Friday, October 19, 2007

Presença da mulher na poesia brasileira - V




Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

A MELHOR POETISA

Embora não seja consensual, considero Cecília Meirelles a melhor poetisa brasileira de todos os tempos. Esse tipo de classificação, claro, é bastante subjetivo e cada apreciador de literatura tem as suas preferências. Prefiro ficar com a minha e por uma série de razões. Basta uma análise, mesmo que superficial, da sua obra, para se tornar, liminarmente, seu admirador. Seu estilo e sua trajetória de vida são bastante semelhantes aos da chilena Lucila Godoy Alcayaga, que se consagrou na literatura mundial com o pseudônimo de Gabriela Mistral, ganhadora de um Prêmio Nobel de Literatura.
Ambas foram professoras e dedicaram a maior parte de suas vidas ao magistério. As duas tiveram fases espiritualistas e se consideravam, antes e acima de tudo, não escritoras, mas mestras. Contasse, Cecília Meirelles, com apoios importantes, também poderia ostentar, sem nenhum exagero, um Nobel de Literatura. Mereceu-o amplamente. É, portanto, mais uma das tantas e tantas pessoas que integram a extensíssima relação dos injustiçados pela Academia de Ciências da Suécia, responsável pela premiação.
Escrever sobre Cecília Meirelles é fácil e difícil ao mesmo tempo. A facilidade está na qualidade da sua obra, que salta aos olhos até do leigo, que permite que o crítico e o estudioso de poesia destaque uma fartura de nuances, que às vezes passam despercebidas aos que não estão muito acostumados à leitura (e em especial de poesia). Curiosamente, a dificuldade está exatamente nesse fato. E, sobretudo, na abundância da sua obra, toda ela bem-elaborada, levando o leitor desatento a não dar o devido relevo ao que merece ser destacado.
Essa fluminense, que escreveu muito e viveu, relativamente, pouco (apenas 63 anos), integra, com todas as honras que lhe são devidas, aquele grupo seletíssimo da poesia contemporânea brasileira, integrado por Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Jorge de Lima, João Cabral de Mello Neto, os irmãos Campos, Décio Pignatari, Guilherme de Almeida, Affonso Romano de Sant’Anna e um ou outro mais, que dispensam citações, a despeito das diferenças dos temas que abordaram e dos estilos de composição que adotaram.
Hoje, mesmo os que desconhecem a sua vasta e excelente obra, sabem, pelo menos, da sua existência. Não foi sem razão que a Casa da Moeda lhe prestou, em 1990, uma homenagem, estampando sua efígie nas cédulas de NCz$ 100,00. Pena que isso tenha ocorrido numa época de inflação galopante e quando a moeda trocava, a todo instante, de nome e de característica. Durou pouco, pouquíssimo, portanto, essa merecida homenagem à nossa maior poetisa de todos os tempos. Foi bom enquanto durou.
Cecília é uma estrela de intenso brilho não somente da poesia, da literatura, mas de toda a cultura brasileira, que ajudou a formar e difundir, na qualidade de educadora. Durante parte considerável de sua vida dedicou-se, de corpo e alma, ao magistério, notadamente o primário, guiando os passos de tantas crianças, que hoje ocupam posições de destaque na sociedade.
Atuou, também, como jornalista, assinando, por quatro anos consecutivos (de 1930 a 1934) uma coluna semanal, em que abordava os problemas do ensino no Brasil (que, convenhamos, sempre foram graves e abundantes). Como se não bastasse, Cecília, ainda, era uma autoridade em folclore. Conhecia, como poucos, as tradições populares, seus folguedos, lendas, ditos e práticas. Ou seja, a própria essência da alma brasileira.
Personalidade fascinante, extremamente culta, era uma pessoa dinâmica, inquieta e, sobretudo, realizadora. Essa característica prática contrasta, profundamente, com o que transmite em seus poemas, intimistas e místicos. Aliás, o misticismo foi a fonte mais farta da sua inspiração. Cecília Meirelles é o nome de destaque da segunda fase dos chamados “espiritualistas” da nossa moderna literatura.
Alfredo Bosi, em seu livro “História concisa da Literatura Brasileira” (Editora Cultrix) afirma que a nossa poetisa maior tinha, sobretudo, uma “lírica essencial antipitoresca e antiprosaica”. Tinha a enorme capacidade de tomar o cotidiano e não descrevê-lo, na sua banalidade, mas de transfigurá-lo.
Uma outra dificuldade em falar da pessoa e da obra de Cecília Meirelles é a de se ser original. Ou seja, de encontrar algum detalhe, por menor que seja, que já não tenha sido abordado por alguém. Tanta gente importante já escreveu a seu respeito (entre outros, Mário de Andrade, Álvaro Lins, Murilo Mendes, Paulo Ronai, Carlos Drummond de Andrade, Osmar Pimentel), que pouca coisa eu tenho a acrescentar sobre tudo o que foi escrito.
Cecília aliava, a uma sensibilidade que brotava à flor da pele, ecletismo e erudição. Tinha tanta cultura, que fez várias conferências no Exterior, sobre a nossa literatura e nosso folclore, sempre com enorme sucesso. Pena que vivesse numa época em que os nossos acadêmicos ainda não tinham a visão aberta, isenta de preconceitos. Tivesse vivido um pouco mais (morreu em 1964) e, sem desmerecer Rachel de Queiroz, certamente seria dela a primazia de se tornar a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Todavia, sua imortalidade é maior do que uma eventual honraria acadêmica. Cecília Meirelles viverá, para sempre, no emotivo coração dos brasileiros, que soube cativar tão bem com a magia dos seus versos.

(CONTINUA)

No comments: