Adivinhação do futuro
Pedro J. Bondaczuk
A
previsão do futuro – do que ainda sequer aconteceu –, é,
basicamente, um exercício de adivinhação. É como lançar um dado
e afirmar antes que sairá um número seis. Pode acontecer ou não.
As probabilidades de acerto não são lá tão altas. Algumas
pessoas, todavia, têm a rara capacidade de, juntando os fatos já
acontecidos, e raciocinando com lógica, fazer extrapolações sobre
o que “provavelmente” (mas não “certamente”) acontecerá,
num processo baseado no binômio “causa e consequência”.
Claro
que, dada a imponderabilidade dos acontecimentos, a margem de acerto
não é elevada. Diria, até, que é baixíssima, ínfima, irrisória.
Afinal, é preciso levar em conta o tal do acaso que, pela própria
definição, é absolutamente imprevisível, o que atrapalha (embora
não anule) toda e qualquer previsão.
“E
os profetas?”, perguntarão alguns. Existiram, ou não passaram de
charlatães, de meros exploradores da fé alheia? Estes eram (e são,
pois ainda existem), na verdade, pessoas dotadas de um de senso de
observação incomum, com capacidade extraordinária para fazer
extrapolações. Ou seja, desenvolveram o raciocínio lógico que os
habilitou a esse exercício divinatório.
Suas
previsões, porém, se atentarmos bem, são as mais lógicas
possíveis. Levam sempre em conta determinadas situações e
comportamentos prévios àquilo que se arriscam a prever. Ademais,
caso tivéssemos condições de, realmente, conhecer antecipadamente
o futuro (o que minha mente, empedernidamente cartesiana, se recusa a
aceitar), com cem por cento de acerto, isso sequer seria um prodígio
tão grande como pode parecer.
Não,
principalmente, se levarmos em conta a capacidade da nossa memória
de reter fatos ocorridos não raro milênios antes do nosso
nascimento, dos quais tomamos conhecimento ou por ouvir dizer, ou
através da leitura. O tempo envolvido, desse remotíssimo ontem, é,
convenhamos, muito maior do que o do vizinho amanhã, o que exige
maior esforço do cérebro, certamente.
Jorge
Luiz Borges tratou desse tema, no livro “O informe de Brodie”, e
escreveu a respeito: “Filosoficamente, a memória não é menos
prodigiosa que a adivinhação do futuro; o dia de amanhã está mais
perto de nós que a travessia do Mar Vermelho pelos hebreus que, pelo
menos, no entanto, recordamos”.
Houve
um tempo, e não faz muito, em que em todo o final de ano, alguns
programas de televisão apresentavam supostos adivinhos (cartomantes,
jogadores de tarô, astrólogos, pais-de-santo, numerólogos e
quejandos), que expunham, com ares de sapiência, suas previsões
para o ano seguinte. Diziam, solenemente, um monte de lugares-comuns,
faziam uma sucessão de extrapolações absolutamente lógicas, com
pose de quem tem canal aberto permanente com o “além”.
“Rematados estroinas”
(como diria meu avô) é que esses malandros são!
Ademais,
mesmo fazendo previsões que qualquer pessoa poderia fazer, ainda
assim, se conferidos posteriormente, seus augúrios tinham baixíssima
margem de acerto. Afirmar, por exemplo, que uma personalidade mundial
qualquer vai morrer, não é adivinhar coisa alguma. As
probabilidades de que isso ocorra são altíssimas, ainda mais quando
esses charlatães não identificam a quem se referem. Prever
oscilações na bolsa de valores ou outra dificuldade qualquer na
área econômica é o que Nelson Rodrigues chamaria de óbvio
ululante. Qualquer imbecil pode afirmar isso, sem receio algum de
descontentar os crédulos basbaques.
De
uns tempos para cá, esse tipo de “adivinhação” perdeu um pouco
de popularidade, mas não completamente. Basta ir a qualquer das
milhares de bancas de jornais do País, no início de cada ano, para
encontrar dezenas e dezenas de revistas especializadas em matérias
dessa natureza. E devem vender bastante, caso contrário... Desconfio
que isso ocorra em quase todo o mundo.
Notável,
todavia, foi o poder divinatório do povo maia. Seu calendário, de
exatidão inigualável até hoje, é complementado por extrapolações,
que muitos interpretam como “previsões” ou “profecias”, com
margem de acerto impressionante. Fossem
verdadeiras, todavia,
deveríamos
nos acautelar
em relação, especificamente, a 21
de dezembro 2012. Mas…
nada de extraordinário aconteceu nessa data.
Os
maias previram (e isso há mais de um milênio), que um acontecimento
marcante, que ocorreria nesse ano, iria mudar por completo os rumos
da humanidade e para sempre. E qual seria essa ocorrência? Não
especificaram. E nem disseram se seria algum fenômeno cósmico, que
afetaria a Terra, ou se se trataria de algo provocado pela ganância
e pela burrice humanas (que, convenhamos, são atemporais), o que, no
meu entender, seria
mais provável. E nem revelaram se essa mudança seria para melhor ou
pior. Porém, como
ressaltei, nada além dos dramas co9tidianos, tão nossos conhecidos,
ocorreu.
E
você, meu paciente leitor, o que acha de tudo isso? Acredita em
profecia? Crê na possibilidade de pessoas com talentos incomuns
preverem com exatidão o que ainda não aconteceu, protagonizado por
quem sequer ainda nasceu? Da minha parte... ai, ai, ai, confesso-me
um cético empedernido e contumaz a esse propósito.
Quanto
ao conhecimento do passado (isso sim, para mim, um prodígio), foi a
invenção da escrita que deu ao homem essa possibilidade: a de
registrar o que de mais importante se pensou e se fez em tempos
remotíssimos, posto que não com rigor, digamos, jornalístico,
porquanto “poluído” pela fantasia de quem leu esses relatos e os
passou adiante. Afinal, como diz o povo, “quem conta um conto...”
Para mim, como para Borges, todavia, isso é mais, muito mais
prodigioso do que uma eventual possibilidade de previsão do futuro.
E para você?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment