Impunidade e desconfiança
Pedro J. Bondaczuk
Uma
das características marcantes da interminável e crônica crise que
o País atravessa, que é, sobretudo, moral, é a acentuada tendência
que as pessoas têm para fazer prejulgamentos. Não raro, a mera
suspeita, sem provas e sem a devida fundamentação nos fatos, é
suficiente, entre outras coisas, para a imprensa rotular uma pessoa
de corrupta, ou de caloteira, ou de incompetente, ou de criminosa
etc., o que é replicado nas redes sociais e que redunda,
invariavelmente, em “linchamento moral” dos atingidos.
Há
casos e mais casos desse tipo de ocorrência, tão conhecidos que se
torna até desnecessária sua menção, com conseqüências danosas,
não raro irreparáveis, para a honra e a credibilidade dos
atingidos. Basta citar, apenas, o mais emblemático deles: o dos
proprietários da Escola de Base, de São Paulo, crucificados,
vilipendiados, enxovalhados e humilhados pelos meios de comunicação,
por alegado abuso sexual cometido contra um garotinho de 4 anos de
idade e que, ao cabo das investigações, se comprovou que eram
absolutamente inocentes. Até hoje, porém, os irresponsáveis que
mancharam a reputação desses educadores, promovendo um absurdo e
criminoso linchamento público do casal, permanecem impunes. Sequer
se retrataram do crime de calúnia que cometeram.
Apesar
disso, a lógica que prevalece em nossa sociedade, infelizmente, é a
de que o suspeito é que tem que provar sua inocência, quando o
bom-senso e os fundamentos do Direito preveem exatamente o contrário.
Conhecido axioma jurídico preceitua que “o ônus da prova cabe a
quem acusa”. Entre nós, porém, o acusado é que precisa provar a
falsidade das acusações levantadas contra ele, sobretudo, de uns
tempos para cá, de comprovados delinquentes que, para amenizarem
suas penas, “denunciam”, a torto e a direito, inocentes e
culpados, depois da introdução em nosso arsenal jurídico do
instituto da delação premiada. Posso ser ingênuo, mas não confio
nada, nada nessa forma de apuração de delitos. Enfim…
Muita
reputação já foi, e continua sendo, irremediavelmente manchada
dessa forma. Basta que algum desafeto espalhe rumores minimamente
verossímeis sobre o comportamento de alguém, ou que faça uma
delação premiada para livrar sua cara, para que esses boatos,
acusações e, muitas vezes, meras insinuações ganhem foros de
verdade. Há tempos prevalece um clima de generalizada desconfiança
de tudo e de todos, sobretudo de figuras públicas. É a maldita
mania das generalizações. Como muitos políticos são pilhados em
atos de corrupção – e, estranhamente, são os que saem,
invariavelmente, impunes – passa-se, até inconscientemente, a se
considerar que “todos” os políticos são corruptos. Isso, no
final das contas, chancela e justifica os delitos dos verdadeiros
infratores. E os honestos são tratados com ironia e menosprezo,
encarados como “ingênuos”, “trouxas” e “Caxias”, e vai
por aí afora.
Passa-se,
por conseqüência, a se considerar as negociatas de todos os tipos e
calibres e as “chicanas” jurídicas, de que o País é farto,
meros atos de “esperteza”. Daí para a imitação é um pulo. É
esse comportamento que leva as pessoas a desconfiarem de tudo e de
todos. Já vão muito distantes os tempos em que a palavra empenhada
ou um simples fio de barba eram garantias suficientes (e aceitas por
todos) para assegurar o cumprimento de qualquer compromisso assumido,
sobretudo financeiro.
Hoje,
mesmo documentos fartamente detalhados, meticulosamente redigidos por
experientes advogados, assinados, com duas ou três testemunhas, com
um ou mais fiador, com firmas reconhecidas e com registro em
cartório, são tratados com suspeição. A decadência moral da
sociedade é tão grande que, como disse Ruy Barbosa em célebre
discurso, o cidadão “tem vergonha de ser honesto”. A culpa cabe
à impunidade dos que, comprovadamente, cometem delitos de toda a
sorte, desrespeitando as normas legais e os direitos alheios.
A
Justiça, entre nós, tem se mostrado de fato “cega”, mas somente
quando os crimes são cometidos pelos poderosos e abastados, que
podem contratar os melhores advogados. Em contrapartida, enxerga até
demais e é de um rigor extremo com quem não conta com recursos
sequer para se manter, quanto mais para custear a defesa. São
muitos, por exemplo, os casos de pessoas humildes, muitas vezes
famintas, punidas com pesadas penas de prisão por causa de pequenos
furtos, como um tubo de desodorante num supermercado, ou uma maçã
em uma quitanda ou um pacote de biscoitos em uma mercearia. O
princípio constitucional da igualdade de todos os cidadãos perante
a lei, há muito, está desmoralizado pela prática. Ainda bem que há
exceções, no entanto, estas é que deveriam ser as regras.
Li,
não me lembro onde, uma declaração do escritor Autran Dourado, que
resume o que a maioria dos brasileiros pensa do seu país: “Tenho
um amigo que gosta de dizer que o Brasil é um país culposo, pois
tudo o que aqui acontece de ruim se deve a uma das três
características de crime culposo: negligência, imperícia e
imprudência”. E não é o que pensamos, infelizmente não sem uma
certa dose de razão, do País? Mas esse sentimento de desconfiança
e de desalento não vem de hoje. Já é bastante antigo. E, de tanto
acreditar nisso, a sociedade acaba por, de fato, agir sempre assim:
com negligência, imperícia e imprudência.
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