalismo, em um pequeno jornal de Santo André, como repórter (dois anos, portanto, antes de me tornar editor, função que exerço até hoje) e meus textos eram muito elogiados pela chefia. Posso dizer que estava no auge do sucesso (pelo menos do que eu entendia que ele fosse).
Foi quando conheci o músico e compositor Edmar Fenício. O sujeito sabia tudo de violão, do clássico ao popular. Compunha músicas e mais músicas, que se limitava a mostrar aos amigos, e nunca pensou em procurar um bom cantor que as gravasse. Foi quando caíram-lhe nas mãos alguns poemas meus que, pelo visto, o encantaram. Ele pediu licença para musicá-los e eu, mais por curiosidade do que outra coisa, concordei. O resultado foi espetacular.
Ele passou a cantar essas nossas composições num bar da Rua Santa Catarina, em São Caetano do Sul, onde nos reuníamos, todas as sextas-feiras, para ouvir boa música, jogar conversa fora e tentar “salvar o mundo”, já que nosso grupo contava com poetas, jornalistas, advogados, sociólogos etc., alguns muito bem-sucedidos na vida mais tarde e cujos nomes prefiro não declinar. Não sei se eles gostariam de lembrar daqueles tempos loucos de juventude, anteriores ao golpe de 1964.
Na ocasião, a Bossa Nova estava no auge. Edmar, mágico do violão, reproduzia a caráter a célebre batida descoberta por João Gilberto, que deu origem a esse movimento musical que revolucionou a MPB. Num determinado dia, entre uma bebida e outra, ambos já um tanto “pra lá de Marrakesh”, o compositor convidou-me para ser seu parceiro fixo. Topei na hora. Compusemos, sem favor algum, em torno de 50 sambas, que me pareceram excepcionais.
Como o Edmar era o músico, deixei com ele todas as letras, para que as colocasse no pentagrama. Não guardei uma única comigo. Claro que foi uma imensa bobagem da minha parte. Ademais, meu ilustre amigo vivia me prometendo que “qualquer dia”, iria me dar cópias do calhamaço de composições que tínhamos elaborado em conjunto. Foi mais longe: disse que me daria uma fita, com todas as nossas músicas devidamente interpretadas por um cantor, nosso amigo.
Naquele tempo, os gravadores não eram nem sombra dos de hoje. Tinham, sem nenhum exagero, as dimensões de uma enorme mala de viagens, com dois rolos enormes. Não dava para ficar levando de um lado para o outro, aquele trambolho. Eu tinha o meu, se não me engano da marca “RCA Victor”. Esperei, esperei e esperei que o Edmar cumprisse a promessa, e nada. A bem da verdade, espero até hoje.
Subitamente, a vida nos separou. Cada qual seguiu o seu caminho e nunca mais nos encontramos. Sei que meu amigo compositor não se apropriou das nossas composições para fins comerciais. O cara podia ser tudo, menos desonesto. Afinal, nunca ouvi, em lugar ou tempo algum, as músicas que fizemos juntos. Como ele era um sujeito bagunçado (como a maioria dos gênios), certamente perdeu aquelas preciosidades, que poderiam nos render fama e, quem sabe (embora ache um tanto duvidoso) fortuna.
Aquelas tantas e tantas letras, brotadas da minha mais refinada inspiração, perderam-se para sempre. É como se jamais tivessem existido. A bem da verdade, eu não ficava nada a dever ao Edmar em termos de desorganização. Quando digo isso, as pessoas que trabalham comigo, notadamente meus subordinados, não acreditam.
Ocorre que, com o treinamento proporcionado pela função de editor que exerço, descambei de um extremo ao outro. De um sujeito totalmente desorganizado, tornei-me uma pessoa meticulosa em excesso, dessas que causam irritação nos colegas que não conseguem se organizar. Coloquei, até, na minha ilha de edição da redação, este lembrete, que os repórteres detestam: “Da desordem das coisas, vem a desordem das idéias”.
Todavia é tarde para me organizar. Perdi, por não ser organizado (um pouquinho que fosse), entre outras coisas, a oportunidade de me projetar na MPB. Exagero? Quem sabe! Não que eu fosse um Vinicius de Moraes ou um Chico Buarque, longe disso. Mas até que as minhas letras (e sobretudo as músicas do Edmar), não só davam para o gasto, como iam (sem falsa modéstia) um pouco além disso.
Nunca mais me meti a dar uma de compositor. Nem por isso, no entanto, o “fracasso” (se é que a experiência possa ser rigorosamente classificada dessa forma) deixou-me amargo e cruel, como previu Sommerset Maugham. Talvez tenha deixado, apenas, um tantinho frustrado, o que é normal, não é mesmo paciente leitor? Acaso você não ficaria, se estivesse em meu lugar?

Wednesday, October 24, 2007

REFLEXÃO DO DIA


Apego-me, ferrenhamente, por convicção e formação, a pessoas, jamais a coisas. Tenho noção do quanto o conceito de propriedade é nocivo para a convivência harmoniosa dos homens. Nada, efetivamente, me pertence. O que “tenho” só é meu enquanto eu estiver vivo. Ou seja, toda posse é transitória. Claro que não saio distribuindo, tolamente, por aí o que consigo com o fruto do meu trabalho. Mas quando perco, o que quer que seja, não me sinto frustrado ou derrotado. Esse sentimento, porém, é bem diferente quando ocorre a perda de um parente, um amor ou um amigo. Estes, sim, são meus patrimônios. Quando essa perda acontece, por desavenças, morte ou por outras circunstâncias, sinto morrer um pouco. Fico menor, mais pobre e mais mesquinho. E essa sensação sequer é exclusiva. Emily Dickinson, por exemplo, declara, num magnífico verso: “Todo meu patrimônio são meus amigos”. O meu também! Esta é a riqueza que busco preservar a todo custo.

No princípio era o verbo...


Pedro J. Bondaczuk


O meu mundo é o das palavras. Pesquiso-as, sorvo-as, bebo-as, uso-as, faço delas minha voz, minha vez, minha forma de ser e de dizer presente diante dos meus pares. São meu instrumental, meu ar, minha luz intelectual, o alimento do meu espírito, a matéria-prima dos meus sonhos, dos meus versos, das minhas elucubrações. São a minha forma de ganhar o pão sagrado e indispensável de cada dia. São meu credo, meu objetivo, minha alegria e minha preocupação. Desde que surgiu o primeiro ser inteligente no mundo, vivemos por palavras, lutamos por palavras, morremos por palavras.

Os grandes líderes da espécie humana, os guardiões do sagrado ou do profano; os mestres sublimes como Cristo, Buda, Maomé, Lincoln, Gandhi; ou os verdugos do gênero humano, como Alexandre, Júlio César, Átila, Napoleão ou Hitler; os poetas e os profetas; os filósofos e os feiticeiros; os disseminadores das ciências e os arautos do obscurantismo fizeram delas o seu instrumental de luz ou de trevas, de liberdade ou de opressão, de inteligência ou de ignorância. de grandeza ou de miséria.

Nunca vou me cansar de lê-las, de estudá-las, de aprendê-las, de dissecá-las, de entendê-las, de utilizá-las para dar corpo aos meus sonhos. E como são caprichosas! Como são mutantes, volúveis, instáveis, sensíveis! Pablo Neruda lembrou, em um magistral poema: "Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que lhe obedeceu./Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes./São antiquíssimas e recentíssimas./Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada..."

Diz-se que o homem foi feito "à imagem e semelhança de Deus". Esta parecença, porém, estes sutis traços semelhantes, essa identidade que nos torna "filhos" do Criador do Universo, não estão no físico, no tamanho, no peso, na altura, na beleza, na glória ou na resistência. O homem é pequeno, é frágil, é feio, é miserável e é fraco. A "semelhança" reside na possibilidade mágica, fantástica, miraculosa de se comunicar através de signos coerentes e inteligíveis para todos. Nessa magia, nesse encantamento, nesse milagre que é a palavra. Porquanto, "no princípio era o verbo...", que sempre pré-existiu e continuará existindo quando (ou se) já não mais houver matéria, energia, cosmo, espaço, vazio...

O professor norte-americano Stephen Greenblatt lembra que "nossas palavras estão cheias de vestígios que sequer compreendemos completamente quando falamos, de vozes que existiram no passado e silenciaram, estão mortas. Nossas vidas estão cheias das presenças fantasmagóricas de nossos ancestrais, de nossos pais, de nossos avós, das figuras que nos tocam e em relação às quais tentamos nos situar". Sinto que a única chance que tenho para que, com a minha morte (fatalidade impossível de evitar) não desapareçam todos os vestígios de que existi, amei, odiei, trabalhei, sofri, fui feliz, acertei, errei e aspirei à imortalidade, é a palavra.

Mas essa essência da sabedoria universal requer talento no trato. Exige que quem dela se utilize – quer no relacionamento corriqueiro do cotidiano, quer na nobreza do raciocínio – o faça com competência, com atenção, com carinho. Mark Twain alertou que "palavras são como granadas. Quando usadas inadequadamente, explodem". Seu uso desastrado propicia desentendimentos, conflitos, separações, ódios, incompreensões, guerras e mortes. Frustram, humilham, aborrecem, desanimam, matam.

O poeta Fagundes Varela, considera-a a "mais forte das armas, a mais firme, a mais certeira", que provoca os maiores estragos na alma humana. Daí as noites insones e a faina incansável dos dias para entendê-las, dominá-las, absorvê-las, aprender a manejá-las com cuidado, com amor, com competência, para construir, para consolar, para engrandecer, para solidarizar, para defender os indefesos, para condenar as injustiças, para reivindicar direitos. A tarefa é superior às minhas forças e os resultados são incertos. Faço parte dessa confraria dos sonhadores, desses criadores de castelos imaginários e de mundos inexistentes, conhecidos como "escritores". Por isso, como Guilhaume Apollinaire, rogo às gerações futuras, ao que daqui a dez, quinze, vinte, cem anos ou mais eventualmente lerem estas linhas: "Piedade para nós, que exploramos as fronteiras do irreal!!!"

Tuesday, October 23, 2007

REFLEXÃO DO DIA


Há pessoas que crêem que o universo e a vida sejam frutos de mera casualidade e que, por isso, não têm qualquer finalidade. Acreditam que tudo se originou da inusitada explosão de um conglomerado de matéria e de energia, hiper-concentrado, de dimensões ínfimas, que se expandiu e resultou em estrelas, planetas, constelações, galáxias etc. Há os que vivem por viver, sem questionar a razão, a natureza e a finalidade de nada. Mas há, também, os que intuitivamente “sentem”, e por isso “sabem”, que nada é casual. Que tudo tem finalidade superior e nobre. Que o universo, para ser tão complexo e perfeito, tem que ter uma inteligência superior que o comande e ordene. Crêem que para haver relógio é necessário que haja um relojoeiro. O filósofo Immanuel Kant é um deles e constata: “O coração humano recusa-se a acreditar num universo sem uma finalidade”. Nada faz sentido, portanto, se não se crer na existência e onipotência de Deus!

Presença da mulher na poesia brasileira - VII


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

TRÊS DESTAQUES

Poetisas contemporâneas (felizmente) temos em profusão. Muitas, no entanto, são de grande representatividade e merecem pelo menos ser destacadas (se não comentadas). Temos, por exemplo, o grupo conhecido como “Neo-Simbolista”, integrado por Maria da Saudade Cortesão, Celina Ferreira, Lupe Cotrim Garaude, Hilda Hilst (da qual quero destacar, de maneira especial, dois versos lindíssimos. O primeiro é o que diz: “Agora o amor é inútil,/é inútil o meu consolo. O segundo é este: “Cansa-me o amor porque é centelha/e exige posse e pranto, sal e adeus”), Ruth Sylvia de Miranda Salles e Renata Pallottini, entre outras.

Não se pode esquecer da potiguar Auta de Souza. Nem de Stela Leonardos, Adalgisa Nery (grande jornalista e romancista também), Ana Cristina César (autora de “Inéditos e Dispersos”). Muito menos da mineira Adélia Prado, que amo de paixão, nascida em Divinópolis, autora dos livros “O coração disparado”, “Solte os cachorros” e “Terra de Santa Cruz”, entre os tantos que publicou.

Aliás, de Ruth Sylvia de Miranda Salles há um poema, do seu livro “Sem Símbolos Nenhuns” (Editora Cátedra/Pró-Memória – Instituto Nacional do Livro) que me impressionou bastante. É o que abre essa excelente coletânea de versos, que partilho com o leitor:

Retrato

Ah, Senhor, por que não sermos
Amados pelo que somos,
E sim pelo que nos sonham?

Os mais prementes anseios
Abandonamos na vida.
Resta a mágoa adquirida.

Com que torturado esforço
Arrastamos o que temos
Para fora da moldura!

Para que o olhar amado
Resplandeça de ternura,
Há que ser outro o retrato.

A mágoa de não nos sermos
Guardemos adormecida.
Para não manchar a tela

Toda lágrima guardemos.
E que as ondas desse pranto
Embalem tamanha perda.

Ah, Senhor, nessa premência
De termos o que nos trazem,
De sermos o que nos sonham,

Afinal o que é que somos?
Somos o vasto silêncio
Da solidão que nos fazem.

Lindo poema, não é mesmo? Merece maior divulgação, maior partilha, maior reconhecimento. Reflete, sobretudo, profunda verdade. Nunca, ou quase nunca, somos amados por aquilo que realmente somos. Nossos verdadeiros méritos, na maioria das vezes, ficam encobertos aos olhos que gostaríamos que os vissem. Nossas virtudes, em geral, são tidos, até, como defeitos. Amam-nos pelo que sonham que nós sejamos, não pelo que de fato somos. Por isso, tantas decepções, tamanhos desencontros e tão grande fartura de infelicidade!

Antes de encerrar estas descompromissadas digressões, destaco três poetisas, de épocas e estilos diversos, que não posso deixar de mencionar. A primeira é Henriqueta Lisboa. Pouco conhecida do público, essa mineira, nascida em Lambari em 15 de julho de 1904, recebeu vários prêmios literários, entre os quais a Medalha da Inconfidência de Minas Gerais (com o livro “Madrinha Lua”, em 1952) e o Prêmio Brasília de Literatura, em 1971, pelo conjunto da sua obra.

A seu respeito, Alfredo Bosi afirma que “possui um ritmo oscilante entre o fechamento e a abertura do ‘eu’ à sociedade e à natureza”. Vislumbra, na obra de Henriqueta “experiências metafísicas e herméticas de certo veio rilkeano da lírica moderna”. Além do que, distingue-a como “sutil tecedora de imagens capazes de dar uma dimensão metafísica a seu intimismo radical”. Seus principais livros são: “Prisioneiros da noite”, “A face lívida”, “Flor da morte”, “Lírica”, “Convívio poético” e “Montanha viva”. A título de ilustração, trago para o leitor os versos abaixo de Henriqueta Lisboa, do livro “Menino Poesia” (1943):
Ciranda de mariposas Vamos todos cirandarciranda de mariposas.Mariposas na vidraçasão jóias, são brincos de ouro.Ai! poeira de ouro translúcidabailando em torno da lâmpada.Ai! fulgurantes espelhosrefletindo asas que dançam.Estrelas são mariposas(faz tanto frio na rua!)batem asas de esperançacontra as vidraças da lua.

Meu segundo destaque é Lúcia Miguel Pereira. Natural de Barbacena, Minas Gerais, onde nasceu em 1903 (foi criada, todavia, no Rio de Janeiro), foi poetisa, romancista, historiadora de literatura e crítica de arte. Mulher de grande cultura e sensibilidade, seus livros “Três romancistas regionalistas”, “Machado de Assis – Estudo crítico e biográfico”, “A leitora e seus personagens”, “Da maturidade” e, principalmente, “Prosa de Ficção”, são leituras obrigatórias para os estudiosos de literatura.

Finalmente, meu terceiro destaque vai para a atriz e poetisa, que foi amiga de Mário Quintana (que nutria por ela um carinho especial) Bruna Lombardi. Paulistana, nascida em 1º de agosto de 1951, vive, atualmente, com o marido, o ator Carlos Alberto Ricceli, nos Estados Unidos. Com a roda-viva que é a sua profissão, ainda arranjava tempo para escrever (e bem), uma poesia sutil, elegante e, ao mesmo tempo, intimista.

Conheço, dela, três livros de poesia (não sei se tem outros), que são: “No ritmo dessa festa” (1976), “Poesia gaia” (1980) e “O perigo do dragão” (1984). Reproduzo, dela, o poema abaixo, que consta do livro “O perigo do dragão”:

Alta Tensão

eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar meu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.

(Ensaio publicado na página 31, Especial, do Correio Popular, em 8 de março de 1990).

Monday, October 22, 2007

TOQUE DE LETRA











Pedro J. Bondaczuk

(Fotos: Arquivo, site oficial da Ponte Preta, Gaspar Nóbrega/VIPCOMM e Agência France Press)

AINDA NO PÁREO

A Ponte Preta voltou a surpreender a sua fiel e apaixonada torcida, desta vez positivamente, entrando, de novo, no páreo para a conquista do acesso para a elite do futebol brasileiro no ano que vem. Foi na sexta-feira, em Criciúma, quando derrotou a equipe local por 2 a 0, jogando uma partida primorosa. E a vitória veio em boa hora, num momento em que muitos já estavam “jogando a toalha” e achando que o time teria que se preocupar em não ser rebaixado, em vez de pensar no acesso. É a Macaca voltando às velhas tradições, de virar situações que aparentem, à primeira vista, serem impossíveis de reversão. Em Criciúma a Ponte Preta mostrou personalidade, garra e, sobretudo, inteligência. Ou seja, tudo o que a torcida cobra e sempre quer ver. Mesmo atuando boa parte do jogo com apenas dez jogadores, após a expulsão do zagueiro Zacarias, praticamente não deu nenhuma chance ao adversário. Jogou um futebol rápido, insinuante, de muita marcação e o resultado foi dos mais merecidos. A Macaca já não havia jogado mal contra a Portuguesa, no Majestoso, na derrota por 4 a 2, convenhamos. Perdeu, naquela oportunidade, para os seus próprios erros. Dominou o jogo todo, mas cometeu falhas incríveis na defesa e foi castigada por isso. Apesar de estar a seis pontos do quarto colocado (o Vitória, do Vadão), a Ponte tem amplas chances de chegar entre os quatro, já que o time baiano é sumamente irregular. Basta que não invente, que jogue o feijão com arroz, e que faça a lição de casa. E que, acima de tudo, repita o que fez em Criciúma. Difícil? Sem dúvida! Impossível? Essa palavra não existe para o pontepretano. Afinal, o que, até hoje, foi fácil para essa guerreira Ponte Preta?

FATOR SURPRESA

Os volantes da Ponte Preta, que nas últimas partidas (notadamente naquela contra a Portuguesa) vinham se constituindo num dos pontos falhos do time, se redimiram na sexta-feira, na vitória sobre o Criciúma, por 2 a 0. E foram além da redenção. Constituíram-se no fator “surpresa” no ataque, além de mostrarem firmeza na marcação. Tanto que os dois gols da Ponte foram de volantes: João Marcos, que voltou a jogar aquele futebol consciente que jogou no Campeonato Paulista e Pingo, que mostrou sua vocação de artilheiro, ao entrar nos minutos finais da partida, com o gás todo. Até Ricardo Conceição, que vinha comprometendo nos últimos jogos, cumpriu bem o seu papel. Limitou-se a marcar, única coisa que sabe fazer bem, e deu segurança à zaga. Tomara que não se trate, apenas, de uma exceção e que os volantes da Ponte Preta façam, daqui pra frente, corretamente, a ligação entre a defesa e o ataque, como fizeram em Criciúma. E que arrisquem mais chutes a gol, porém com qualidade e consciência, e não apenas para se livrarem da bola, como vinham fazendo até aqui.

NOVO MOTORZINHO

André, que já havia feito uma excelente partida na derrota da Ponte Preta para a Portuguesa por 4 a 2, repetiu a dose, em Criciúma, e se constituiu num dos jogadores mais lúcidos e produtivos em campo. Aos poucos, o atleta começa a se adaptar à nova posição e, se continuar nessa ascensão, não tardará em fazer a torcida se esquecer de Heverton, que abandonou o barco, atraído pelo dinheiro que o Corinthians lhe ofereceu. O garoto tem um toque de bola refinado, ampla visão de jogo e apresenta-se, a toda a hora, para os arremates a gol. É carente na marcação, mas essa é uma tarefa de que deve ser liberado. Afinal, o time tem um monte de volantes, aos quais deve caber essa função. Discreto, André não é desses jogadores que aparecem para a torcida, por eventuais jogadas de efeito. Joga para o time e mesmo quando atuava na ala, era utilíssimo. Muitos dos 17 gols de Alex Terra nasceram dos seus pés, de bolas cruzadas para a área com precisão. Prefiro ele atuando no meio de campo (e, repito, sem a função de marcar), lançando bolas precisas para seus companheiros e deixando-os na cara do gol. Em seus pés está muito do futuro da Ponte Preta neste campeonato. É um jogador que precisa ser prestigiado, para que adquira a necessária confiança nesse seu novo papel e deslanche de vez. André, queiram ou não, é um dos grandes destaques deste time jovem, que se desestabiliza com facilidade, mas que tem potencial para atingir seus objetivos.

DEFESA AINDA ASSUSTA

Há tempos que o calcanhar de Aquiles, o ponto vulnerável da Ponte Preta, vem sendo a sua defesa. Posso afirmar que há já pelo menos seis anos que isso acontece. Atribuo o fato não tanto à qualidade dos jogadores que atuam nesse setor, mas ao esquema excessivamente defensivo da equipe, que marca muito, todavia de forma errada. Começa a marcação, de fato, a partir das proximidades da nossa meia lua, o que é inconcebível para quem joga com três zagueiros (esquema que não consigo engolir) e três volantes. Seis jogadores com o papel de apenas destruir as jogadas do adversário, com somente um para criar, é muita coisa! E não funciona. Em todos os últimos campeonatos em que a Ponte Preta esteve envolvida, invariavelmente a sua defesa sempre esteve entre as mais vazadas. Será que ninguém ainda percebeu isso? É verdade que na vitória de sexta-feira, sobre o Criciúma, por 2 a 0, em boa parte da partida o time marcou no meio campo do adversário. Funcionou. Com isso, provocou erros e mais erros da zaga catarinense, dos quais surgiram várias chances de gol. Mas em determinados momentos, como que mostrando que já se trata de um vício, o time recuou excessivamente e atraiu o adversário para as proximidades da nossa área. Se Paulo Comelli conseguir mudar isso, já será um grande avanço. Porque, convenhamos, o segundo melhor ataque do campeonato, com 51 gols, não pode ser culpado por essa discreta colocação da Ponte na tabela, não é mesmo? É questão de lógica.

NA SOBRA FUNCIONA

Parece que o técnico Paulo Comelli acertou a posição do zagueiro Anderson. O jogador, que vinha comprometendo em vários jogos e era alvo da irritação da torcida (e com razão, convenhamos), jogou duas partidas impecáveis: contra a Portuguesa, no Majestoso, e contra o Criciúma, em Santa Catarina. Nas duas oportunidades, atuou na sobra de João Paulo e Zacarias, e cumpriu muito bem esse papel. Como é um zagueiro lento, não pode jamais sair no primeiro combate. Quando sai, é, invariavelmente, vencido na velocidade pelos atacantes adversários, em lances que, muitas vezes, redundam em gols. Essa tarefa deve caber a jogadores mais rápidos, como João Paulo e Zacarias que, aliás, teve duas péssimas atuações. Em Santa Catarina, além de falhar em inúmeros lances, sobrecarregando seus companheiros, confundiu raça com violência. Cometeu faltas violentas, e desnecessárias, e acabou expulso, por pouco pondo a perder uma jornada inspirada do resto do time. Depois desses dois jogos, Zacarias acumulou um débito enorme com a torcida, que vinha defendendo, com insistência, a sua escalação como titular. Outro que comprometeu, no jogo de Criciúma, foi o ala Júlio César. Deficiente na marcação, deixou um enorme corredor desguarnecido nas suas costas, por onde os avantes adversários criaram as jogadas mais perigosas contra o nosso gol. Nesse jogo, não marcou, não apoiou, não armou e não fez um só cruzamento preciso. Que fase horrível que o bom jogador, vindo do Bragantino, está atravessando!

O CRAQUE DOS RECORDES

O goleiro Rogério Ceni, do São Paulo, há já um bom tempo vem se especializando em quebrar recordes. Aos 34 anos, por exemplo, é o jogador da posição que mais gols fez em todo o mundo. Tanto que seu feito vai constar na próxima edição do Guiness Book e não creio que venha a ser superado por quem quer que seja. É um fenômeno, sem dúvida, desses que aparecem de quando em quando e se transformam em lendas quando param de jogar. Agora, Rogério Ceni acaba de concretizar outra façanha. É o primeiro jogador brasileiro que não joga no Exterior a ser indicado pela tradicional revista francesa “France Football” (a mesma que em 1959 apontou Pelé como “rei do futebol”), para concorrer à Bola de Ouro de 2007, ao lado de outros 39 jogadores que se destacaram na Europa. Dificilmente irá ganhar, claro. Mas só o fato de ser indicado já é uma façanha digna de comemoração. Aliás, comemorar feitos é o que mais o torcedor são-paulino vem fazendo de uns tempos para cá. Com a vitória, ontem, no Morumbi, sobre o Cruzeiro, por 1 a 0 (gol de Jorge Wagner), o tricolor paulista já é, virtualmente (embora não matematicamente) o campeão brasileiro da temporada. E com um time limitado tecnicamente, posto que guerreiro e sumamente competitivo.

O BRILHO DO CRAQUE

O garoto Robinho, que já havia se destacado na Copa América, ajudando a Seleção Brasileira a conquistar o título, sob o descrédito generalizado da crônica esportiva e de parcela considerável da torcida, inscreveu, na quarta-feira passada, definitivamente, o seu nome na relação dos maiores craques que já apareceram no país do futebol. O drible desconcertante que deu no zagueiro equatoriano, na goleada dos comandados de Dunga sobre o Equador por 5 a 0, foi dessas jogadas dignas de serem gravadas e repetidas vezes sem fim pelos canais de televisão. É verdade que não fez o gol, mas serviu seu companheiro Elano para que o fizesse. Não se tratou, pois, de mera firula, para o delírio do torcedor, mas de uma jogada objetiva, de refinada técnica e inigualável talento. E não poderia haver um palco melhor do que um Maracanã lotado, para protagonizar um lance de tamanha maestria (diria, magia). Não vi nenhum outro monstro sagrado brasileiro, como Pelé, Garrincha, Zico, Romário ou outro qualquer, fazer um lance como esse. Se Robinho, Ronaldinho Gaúcho e Kaká estiverem em forma e, sobretudo motivados, não vejo como o Brasil possa deixar de conquistar o hexa em 2010, na África do Sul. Sequer importa quem será o treinador, se Dunga ou se o Zé das Candongas.

RESPINGOS...

· Nelsinho Batista vai merecer uma estátua no Parque São Jorge caso consiga livrar este time medíocre do Corinthians do rebaixamento para a Série B. Domingo, contra o Náutico, a equipe deixou evidentes suas limitações técnicas, jogando na mais férrea retranca, verdadeiro ferrolho de dar inveja a Milton Buzzeto. Não adiantou. Tomou um gol no último minuto da partida, num pênalti estúpido, cometido por Ailton, e continua candidatíssimo à degola .
· O Palmeiras, quem diria, já é o segundo colocado do Campeonato Brasileiro, embora a 13 pontos do São Paulo. Goleou, no sábado, o praticamente já rebaixado Paraná, no Parque Antártica, por 3 a 0, com direito a olé.
· O Flamengo, de Joel Santana, enganou todo mundo. Muitos davam como certo o rebaixamento do rubro-negro carioca para a Série B. Todavia, depois da vitória, ontem, por 2 a 0, sobre o Grêmio, o time de maior torcida do País já está a apenas três pontos da zona de classificação para a Copa Libertadores da América.
· A vitória do Coritiba, sábado, no Couto Pereira, sobre o Santo André, por 2 a 1 (com um escandaloso favorecimento da arbitragem), praticamente garantiu ao Coxa seu retorno à Série A em 2008.
· O Bragantino, aos trancos e barrancos, vem chegando, na Série C. Com um time bastante modesto, tem tudo para conquistar o acesso à Série B do ano que vem. É o único paulista que resta nessa competição. Mas lidera o octogonal final, com amplas chances de ser, até mesmo, o campeão. Méritos do técnico Marcelo Veiga.

· E fim de papo por hoje. Entre em contato, para críticas e sugestões.


pedrojbk@hotmail.com

REFLEXÃO DO DIA


Um dos maiores desafios que temos, desde que tomamos consciência de nós, do mundo e das pessoas com as quais convivemos, é o do relacionamento pacífico e harmonioso com o próximo. Julgamos que os conflitos, inevitáveis (e não importa seu tamanho ou intensidade), só advêm da diferença de idéias, conceitos, gostos e pontos de vista. Na verdade, este não é o único, e nem mesmo o maior dos obstáculos para relacionamentos saudáveis, harmoniosos e duráveis. O cerne da questão está, sempre, na administração de interesses. Até instintivamente, colocamos, sempre, os nossos acima do das demais pessoas, mesmo das que amamos. Alguns (raros) conseguem vencer esse desafio e conquistam a felicidade. Outros, se não a maioria... Daí concordar com a conclusão de Alexis de Tocqueville quando afirma: “Mais que as idéias, são os interesses que separam as pessoas”. E não são?! O remédio é um só: aprendermos (e exercermos) a arte da conciliação.

Presença da mulher na poesia brasileira - VI


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

QUALIDADE COMO MARCA

A grande marca da poesia de Cecília Meirelles é a qualidade. É a limpidez e a profundidade dos seus versos. É a magia das suas metáforas, sempre bem colocadas, e a fluência e musicalidade dos seus poemas. Nossa poetisa maior transfigurava o cotidiano. Ela mesma dizia: “A poesia é grito, mas transfigurado”.
Mencionar Cecília Meirelles, portanto, sem transcrever ao leitor alguns de seus poemas, sonegar-lhe inesquecíveis momentos de rara beleza e encantamento. Claro que não farei isso. Gostaria de transcrever não um, mas milhares de seus versos repletos de lirismo, mas o espaço não me permite. Mas sintam a riqueza de imagens e a carga de emoções existentes nos versos abaixo:

Os dias felizes

Os dias felizes estão entre as árvores como
Os pássaros:
Viajam nas nuvens,
Correm nas águas,
Desmancham-se na areia.

Todas as palavras são inúteis,
Desde que se olha para o céu.

A doçura maior da vida
Flui na luz do sol,
Quando se está em silêncio.

Até os urubus são belos,
No largo círculo dos dias sossegados.

Apenas entristece um pouco
Este ovo azul que as crianças apedrejaram:

Formigas ávidas devoram
A albumina do pássaro frustrado.

Caminhávamos devagar,
Ao longo desses dias felizes,
Pensando que a Inteligência
Era uma sombra da Beleza.

A expressividade, a espontaneidade, a fluidez dos versos de Cecília Meirelles fazem com que seus poemas se transformem em pinturas, em telas, em painéis coloridos e vivos. A poetisa substitui as tintas e a paleta e “pinta” com as palavras, o que, convenhamos, não é exercício dos mais fáceis. Exemplo? Os versos a seguir:

Música

Noite perdida,
Não te lamento:
Embarco a vida

No pensamento,
Busco a alvorada
Do sonho isento,

Puro e sem nada,
--- Roda encarnada,
Intacta, ao vento.

Noite perdida,
Noite encontrada,
Morta vivida

E ressuscitada...
(Asa de lua
Quase parada,

Mostra-me a sua
Sombra escondida,
Que continua

A minha vida
Num chão profundo!
--- Raiz prendida
A um outro mundo).
Rosa encarnada
Do sonho isento,

Muda alvorada
Que o pensamento
Deixa confiada.

Algo perceptível na poesia de Cecília Meirelles é a sua preocupação com o tempo. Ou seja, com o que fica e com o que não fica retido na memória, de bom ou de ruim, de felicidade ou de angústia, de amor ou de indiferença. Como os versos a seguir, por exemplo:

Memória

Minha família anda longe,
Com trajos de circunstância:
Uns converteram-se em flores,
Outros em pedra, água, líquen;
Alguns de tanta distância,
Nem têm vestígios que indiquem
Uma certa orientação.

Minha família anda longe,
--- Na Terra, na Lua, em Marte –
Uns dançando pelos ares,
Outros perdidos no chão.

Tão longe, a minha família!
Tão dividida em pedaços!
Um pedaço em cada parte...
Pelas esquinas do tempo,

Brincam meus irmãos antigos:
Uns anjos, outros palhaços...
Seus vultos de labareda
Rompem-se como retratos
Feitos em papel de seda.

Vejo lábios, vejo braços,
--- Por um momento, persigo-os:
De repente, os mais exatos
Perdem sua exatidão.
Se falo, nada responde.
Depois, tudo vira vento,
E nem o meu pensamento
Pode compreender por onde
Passaram nem onde estão...

Minha família anda longe.
Mas eu sei reconhecê-la:
Um cílio dentro do oceano,
Um pulso sobre uma estrela,
Uma ruga num caminho
Caída como pulseira,
Um joelho em cima da espuma,
Um movimento sozinho
Aparecido na poeira...
Mas tudo vai sem nenhuma
Noção do destino humano,
De humana recordação.

Minha família anda longe.
Reflete-se em minha vida,
Mas não acontece nada:
Por mais que eu esteja lembrada,
Ela se faz de esquecida;
Não há comunicação!
Uns são nuvens, outros lesma...
Vejo as asas, sinto os passos
De meus anjos e palhaços,
Numa ambígua trajetória
De que sou o espelho e a história.
Murmuro para mim mesma:
‘É tudo imaginação!”

Mas sei que tudo é memória...

A lírica de Cecília Meirelles, como ficou resumido acima, demonstra, sobejamente, que a presença da mulher, na poesia brasileira, se não é numerosa, ou seja, quantitativa, é, sobretudo, qualitativa. Pode haver alguma dúvida face à magia dos versos reproduzidos acima?!!

(CONTINUA)

Sunday, October 21, 2007

REFLEXÃO DO DIA


Leio, agora, longo e belíssimo poema de Ruth Silvia de Miranda Salles, intitulado “Retrato”, do seu livro “Sem Símbolos Nenhuns” e que se presta a caráter a profunda reflexão. Os três primeiros versos, por exemplo, refletem grande verdade, de que quase nunca nos damos conta. Dizem: “Ah, Senhor, por que não sermos/amados pelo que somos,/e sim pelo que nos sonham?”. E não é isso o que ocorre, na maioria dos casos, ao longo da nossa vida?! Nunca, ou quase nunca, somos amados pelo que realmente somos. Nossos verdadeiros méritos, em geral, ficam encobertos aos olhos de quem gostaríamos que os vissem. Em contrapartida, nossas virtudes, via de regra, são tidas, até, como defeitos e vice-versa. Quando a verdade vem à tona... quanta decepção! Amam-nos (salvo raríssimas exceções) pelo que sonham que sejamos, não pelo que de fato somos. Por isso, tantas amarguras, tamanhos desencontros e tão grande fartura de infelicidade!

Guerra dos sexos - Introdução 9


Pedro J. Bondaczuk


Estupros e abusos sexuais


Um dos crimes mais covardes, e no entanto mais comuns, cometidos contra as mulheres nas mais variadas partes do mundo, é o de estupro. Ou seja, a relação sexual forçada, não desejada e nem consentida, realizada por força, ameaça de ferir, ou incapacidade mental ou física de dar o consentimento (incluindo intoxicação, mediante álcool ou drogas). Ainda assim é largamente praticado, tanto por pessoas que a vítima não conhece, quanto por seus conhecidos: homens com quem marcaram encontros, que conheceram em festas, em bares, em ofícios religiosos, nas vizinhanças da sua casa, ou amigos, colegas de universidade, companheiros de trabalho, etc.

Trata-se, todavia, de delito que conta com tamanho repúdio social, que ao serem presos, os estupradores geralmente têm que ficar separados dos demais detentos, para preservar sua integridade física e até a sua vida. Quando isso não ocorre, acabam sendo espancados, estuprados pelos companheiros de cela e não raro assassinados por estes.

Alguns exemplos, no entanto, revelam o quanto essa atitude ainda é comum. Estudo divulgado em 27 de maio de 1996, pela Direção Municipal da Mulher da Argentina, revelou que são cometidos, anualmente, 15 mil estupros, somente na Província de Buenos Aires, a maior do país, numa média de dois casos por hora.

Os autores da pesquisa dizem que as cifras seriam muito maiores caso todas as vítimas notificassem as agressões que sofreram às autoridades. A maioria não o faz por vergonha, por medo ou por temer má interpretação por parte de maridos, namorados, noivos ou companheiros, que poderiam achar que a relação sexual foi de fato consentida e que a vítima, para se eximir de culpa, "inventa" que foi agredida. Esse comportamento masculino, aliás, é bastante comum.

De acordo com o Conselho Nacional da Mulher, da Argentina, 70% das vítimas de estupro conheciam seus atacantes e 66% das agressões ocorreram em suas próprias casas. É o que ocorre, também, em vários outros países, cujos dados são disponíveis, como os Estados Unidos, o Brasil e a Grã-Bretanha.

O perigo maior não está, portanto, nas ruas, na ação de tarados, de maníacos sexuais, à espreita de incautas, para levarem a cabo suas sortidas criminosas. Em geral está no recesso do próprio lar, nas pessoas das relações e da confiança da vítima. O jornal argentino "La Nación" destacou que nos últimos dez anos, os delitos contra a mulher na Argentina, como violações, estupros e outros tipos de abusos sexuais, aumentaram em 32%, conforme o Registro Nacional de Reincidências.

A relutância de muitas das agredidas em denunciar os casos de que são vítimas se deve ao fato de temerem ser maltratadas nas dependências policiais, conforme explicou Cristina Kershner, investigadora de um grupo privado argentino. Reitere-se, no entanto, que a maioria dos crimes sexuais, principalmente estupros, é cometida por pessoas conhecidas da pessoa agredida, conforme estudos feitos no Chile, na Malásia, no México, no Panamá e nos Estados Unidos.

Por exemplo, um levantamento, feito no Peru, revelou que 90% das mães peruanas com menos de 16 anos tinham sido estupradas pelo pai ou por um parente. Pesquisas feitas no Canadá, Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Estados Unidos constataram que, de cada seis mulheres, pelo menos uma é estuprada. Cerca de 11.600 sofreram estupro na Índia, em 1994. Por se tratar de um delito tão freqüente e ainda mal compreendido tanto pelos que o praticam, quanto pelos responsáveis por sua coibição e punição, é um caso que merece estudo mais detido.

(Texto do meu livro, inédito, "Guerra dos Sexos").