Friday, October 12, 2007

Usina de idéias


Pedro J. Bondaczuk


O apresentador Milton Neves, que comanda, nas manhãs e tardes de domingo o programa “Terceiro Tempo” na Rádio Bandeirantes de São Paulo e apresenta, à noite, na Rede Record, a versão televisiva, compacta, dessa mesma atração, costuma dizer, em tom de brincadeira, quando provocado, que é uma “usina de idéias”. E, queiram ou não, é mesmo. O que admiro nesse incansável profissional é o seu bom-humor. Está sempre brincando e nessas suas brincadeiras, como quem não quer nada com nada, sem a chatice de declarações editorializadas tão em voga no jornalismo tupiniquim, diz as grandes verdades.
Sei que se trata de um apresentador polêmico, que desperta paixões extremas e antagônicas. Alguns, admiram-no ao extremo, e se confessam “miltistas juramentados”. Outros, tantos, repudiam seu estilo de trabalho e atacam-no de todas as formas. Aqui mesmo, no Comunique-se, sempre que o nome de Milton Neves é mencionado em algum artigo, os debates ficam para lá de acesos. E as reações são as mesmas que na Bandeirantes: uns, defendem-no com fervor, outros o combatem, não raro com ferocidade. Esta é a sina do homem público. Também sou amado e odiado por milhares, sem que haja consenso. E é bom que isso aconteça. Afinal, como já sentenciava Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”.
Não tive ainda a feliz oportunidade de conhecer esse polêmico profissional (pelo qual, confesso, tenho grande admiração e carinho) pessoalmente. Estou certo, porém, que a terei. Afinal, como diz o povo, neste nosso meio de comunicação, “até as pedras se encontram”. Mas trabalhei com colegas que conhecem bem Milton Neves, que convivem ou conviveram com ele, e todos são unânimes em destacar esse seu bom-humor, suas tiradas polêmicas e sua capacidade de brincar, o tempo todo, com coisas tidas como sérias, como o futebol. Séria, o futebol?! Fala sério!!! Mas como! Com tanta patifaria e marmelada que há nesse meio?! Cadê a seriedade?! Ela só existe na cabeça de meia-dúzia de fanáticos. Mas... deixa pra lá!
Milton Neves diz, a todo o momento, que “o futebol é a coisa mais séria entre as coisas menos sérias”. O jornalista Pedro Aurélio, nascido em Muzambinho, Sul de Minas (onde, aliás, se faz um doce de leite desses de se comer rezando) como o próprio, fala muito bem dessa “usina de idéias”. “Esse não vale”, dirão alguns. E justificarão: “é conterrâneo do apresentador e, portanto, suspeito para falar qualquer coisa”.
Está bom! Cito outro, que é daqui da minha cidade, com o mesmo bom-humor e estilo parecido com o de Milton Neves. Refiro-me ao correspondente (há décadas) da Jovem Pan em Campinas, o radialista e jornalista (que está há mais de trinta anos no Correio Popular) Renato Otranto. Quando ambos trabalhavam na mesma emissora, era uma delícia ouvir as brincadeiras irônicas que um fazia com o outro, no ar. Isso ocorria dia após dia, por anos a fio. O noticiário ficava mais leve, mais descontraído e se tornava até palatável. E o futebol virava, aí sim, o que sempre deveria ser para todos: uma diversão.
Renato (embora não dissesse explicitamente, pois é um desses gozadores que perde o amigo, mas não a piada), sempre se mostrou um admirador de Milton Neves. Aliás, esse veterano jornalista campineiro é a pessoa mais bem-humorada que já conheci em minha já longa carreira jornalística, pelas tantas redações da vida por que passei. Tem um repertório de histórias deliciosas (diria, impagáveis, como se dizia há pouco tempo das boas anedotas) em especial do Correio Popular.
Nos nossos raros momentos de relaxamento, entre uma edição e outra, no “fumatório” (espaço reservado pela empresa para os fumantes), dei muitas gargalhadas com os vários e vários episódios engraçados que ele narrou, envolvendo colegas que ainda trabalhavam ou que já trabalharam conosco. Deveria escrever um livro a respeito. Seria, certamente, um best-seller, pelo menos no nosso meio.
Mas, voltando a Milton Neves, as brincadeiras mais freqüentes que fazia com o Renato envolviam a dimensão da cabeça deste. Ela é, como posso dizer sem ser ofensivo, digamos, “um tanto avantajada”. O jornal inteiro (diria a cidade de Campinas toda) fazia esse tipo de brincadeira com o solerte repórter. Ele fingia que ficava bravo, soltava dois ou três palavrões e... sai debaixo. Vinha com uma resposta engatilhada na ponta da língua de constranger o engraçadinho e deixá-lo sem graça. Mas tudo em alto nível, sem apelações. Milton Neves, porém, nunca se constrangeu com as respostas do Renato. Ambos travavam, no ar, deliciosos duelos verbais, de ditos engraçados, que eram divertidíssimos. E estes ficavam ainda melhores quando Flávio Prado entrava na parada.
Um dia ainda haverei de escrever uma crônica séria sobre essa história de “usina de idéias”. Mas, antes de encerrar esse nosso bate-papo semanal, ressalto a generosidade do Milton. Destaco, sobretudo, seu empenho em resgatar tanto a memória do futebol, quanto a do rádio. É comovente, por exemplo, o respeito que manifesta pelos ídolos do passado (às vezes nem tão remoto assim) e que o torcedor (sempre volúvel) teima em esquecer. E aplaudo o carinho e a atenção que mostra pelos companheiros de trabalho, os quais, porém, não se cansa de chatear. Tudo isso (parodiando Che Guevara) “sin perder el bueno-humor, jamas!” (penso que é assim que se escreve, pelo menos no meu arrevesado portunhol). Cá pra nós: que figuraço é esse Milton Neves!!!

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