Wednesday, October 17, 2007

Presença da mulher na poesia brasileira - III


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

LONGO VAZIO

Uma das primeiras poetisas que se destacaram no cenário nacional, e que hoje está absolutamente esquecida, não sendo mencionada em nenhuma antologia e desconhecida, até, de especialistas de literatura, foi Narcisa Amália, que viveu entre 1852 e 1924. Nascida em São João da Barra, no Estado do Rio de Janeiro, era filha do poeta Jácome de Campos e da professora primária Narcisa Inácia de Campos.
Sua poesia é classificada de “Condoreira”, ou seja, daquele grupo que seguiu as trilhas abertas por Antônio Castro Alves. Publicou um único livro de poesias, intitulado “Nebulosas”, que alcançou, na época da publicação (1872) grande repercussão nos meios literários. Abraçou o jornalismo e se tornou a primeira mulher do País a ser profissionalizada como jornalista. Projetou-se na imprensa pelos seus candentes artigos em favor da abolição da escravatura, em defesa da mulher (o que, na época, era tido como heresia) e dos oprimidos em geral.
Publicou um outro livro, em 1874, “Nelúmbia”, desta vez de contos. Seus poemas, hoje, são absoluta raridade, sendo conhecida, somente, por raros historiadores literários, não sendo mencionada, sequer, em enciclopédias. Pobre e vã memória humana! Narcisa morreu em 24 de junho de 1924, cega e paralítica. São dela os magníficos versos abaixo, intitulados “Sandness”:

Sandness

Meu anjo inspirador não tem nas faces
As tintas coralíneas da manhã;
Nem tem nos lábios as canções vivaces
Da cabocla pagã!

Não lhe pesa na fronte deslumbrante
Coroa de esplendor e maravilhas,
Nem rouba ao nevoeiro flutuante
As nítidas mantilhas.

Meu anjo inspirador é frio e triste
Como o sol que enrubesce o céu polar!
Trai-lhe o semblante pálido — do antiste
O acerbo meditar!

Traz na cabeça estema de saudades,
Tem no lânguido olhar a morbideza;
Veste a clâmide eril das tempestades,
E chama-se — Tristeza!...

Já Francisca Júlia da Silva Munster, conhecida literariamente apenas pelos dois primeiros nomes, mantém-se mais viva e atual do que nunca. Muitos dos seus inspirados poemas constam das melhores antologias e seletas escolares. A escritora nasceu em Xiririca, cidade que atualmente se chama Eldorado Paulista, em 31 de agosto de 1871. Considerada a melhor poetisa de língua portuguesa de seu tempo, embora escrevesse em estilo parnasiano, é tida como uma das precursoras do simbolismo.
Em 1920, protagonizou um dos momentos mais dramáticos que alguém possa viver. Em 31 de outubro desse ano, perdeu o marido Filadelfo Edmundo Munster, por quem era apaixonadíssima, vítima de tuberculose. Inconformada, retirou-se para seus aposentos e jurou que jamais poria “véu de viúva”.
Dizem que Francisca Júlia ingeriu uma grande dose de narcóticos no seu desespero. Se é verdade ou não, ninguém conseguiu comprovar. O fato é que no dia seguinte, no velório do seu amado, ao abraçar o caixão, no auge do desespero e da dor, a poetisa sentiu-se mal e morreu. Era o dia 1º de novembro de 1920.
Sobre o seu túmulo, no Cemitério do Araçá, em São Paulo, alguns anos depois, foi construído um precioso mausoléu com a estátua “Musa Impassível”, esculpida pelo consagrado escultor Victor Brecheret.
Francisca Júlia nos deixou seis livros: “Mármores” (1895), “Livro da Infância” (1899), “Esfinges” (1903), “A feitiçaria sob o ponto de vista científico” (discurso, 1908), “Alma infantil” (com Júlio César da Silva, 1912) e “Esfinges” (2ª edição ampliada, 1921). Foi considerada uma das mais perfeitas sonetistas da língua portuguesa, como atesta o soneto abaixo.

Anfitrite

Louco, às doudas, roncando, em látegos, ufano,
O vento o seu furor colérico passeia...
Enruga e torce o manto à prateada areia
Da praia, zune no ar, encarapela o oceano.

A seus uivos, o mar chora o seu pranto insano,
Grita, ulula, revolto, e o largo dorso arqueia;
Perdida ao longe, como um pássaro que anseia,
Alva e esguia, uma nau avança a todo o pano.

Sossega o vento; cala o oceano a sua mágoa;
Surge, esplêndida, e vem, envolta em áurea bruma,
Anfitrite, e, a sorrir, nadando à tona d'água,

Lá vai... mostrando à luz suas formas redondas,
Sua clara nudez salpicada de espuma,
Deslizando no glauco amículo das ondas.

Outro soneto de Francisca Júlia digno de nota é o que transcrevo abaixo:

Musa impossível

Musa! Um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de Jô, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma angüiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra;
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora surdo rumor de mármores partidos.

Ainda da fase parnasiana, é mister mencionar, até por questão de justiça, a não tanto conhecida, porém excelente poetisa, Rosalina Coelho Lisboa Larraigotti. Nascida em 1900, em 1920 fez a façanha de conquistar o primeiro prêmio no concurso Literário da Academia Brasileira de Letras, com o seu livro de poesias “Rito Pagão”.
Na época, sua façanha foi considerada pela imprensa como “um triunfo da intelectualidade feminina brasileira!. Rosalina era casada com o sr. Larraigotti, diretor da Companhia Sul-América de Seguros. A esse propósito, o crítico Agripino Grieco, cuja língua ferina era temida pela maioria dos escritores, fez uma observação ao meu ver injusta. Disse, com incontestável ironia: “A Rosalina pode não ser a maior escritora da América do Sul, mas é, seguramente, a maior escritora da Sul-América”. Um exemplo da sua poesia é o poema abaixo.

S. Luís

Na caravela real, que o mar verde balança,
Entre adeuses febris da multidão em terra,
E êneos choques casuais de petrechos de guerra,
Embarca a fina flor da nobreza de França.

O velame se enfuna a um vento de bonança,
E essa legião de heróis, que o destino desterra,
Na ambição de lutar e de vencer, encerra
Em páreas e troféus a guerreira esperança.

Na fé, que lhe enche o olhar e lhe ilumina o aspeito,
Um homem sobressai de soberano porte;
Traz da cruz, na loriga, o símbolo perfeito:

— É el-rei S. Luís, que vai, abroquelado e forte,
O orgulho à fronte, o gládio à mão, o escudo ao peito,
Cavaleiro de Deus, à conquista da morte!

(CONTINUA)

No comments: