Thursday, September 11, 2008

Na barquinha da esperança


Pedro J. Bondaczuk


O futuro sempre é projetado por nós, em nossa mente, como potencialmente melhor do que o presente, mesmo que este seja de satisfatório para bom e que a lógica indique que a tendência seja a de piorar, em muitos aspectos, se não em todos. Essas projeções são ditadas, apenas, pela fantasia, sem a interferência da razão. Raramente se baseiam em fatos concretos e nunca levamos em conta os imprevistos.
Não se trata de ser pessimista, mas com base na pura lógica, se pode afirmar que o futuro, pelo menos o mais remoto (não o imediato) sempre tende a ser pior do que o presente. Por que? Porque nele há imensa probabilidade de perdermos entes que amamos, de pagarmos duro preço pelas oportunidades que desperdiçarmos, de termos que conviver com frustrações e decepções que acumularmos, além da certeza de que envelheceremos, nossas forças e nosso entusiasmo declinarão, o mundo estará mais povoado (e por isso, mais competitivo e tenso) e os problemas pessoais e sociais haverão, por conseqüência, de se multiplicar exponencialmente. E que, sobretudo, nele estará o nosso fim.
É preciso mais algum argumento? Por isso, mandam a prudência e a sabedoria que aproveitemos, ao máximo, o momento presente (que é certeza), sem deixar o gozo das coisas boas que a vida nos proporciona para um amanhã incerto e incógnito.
Fernando Pessoa foi à raiz desse comportamento, para explicar a razão de agirmos dessa maneira ilusória e insensata, ao escrever, em um de seus ensaios: “O futuro é sempre belo, porque ele viaja na barquinha da esperança, cujas velas dilata aquela brisa inebriante, que é a fantasia”.
Sejamos, portanto, sábios e prudentes. Vivamos plenamente o aqui e o agora, que já construímos e que conhecemos de sobejo, sem adiar nossas satisfações e projetos para um remoto e incerto amanhã e, principalmente, sem contar com essa coisa Ilusória e vaga, que é o acaso, que muitos chamam de “sorte” e outros consideram como sendo “destino”. Bobagem.
A esta altura, uma pergunta, fundamental e prática, se impõe: podemos construir um futuro (individual e coletivo) promissor e tornar concretos aqueles sonhos e ideais, de igualdade, fraternidade, prosperidade e paz, pelos quais tanto nos empenhamos na juventude? Sozinhos, jamais!
Em tese, porém, é possível vencer esse desafio, coletivamente. Para tanto, todavia, teríamos que satisfazer tantas condições, que a tarefa raia à impossibilidade. A humanidade, por exemplo, teria que remar (pelo menos a imensa maioria) na mesmíssima direção, sem privilégios ou exceções. As pessoas teriam que trocar seu renitente individualismo (para não dizer, egoísmo) atual, por absoluto altruísmo.
Todos teriam que ser educados para atuar coletivamente, tendo em vista, sempre, o bem comum. Seria necessária, também, a consciência da importância de se zelar pelo meio-ambiente, pondo fim ao frenético e burro consumismo de hoje e abrindo mão de determinados confortos e facilidades, em troca da pureza do ar e da água e da preservação das florestas.
Outra coisa indispensável seria deter a atual e incontrolável explosão demográfica. O mundo está chegando ao limite para prover alimentos para 6,7 bilhões de bocas, que não param de se multiplicar. A lógica diz que se essa multiplicação não se detiver e prosseguir em progressão geométrica, como agora, haverá um trágico período de fome mundial, que atingirá a ricos (pouco) e a pobres (demais).
A paternidade, ademais, teria que ser responsável e só deveria gerar filhos quem tivesse absoluta capacidade de lhes dar sustento e educação convenientes. E estas seriam condições mínimas para que a humanidade pudesse escapar da catástrofe anunciada – que se avizinha, mais e mais – sem que governos, povos e comunidades sequer se dêem conta, quanto mais se previnam contra ela, ou façam, o que quer que seja, para evitar que ela aconteça.
Mais uma vez, sob o risco de parecer pessimista, baseado, contudo, somente, em fatos, afirmo o que todo o mundo vê, mas não tem coragem de dizer: caminhamos para o abismo, como fazem os lêmures nos fiordes da Noruega, quando há superpopulação da espécie, que se lançam coletivamente no vazio, e se afogam no mar, aos milhares, num instintivo e inevitável suicídio em grupo.
Tudo tem um limite. E o número de habitantes também deve ter. Victor Hugo alertou, certa feita, em um dos memoráveis textos que nos legou: “O futuro é um edifício misterioso que levantamos na terra com as próprias mãos, e que mais tarde deverá servir-nos a todos de moradia”. Ou seja, trata-se de obra coletiva, posto que com a indispensável contribuição individual de cada um dos 6,7 bilhões de terráqueos, em que não pode haver privilegiados e nem omissos. Como os há, e em profusão, nossa “barquinha da esperança” tende a naufragar, mais dia menos dia. Infelizmente...

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