Saturday, October 27, 2007

Jardim de Prosérpina


Pedro J. Bondaczuk


Meia-noite. Insônia. Ar parado e opressivo.
Leve brisa agita discretamente as folhas das
plantas do inculto jardim de Prosérpina
--- mulher de Júpiter, mãe de todas as fúrias –
e, com dedos profanos de pluma e de seda,
acaricia, de leve, meus cabelos, com o toque
erótico e lúbrico dos dedos elétricos
da minha amada na antevéspera do sexo.

Ao longe, a Babel de cimento e de vidro,
fornalha implacável e voraz de sacrifícios
de Baal, que consome esperanças e desejos
e sonhos, e talentos, e ilusões, e vidas
e amores, e certezas, e encantos,
em nome do pagão e mítico mercado,
dorme o sono inconsciente dos canalhas.

Mas há atividade na penumbra dos bastidores,
dos ratos, das prostitutas e dos marginais,
neste tétrico palco de vilezas e de cinismo
em que se encena interminável tragicomédia
à luz sinistra de avermelhada lua cheia.
Sons, muitos sons, confusos e indefinidos
pontuam a noite, povoada por fantasmas,
sirenes, buzinas, suspiros, gemidos, arquejos
gritos, imprecações, murmúrios, vociferações,
amores vendidos à luz de um abajur lilás.

E a Babel, impávida, desafia os deuses,
o tempo, o vento e a lei da gravidade,
com tentáculos imóveis, de cimento e vidro,
e sua bocarra sinistra, gulosa e faminta,
a engolir, implacável, esperanças e vidas
enquanto passeio, entorpecido e insone
nas alamedas do inculto jardim de Prosérpina.

(Poema composto em Campinas, em 25 de outubro de 2007)

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