Tuesday, October 02, 2007

Rótulos e estereótipos


Pedro J. Bondaczuk


O consumidor brasileiro, a despeito da existência de códigos, leis, órgãos e associações que pretensamente atuam em sua defesa, é um dos mais desprotegidos e desrespeitados do mundo. Em geral, tem de arcar com prejuízos na aquisição de produtos e serviços de má qualidade, pagos a peso de ouro e quando tenta reclamar, acaba transformado no vilão, no chato, no encrenqueiro.
Nem é preciso citar exemplos para fundamentar esta afirmação. Raros são os cidadãos que nunca passaram por essa situação desconfortável e, sobretudo, prejudicial. Nesta era do consumo em massa, o ser humano acaba, de fato, massificado, despersonalizado, rotulado. Ele é o cliente, o paciente, o usuário, o aluno e vai por aí afora, e nunca o Paulo, o Antonio, o José ou a Maria. O indivíduo tem sido submetido a instituições que ele próprio criou para o servir e que findam por fazer dele o seu escravo.
É o caso dos Estados, por exemplo, que não passam de uma abstração, de um rótulo, de um conceito. O que importa neles, todavia, são as pessoas que lhes dão vida, lhes outorgam dinâmica, fazem com que funcionem.
A mania pelo estereótipo estende-se por todos os setores da existência. Seres humanos são classificados por etnias, por religião, por cor ou por convicção política e não na sua essência, naquilo que realmente têm de importante. Esse procedimento, fruto de uma cultura profundamente arraigada nas diversas sociedades, gera preconceitos, rancores gratuitos, ódios insensatos e está na raiz de todas as guerras, revoluções e explosões de violência que marcaram a história.
Por que não encarar o homem pelo que ele é? Por que não conceder aos outros o respeito que exigimos deles? Por que nos colocarmos numa posição de todo-poderosos quando somos transitórios, passageiros, impotentes para vencer nossa insignificância e efemeridade? Empresas, instituições, Estados, sistemas e até religiões passam e às vezes sequer deixam vestígios de sua existência ao longo da história. Ficam princípios, atos, idéias, sentimentos, desde que realmente valham a pena.
Nossos intelectuais têm essa mania (claro que há exceções; sempre há) e sequer se dão conta disso. O antropólogo Roberto da Matta, por exemplo, em artigo que publicou no Jornal do Brasil em 24 de julho de 1993, analisou essas tentativas de definir o jeito de ser do brasileiro. Constatou, em determinado trecho: "Em torno de 1900, o Brasil foi lido como um país a ser arianizado; em 1960, foi a nação dos espoliados prestes a realizar sua grande revolução socialista; em 1970, foi a terra do milagre econômico do Delfim e do Médici, hoje, ele é visto como país da violência, da falência moral, do separatismo e da ausência de valores éticos".
Estereótipos. Meros estereótipos. O País está longe de ser homogêneo, quer no comportamento da população, quer nos estágios de desenvolvimento em que se encontra. Há ilhas de prosperidade de fazer inveja a sociedades do Primeiro Mundo, mas existem bolsões de miséria, de enormes proporções, rivalizando com povos mais carentes da África, como Burkina Faso, Somália, Ruanda ou Etiópia.
Há metrópoles modernas e dinâmicas e comunidades mergulhadas num imenso atraso. Há pessoas extremamente competentes, solidárias, com altíssimo senso ético e bandidos cínicos e cruéis, muitos dos quais de colarinho branco, a cometer toda a sorte de crimes. Há crianças sadias, superdotadas, com potencial para ter um brilhante futuro e meninos de rua como Ricardo da Silva Soares, de 12 anos, que teve o crânio esmagado pelas rodas de um caminhão da Prefeitura de São Paulo, no dia 10 de setembro de 1994, ao ser confundido com um saco de lixo, dentro do qual dormia, numa calçada do Largo do Arouche.
Tudo isso é Brasil. Podemos ser um pouco de Macunaíma, mas também o somos da Irmã Dulce. Podemos ter características de Lampião, mas temos a coragem e o ideal de um Marechal Rondon. Somos múltiplos, heterogêneos, não somos passíveis de receber rotulações. O próprio da Matta, no mencionado artigo, conclui: "Nenhuma sociedade se esgota nas definições dos seus membros. As imagens variam, o que nos leva a pensar que somos parte de um momento e de uma geração que nos limita. Isso demonstra que ninguém está com a verdade, o que é um alento numa sociedade, na qual cada grupo foi sempre dono de uma verdade absoluta". O Brasil é tão grande que não cabe em estereótipos! O consumidor, o cidadão, o ser humano são importantes demais para serem estereotipados! Por isso é preciso parar com essa mania estúpida.

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