Wednesday, October 31, 2007

À míngua de pão e de luz


Pedro J. Bondaczuk


A Rede Globo de Televisão engajou-se em uma meritória e louvável campanha, com a ajuda de desportistas, principalmente de jogadores de futebol famosos, para incentivar a população a ler. Nada mais nobre e pertinente! Usa, como mote, a afirmação de que a leitura “também é um exercício”. E como é! Ela abre ao leitor amplos horizontes de conhecimento e reflexão e torna-o, sem dúvida, melhor, caso, é claro, leia o texto certo, no momento adequado, e saiba extrair as lições que ele contém.

Milhões de pessoas, pelo mundo afora, todavia, estão condenadas a vegetar, para sempre, nas trevas da ignorância. E não é por vontade própria, por indolência ou por má fé. É em decorrência da terrível situação social de vastas regiões e de inúmeros países em que vivem, que são economicamente inviáveis. São homens, mulheres e crianças segregados e tratados como membros de uma subespécie, abaixo até dos animais irracionais. Há cães e gatos que vivem infinitamente melhor do que esses excluídos.

São seres humanos que já nascem liminarmente condenados ao fracasso, à semi-escravidão, à miséria e a todas as suas seqüelas. E não sou eu que afirmo, mas são frios e detalhados relatórios de órgãos sérios, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) que comprovam essa dura realidade. A entidade alerta continuamente para o problema, mas suas advertências caem, via de regra, salvo honrosas exceções, em ouvidos absolutamente moucos.

Em levantamento divulgado no dia 22 passado, por exemplo, o organismo da ONU constatou que “mais de cem milhões de jovens e crianças estão presos num ciclo de pobreza, doenças e exploração sexual, por estarem longe da escola”. No Brasil, esse contingente de deserdados, felizmente, diminuiu bastante nos últimos tempos, mas não o suficiente para que deixasse de existir.

E a Unesco denuncia: “O número total de crianças e adolescentes que crescem sem freqüentar nenhum tipo de educação formal chega a 123 milhões. Só na África Subsaariana o número é de 46 milhões”. Isso acontece, é mister frisar, em pleno século XXI, o das comunicações em massa, da televisão, do celular, da internet e de outras tantas preciosas ferramentas de informação e de instrução. Ocorre em um mundo globalizado, onde mirabolantes fortunas circulam diariamente nos mercados financeiros, mas onde não sobram, a esses infelizes, a esses excluídos, a esses rejeitados da espécie, sequer míseras migalhas.

E pensar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos preceitua que “todos os homens nascem iguais, com os mesmos direitos e deveres”. “Words, words, words…”, diria, não sem razão, o velho bardo William Shakespeare. É de se estranhar que nessas circunstâncias haja tanta violência no mundo? Claro que não!

Violentos são aqueles que, por pura e estúpida ganância (já que vão morrer, como todos), privam tanta gente, não somente de comida, que a terra, generosa, provê o homem, mas do alimento espiritual: o do saber! Se sobrassem ao menos migalhas, para os quase dois terços da humanidade que vegetam na miséria, ou que estão muito próximos dela, não haveria tantas mortes causadas pela fome e por suas terríveis seqüelas, quando se sabe que as potências econômicas “pagam” aos seus agricultores para que deixem de produzir alimentos. Por que? Por uma razão bastante “objetiva”. Para evitar que a oferta se torne maior do que a procura e os preços, por conseqüência despenquem, seguindo a inflexível lei natural do mercado. Esses são os autênticos “idiotas da objetividade”, tomando emprestada a expressão cunhada pelo poeta Affonso Romano de Sant`Ana, sequiosos unicamente por crescentes lucros. Não têm a mínima noção do real significado da vida.

Este tremendo desnível, essa aberração contra a espécie, por mais nociva e estúpida que seja (anomalia tão grande que não encontra paralelo no mundo das feras ditas irracionais), tem, ainda, defensores, e que não são poucos! E os que não defendem explicitamente esse sistema, fazem vistas grossas a ele, como se não tivessem nada a ver com isso. Mas têm. Todos temos!

Vendo as imagens dos dramas cotidianos e me informando sobre todas essas aberrações, patifarias e mazelas, que os meios de comunicação, notadamente a TV, jogam com fartura, da manhã até a noite, bem no meio da minha sala de jantar, não posso me furtar de desabafar, como o escritor argentino Jorge Luís Borges: “a vida não pode ser só isso que se vê!”. Ou, pelo menos, não deve ser! E chego a outra contundente e desalentadora conclusão, a mesma a que chegou o poeta alemão Johann Wolfgang Göethe: “Está tudo aí, e eu nada sou”.

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