Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
TRÊS DESTAQUES
Poetisas contemporâneas (felizmente) temos em profusão. Muitas, no entanto, são de grande representatividade e merecem pelo menos ser destacadas (se não comentadas). Temos, por exemplo, o grupo conhecido como “Neo-Simbolista”, integrado por Maria da Saudade Cortesão, Celina Ferreira, Lupe Cotrim Garaude, Hilda Hilst (da qual quero destacar, de maneira especial, dois versos lindíssimos. O primeiro é o que diz: “Agora o amor é inútil,/é inútil o meu consolo. O segundo é este: “Cansa-me o amor porque é centelha/e exige posse e pranto, sal e adeus”), Ruth Sylvia de Miranda Salles e Renata Pallottini, entre outras.
Não se pode esquecer da potiguar Auta de Souza. Nem de Stela Leonardos, Adalgisa Nery (grande jornalista e romancista também), Ana Cristina César (autora de “Inéditos e Dispersos”). Muito menos da mineira Adélia Prado, que amo de paixão, nascida em Divinópolis, autora dos livros “O coração disparado”, “Solte os cachorros” e “Terra de Santa Cruz”, entre os tantos que publicou.
Aliás, de Ruth Sylvia de Miranda Salles há um poema, do seu livro “Sem Símbolos Nenhuns” (Editora Cátedra/Pró-Memória – Instituto Nacional do Livro) que me impressionou bastante. É o que abre essa excelente coletânea de versos, que partilho com o leitor:
Retrato
Ah, Senhor, por que não sermos
Amados pelo que somos,
E sim pelo que nos sonham?
Os mais prementes anseios
Abandonamos na vida.
Resta a mágoa adquirida.
Com que torturado esforço
Arrastamos o que temos
Para fora da moldura!
Para que o olhar amado
Resplandeça de ternura,
Há que ser outro o retrato.
A mágoa de não nos sermos
Guardemos adormecida.
Para não manchar a tela
Toda lágrima guardemos.
E que as ondas desse pranto
Embalem tamanha perda.
Ah, Senhor, nessa premência
De termos o que nos trazem,
De sermos o que nos sonham,
Afinal o que é que somos?
Somos o vasto silêncio
Da solidão que nos fazem.
Lindo poema, não é mesmo? Merece maior divulgação, maior partilha, maior reconhecimento. Reflete, sobretudo, profunda verdade. Nunca, ou quase nunca, somos amados por aquilo que realmente somos. Nossos verdadeiros méritos, na maioria das vezes, ficam encobertos aos olhos que gostaríamos que os vissem. Nossas virtudes, em geral, são tidos, até, como defeitos. Amam-nos pelo que sonham que nós sejamos, não pelo que de fato somos. Por isso, tantas decepções, tamanhos desencontros e tão grande fartura de infelicidade!
Antes de encerrar estas descompromissadas digressões, destaco três poetisas, de épocas e estilos diversos, que não posso deixar de mencionar. A primeira é Henriqueta Lisboa. Pouco conhecida do público, essa mineira, nascida em Lambari em 15 de julho de 1904, recebeu vários prêmios literários, entre os quais a Medalha da Inconfidência de Minas Gerais (com o livro “Madrinha Lua”, em 1952) e o Prêmio Brasília de Literatura, em 1971, pelo conjunto da sua obra.
A seu respeito, Alfredo Bosi afirma que “possui um ritmo oscilante entre o fechamento e a abertura do ‘eu’ à sociedade e à natureza”. Vislumbra, na obra de Henriqueta “experiências metafísicas e herméticas de certo veio rilkeano da lírica moderna”. Além do que, distingue-a como “sutil tecedora de imagens capazes de dar uma dimensão metafísica a seu intimismo radical”. Seus principais livros são: “Prisioneiros da noite”, “A face lívida”, “Flor da morte”, “Lírica”, “Convívio poético” e “Montanha viva”. A título de ilustração, trago para o leitor os versos abaixo de Henriqueta Lisboa, do livro “Menino Poesia” (1943):
Ciranda de mariposas Vamos todos cirandarciranda de mariposas.Mariposas na vidraçasão jóias, são brincos de ouro.Ai! poeira de ouro translúcidabailando em torno da lâmpada.Ai! fulgurantes espelhosrefletindo asas que dançam.Estrelas são mariposas(faz tanto frio na rua!)batem asas de esperançacontra as vidraças da lua.
Meu segundo destaque é Lúcia Miguel Pereira. Natural de Barbacena, Minas Gerais, onde nasceu em 1903 (foi criada, todavia, no Rio de Janeiro), foi poetisa, romancista, historiadora de literatura e crítica de arte. Mulher de grande cultura e sensibilidade, seus livros “Três romancistas regionalistas”, “Machado de Assis – Estudo crítico e biográfico”, “A leitora e seus personagens”, “Da maturidade” e, principalmente, “Prosa de Ficção”, são leituras obrigatórias para os estudiosos de literatura.
Finalmente, meu terceiro destaque vai para a atriz e poetisa, que foi amiga de Mário Quintana (que nutria por ela um carinho especial) Bruna Lombardi. Paulistana, nascida em 1º de agosto de 1951, vive, atualmente, com o marido, o ator Carlos Alberto Ricceli, nos Estados Unidos. Com a roda-viva que é a sua profissão, ainda arranjava tempo para escrever (e bem), uma poesia sutil, elegante e, ao mesmo tempo, intimista.
Conheço, dela, três livros de poesia (não sei se tem outros), que são: “No ritmo dessa festa” (1976), “Poesia gaia” (1980) e “O perigo do dragão” (1984). Reproduzo, dela, o poema abaixo, que consta do livro “O perigo do dragão”:
Alta Tensão
eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar meu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
(Ensaio publicado na página 31, Especial, do Correio Popular, em 8 de março de 1990).
(CONTINUAÇÃO)
TRÊS DESTAQUES
Poetisas contemporâneas (felizmente) temos em profusão. Muitas, no entanto, são de grande representatividade e merecem pelo menos ser destacadas (se não comentadas). Temos, por exemplo, o grupo conhecido como “Neo-Simbolista”, integrado por Maria da Saudade Cortesão, Celina Ferreira, Lupe Cotrim Garaude, Hilda Hilst (da qual quero destacar, de maneira especial, dois versos lindíssimos. O primeiro é o que diz: “Agora o amor é inútil,/é inútil o meu consolo. O segundo é este: “Cansa-me o amor porque é centelha/e exige posse e pranto, sal e adeus”), Ruth Sylvia de Miranda Salles e Renata Pallottini, entre outras.
Não se pode esquecer da potiguar Auta de Souza. Nem de Stela Leonardos, Adalgisa Nery (grande jornalista e romancista também), Ana Cristina César (autora de “Inéditos e Dispersos”). Muito menos da mineira Adélia Prado, que amo de paixão, nascida em Divinópolis, autora dos livros “O coração disparado”, “Solte os cachorros” e “Terra de Santa Cruz”, entre os tantos que publicou.
Aliás, de Ruth Sylvia de Miranda Salles há um poema, do seu livro “Sem Símbolos Nenhuns” (Editora Cátedra/Pró-Memória – Instituto Nacional do Livro) que me impressionou bastante. É o que abre essa excelente coletânea de versos, que partilho com o leitor:
Retrato
Ah, Senhor, por que não sermos
Amados pelo que somos,
E sim pelo que nos sonham?
Os mais prementes anseios
Abandonamos na vida.
Resta a mágoa adquirida.
Com que torturado esforço
Arrastamos o que temos
Para fora da moldura!
Para que o olhar amado
Resplandeça de ternura,
Há que ser outro o retrato.
A mágoa de não nos sermos
Guardemos adormecida.
Para não manchar a tela
Toda lágrima guardemos.
E que as ondas desse pranto
Embalem tamanha perda.
Ah, Senhor, nessa premência
De termos o que nos trazem,
De sermos o que nos sonham,
Afinal o que é que somos?
Somos o vasto silêncio
Da solidão que nos fazem.
Lindo poema, não é mesmo? Merece maior divulgação, maior partilha, maior reconhecimento. Reflete, sobretudo, profunda verdade. Nunca, ou quase nunca, somos amados por aquilo que realmente somos. Nossos verdadeiros méritos, na maioria das vezes, ficam encobertos aos olhos que gostaríamos que os vissem. Nossas virtudes, em geral, são tidos, até, como defeitos. Amam-nos pelo que sonham que nós sejamos, não pelo que de fato somos. Por isso, tantas decepções, tamanhos desencontros e tão grande fartura de infelicidade!
Antes de encerrar estas descompromissadas digressões, destaco três poetisas, de épocas e estilos diversos, que não posso deixar de mencionar. A primeira é Henriqueta Lisboa. Pouco conhecida do público, essa mineira, nascida em Lambari em 15 de julho de 1904, recebeu vários prêmios literários, entre os quais a Medalha da Inconfidência de Minas Gerais (com o livro “Madrinha Lua”, em 1952) e o Prêmio Brasília de Literatura, em 1971, pelo conjunto da sua obra.
A seu respeito, Alfredo Bosi afirma que “possui um ritmo oscilante entre o fechamento e a abertura do ‘eu’ à sociedade e à natureza”. Vislumbra, na obra de Henriqueta “experiências metafísicas e herméticas de certo veio rilkeano da lírica moderna”. Além do que, distingue-a como “sutil tecedora de imagens capazes de dar uma dimensão metafísica a seu intimismo radical”. Seus principais livros são: “Prisioneiros da noite”, “A face lívida”, “Flor da morte”, “Lírica”, “Convívio poético” e “Montanha viva”. A título de ilustração, trago para o leitor os versos abaixo de Henriqueta Lisboa, do livro “Menino Poesia” (1943):
Ciranda de mariposas Vamos todos cirandarciranda de mariposas.Mariposas na vidraçasão jóias, são brincos de ouro.Ai! poeira de ouro translúcidabailando em torno da lâmpada.Ai! fulgurantes espelhosrefletindo asas que dançam.Estrelas são mariposas(faz tanto frio na rua!)batem asas de esperançacontra as vidraças da lua.
Meu segundo destaque é Lúcia Miguel Pereira. Natural de Barbacena, Minas Gerais, onde nasceu em 1903 (foi criada, todavia, no Rio de Janeiro), foi poetisa, romancista, historiadora de literatura e crítica de arte. Mulher de grande cultura e sensibilidade, seus livros “Três romancistas regionalistas”, “Machado de Assis – Estudo crítico e biográfico”, “A leitora e seus personagens”, “Da maturidade” e, principalmente, “Prosa de Ficção”, são leituras obrigatórias para os estudiosos de literatura.
Finalmente, meu terceiro destaque vai para a atriz e poetisa, que foi amiga de Mário Quintana (que nutria por ela um carinho especial) Bruna Lombardi. Paulistana, nascida em 1º de agosto de 1951, vive, atualmente, com o marido, o ator Carlos Alberto Ricceli, nos Estados Unidos. Com a roda-viva que é a sua profissão, ainda arranjava tempo para escrever (e bem), uma poesia sutil, elegante e, ao mesmo tempo, intimista.
Conheço, dela, três livros de poesia (não sei se tem outros), que são: “No ritmo dessa festa” (1976), “Poesia gaia” (1980) e “O perigo do dragão” (1984). Reproduzo, dela, o poema abaixo, que consta do livro “O perigo do dragão”:
Alta Tensão
eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar meu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
(Ensaio publicado na página 31, Especial, do Correio Popular, em 8 de março de 1990).
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