Wednesday, January 24, 2018

Impunidade e desconfiança



Pedro J. Bondaczuk



Uma das características marcantes da interminável e crônica crise que o País atravessa, que é, sobretudo, moral, é a acentuada tendência que as pessoas têm para fazer prejulgamentos. Não raro, a mera suspeita, sem provas e sem a devida fundamentação nos fatos, é suficiente, entre outras coisas, para a imprensa rotular uma pessoa de corrupta, ou de caloteira, ou de incompetente, ou de criminosa etc., o que é replicado nas redes sociais e que redunda, invariavelmente, em “linchamento moral” dos atingidos.

Há casos e mais casos desse tipo de ocorrência, tão conhecidos que se torna até desnecessária sua menção, com conseqüências danosas, não raro irreparáveis, para a honra e a credibilidade dos atingidos. Basta citar, apenas, o mais emblemático deles: o dos proprietários da Escola de Base, de São Paulo, crucificados, vilipendiados, enxovalhados e humilhados pelos meios de comunicação, por alegado abuso sexual cometido contra um garotinho de 4 anos de idade e que, ao cabo das investigações, se comprovou que eram absolutamente inocentes. Até hoje, porém, os irresponsáveis que mancharam a reputação desses educadores, promovendo um absurdo e criminoso linchamento público do casal, permanecem impunes. Sequer se retrataram do crime de calúnia que cometeram.

Apesar disso, a lógica que prevalece em nossa sociedade, infelizmente, é a de que o suspeito é que tem que provar sua inocência, quando o bom-senso e os fundamentos do Direito preveem exatamente o contrário. Conhecido axioma jurídico preceitua que “o ônus da prova cabe a quem acusa”. Entre nós, porém, o acusado é que precisa provar a falsidade das acusações levantadas contra ele, sobretudo, de uns tempos para cá, de comprovados delinquentes que, para amenizarem suas penas, “denunciam”, a torto e a direito, inocentes e culpados, depois da introdução em nosso arsenal jurídico do instituto da delação premiada. Posso ser ingênuo, mas não confio nada, nada nessa forma de apuração de delitos. Enfim…

Muita reputação já foi, e continua sendo, irremediavelmente manchada dessa forma. Basta que algum desafeto espalhe rumores minimamente verossímeis sobre o comportamento de alguém, ou que faça uma delação premiada para livrar sua cara, para que esses boatos, acusações e, muitas vezes, meras insinuações ganhem foros de verdade. Há tempos prevalece um clima de generalizada desconfiança de tudo e de todos, sobretudo de figuras públicas. É a maldita mania das generalizações. Como muitos políticos são pilhados em atos de corrupção – e, estranhamente, são os que saem, invariavelmente, impunes – passa-se, até inconscientemente, a se considerar que “todos” os políticos são corruptos. Isso, no final das contas, chancela e justifica os delitos dos verdadeiros infratores. E os honestos são tratados com ironia e menosprezo, encarados como “ingênuos”, “trouxas” e “Caxias”, e vai por aí afora.

Passa-se, por conseqüência, a se considerar as negociatas de todos os tipos e calibres e as “chicanas” jurídicas, de que o País é farto, meros atos de “esperteza”. Daí para a imitação é um pulo. É esse comportamento que leva as pessoas a desconfiarem de tudo e de todos. Já vão muito distantes os tempos em que a palavra empenhada ou um simples fio de barba eram garantias suficientes (e aceitas por todos) para assegurar o cumprimento de qualquer compromisso assumido, sobretudo financeiro.

Hoje, mesmo documentos fartamente detalhados, meticulosamente redigidos por experientes advogados, assinados, com duas ou três testemunhas, com um ou mais fiador, com firmas reconhecidas e com registro em cartório, são tratados com suspeição. A decadência moral da sociedade é tão grande que, como disse Ruy Barbosa em célebre discurso, o cidadão “tem vergonha de ser honesto”. A culpa cabe à impunidade dos que, comprovadamente, cometem delitos de toda a sorte, desrespeitando as normas legais e os direitos alheios.

A Justiça, entre nós, tem se mostrado de fato “cega”, mas somente quando os crimes são cometidos pelos poderosos e abastados, que podem contratar os melhores advogados. Em contrapartida, enxerga até demais e é de um rigor extremo com quem não conta com recursos sequer para se manter, quanto mais para custear a defesa. São muitos, por exemplo, os casos de pessoas humildes, muitas vezes famintas, punidas com pesadas penas de prisão por causa de pequenos furtos, como um tubo de desodorante num supermercado, ou uma maçã em uma quitanda ou um pacote de biscoitos em uma mercearia. O princípio constitucional da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, há muito, está desmoralizado pela prática. Ainda bem que há exceções, no entanto, estas é que deveriam ser as regras.

Li, não me lembro onde, uma declaração do escritor Autran Dourado, que resume o que a maioria dos brasileiros pensa do seu país: “Tenho um amigo que gosta de dizer que o Brasil é um país culposo, pois tudo o que aqui acontece de ruim se deve a uma das três características de crime culposo: negligência, imperícia e imprudência”. E não é o que pensamos, infelizmente não sem uma certa dose de razão, do País? Mas esse sentimento de desconfiança e de desalento não vem de hoje. Já é bastante antigo. E, de tanto acreditar nisso, a sociedade acaba por, de fato, agir sempre assim: com negligência, imperícia e imprudência.


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