A hora de ter razão
Pedro J. Bondaczuk
Ao
entrarmos em uma discussão, qualquer que seja sua natureza ou teor,
tentamos provar, por todos os meios, que estamos com a razão.
Recorremos a toda espécie de argumentos para demonstrar que estamos
certos (não raro, até, quando estamos errados). Muitas vezes,
esgotada nossa argumentação, nos deixamos levar pela ira e tentamos
impor nosso ponto de vista a ferro e fogo. E a discussão finda por
se transformar em briga, de consequências sempre imprevisíveis,
para nós e para nossos interlocutores.
Claro
que em discussões de alto nível isso raramente acontece. Há casos
em que conseguimos convencer quem discute conosco que estamos com a
razão. Se formos magnânimos e não tripudiarmos sobre nosso
antagonista, tudo terminará bem, entre risos e afagos e não
restarão rusgas e ressentimentos entre ambos. Pode ocorrer o
contrário, ou seja, do nosso interlocutor nos demonstrar que
estávamos errados a propósito do que discutíamos. É o momento de
deixarmos a vaidade de lado e nos rendermos, com elegância e
cavalheirismo.
Quase
nunca, porém, uma discussão, mesmo que se trate de assunto dos mais
triviais e corriqueiros, termina em consenso. Há ocasiões em que
insistimos em defender nosso ponto de vista, mesmo que convencidos
intimamente de que não temos razão, às últimas consequências. Ou
que nosso antagonista aja dessa mesma maneira e se mostre irredutível
na tese que defende. Aliás, esse tipo de desfecho, infelizmente, é
o mais comum. Melhor é nunca discutir.
Se
a discussão, com esse final, ou seja, com as duas partes mantendo-se
intransigentes em suas posições, for com algum amigo, essa amizade
pode ficar comprometida, quando não arruinada. Muitas vezes nos
afastamos de pessoas de quem gostamos e que ostensivamente gostam de
nós e nos são leais, apenas por esses arroubos de vaidade. É
aquela mania de “nunca darmos o braço a torcer”.
Todavia,
há momentos, interlocutores e circunstâncias em que é melhor não
ter razão. Ou abrir mão dela, mesmo que a tenhamos e que seja
nítida e cristalina. Não se trata de hipocrisia, ou de falta de
personalidade ou, mesmo, de não se dar valor à verdade. Trata-se de
“diplomacia”. Ademais, se estivermos certos em nosso ponto de
vista, o fato de alguém tentar demonstrar o contrário, ou seja, de
que estamos errados, não alterará em nada a realidade. Aos olhos
dos espectadores quem ficará mal será aquele que não admitir seu
equívoco.
O
poeta e cronista Affonso Romano de Sant’Anna, um dos escritores que
mais admiro pelo seu talento, criatividade e bom-senso, alerta, na
crônica intitulada “Aprendendo a amar”: “Ter razão é o maior
perigo no amor”. Eu diria que não somente é perigoso, como é
desastroso. Via de regra, uma discussão tola, não raro por motivo
dos mais fúteis e pueris, arruína um relacionamento e separa, para
sempre, duas pessoas que tinham tudo para construírem maravilhosa
vida em comum.
E
Sant’Anna justifica seu alerta: “Quem tem razão sempre se sente
no direito – e o tem – de reivindicar, de exigir justiça,
equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez
passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem
queira. Ter razão é um perigo: em geral, enfeia o amor, pois é
invocado com justiça, mas na hora errada. Amar bonito é saber a
hora de ter razão”.
No
amor, um dos ingredientes essenciais é a capacidade de renúncia em
favor da pessoa amada. É não somente desejar, mas se desdobrar,
mover céus e terra, para que ela seja e se sinta feliz. Às vezes,
não há reciprocidade da outra parte no que se refere a esse
esforço. Mas quando há... Ah, sentimo-nos no Paraíso!!! Percebemos
que vale a pena nos despir de vaidades, em geral tolas, diante do
prêmio maior que poderemos conquistar.
Se
você se vir em circunstâncias em que sua razão for contestada por
quem você ama, mude de assunto. Elogie, por exemplo, sua beleza.
Fale de seus olhos encantadores, do seu sorriso que o embevece, do
seu porte altaneiro e de tantas e tantas outras coisas que você
admire na amada. Desarme os espíritos (o seu e o dela).
Discussões
sempre acontecem em qualquer relacionamento, por mais sólido que
este seja. Afinal, as duas pessoas envolvidas são dois mundos
distintos e dificilmente terão a mesma opinião em tudo e sempre. A
lógica diz que irão divergir em inúmeras ocasiões e a propósito
de inúmeras coisas. Não chegarão ao consenso em um montão de
assuntos, com certeza. E é desejável que não cheguem.
Apenas
não reivindique a razão (mesmo que estiver cobertíssimo dela) em
toda e qualquer controvérsia. Seja compreensivo, paciente e sábio.
E nunca se esqueça da consciente observação de Affonso Romano de
Sant’Anna: “Amar bonito é saber a hora de ter razão”. Esteja
certo, seu coração lhe dirá, com exatidão, quando este momento
adequado chegar.
Quando
isso ocorrer, não exija que a amada lhe peça desculpas por sua
eventual desconfiança, ou injustiça ou teimosia. Esqueça,
simplesmente, a discussão. Não retruque com azedume, mediante
palavras das quais, com certeza, se arrependerá algum dia de ter
dito. Porquanto amar, mas amar de fato, é “nunca ter que pedir
perdão”. Não peça e nem o exija!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment