Friday, August 10, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Terceiro do mundo


Terceiro do mundo



Pedro J. Bondaczuk



O desemprego continua sendo, neste início de ano 2000, disparadamente, o principal problema do País, embora não venha sendo tratado, pelo Poder Público e pela mídia, com a seriedade que o caso merece. Raros são os jornais que abordam a questão em profundidade, como deveriam, cumprindo, aliás, o seu papel de porta-vozes da comunidade: o de apontar falhas e cobrar soluções.

O assunto, quando enfocado, merece apenas considerações superficiais, salvo raríssimas exceções, e em geral é relegado às páginas internas dos cadernos de economia. Poucos são os editoriais, dos principais órgãos de imprensa, a esse respeito, e assim mesmo não têm a contundência e a firmeza que deveriam ter. A televisão, por seu turno, age como se tudo andasse às mil maravilhas e como se os milhões de desempregados não passassem de marginais, despreparados para essa era de globalização, que dão a entender que se trata de panaceia para todos os males econômicos. Na verdade, é mais problema do que solução.

O presidente Fernando Henrique Cardoso (e apenas quando sua popularidade despenca nas pesquisas de opinião) aborda, de passagem, o tema, e naquele tom triunfalista e até um pouco pedante, que já se tornou característico de seus pronunciamentos, anuncia projetos mirabolantes para a geração de empregos, que até aqui não saíram do papel. Enquanto isso, milhões de pais de família, aterrorizados com a situação, alguns desempregados há dois anos (ou quase), veem a miséria rondando seus lares. Gastam, inutilmente, solas de sapato à procura da ocupação que lhes permita conseguir algumas migalhas para o sustento dos seus lares e que pelo menos lhes devolva um pouquinho da autoestima perdida, investindo, em vão, o restinho do capital de esperança que ainda lhes sobrou.

Para atestar a gravidade do problema (exercício desnecessário para quem está vivendo, nos limites da resistência, esse terrível drama), citamos recente pesquisa desenvolvida pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenada pelo pesquisador Márcio Pochmann, assunto que foi manchete do jornal "Folha de S. Paulo", em 27 de janeiro passado. Será que a equipe econômica leu? E FHC? E os líderes dos partidos que se dizem "trabalhistas"? E os sindicalistas?

O estudo conclui que o Brasil detém a incômoda (e vergonhosa) posição de 3º colocado no ranking mundial de desemprego, entre os 141 países pesquisados, dos mais diversos estágios de desenvolvimento. É superado, apenas, pela Índia (a 1ª.) e pela Rússia (a 2ª.). E mais, revela que de 1986 a 1998, a contribuição brasileira, no total de desempregados no mundo (oficialmente estimado em 138 milhões de pessoas), cresceu de 1,68% para 5,61%!!! Por consequência, nossa "dívida social", que já era astronômica, atinge, logicamente, as raias do absurdo.

Se levarmos em conta que ostentamos a nona maior economia do Planeta (e já tivemos a 7ª.), o quadro de exclusão assume proporções muito mais graves e escandalosas. Promessas não faltaram neste período de queda livre das taxas de ocupação. Foram inúmeras as vezes em que políticos e especialmente economistas no governo (ou ligados a ele) vieram a público para pedir "paciência" à população, dizendo que primeiro era necessário debelar a inflação, para depois promover o crescimento econômico. De uma coisa o brasileiro nunca poderá ser acusado: de ser impaciente. Nesse aspecto, nem o patriarca bíblico Jó superaria os nossos desempregados, verdadeiros gênios na arte de esperar e de sobreviver.

O mais grave, na pesquisa da Unicamp, é que foram consideradas apenas as pessoas que se enquadram no chamado "desemprego aberto". Isto é, as que procuram emprego, sem exercer nenhuma atividade remunerada. E estas chegam, conforme cifras oficiais (não se pode acusar, portanto, os pesquisadores de "manipulação" com fins políticos), a 7,7 milhões. Se forem considerados os brasileiros sem ocupação fixa, que sobrevivem somente dos chamados "bicos", é possível que o País passe pelo menos a Rússia para trás nesse lamentável e deprimente ranking.

Os que estão empregados, por sua vez, vivem o constante drama da possibilidade de demissão. Como a "espada de Damocles", que permanecia presa apenas por um frágil fio sobre as cabeças dos que tentavam empunhá-la, os cortes ameaçam, indistintamente, tanto os funcionários hábeis e competentes, quanto os que sobrevivem no emprego graças a apadrinhamentos. Com um "estoque" tão grande, de mão de obra ociosa, os trabalhadores não têm o mínimo "cacife" para reivindicar o que quer que seja. Melhorias sociais? Nem pensar!! As exigências dos empregadores são cada vez maiores, mesmo para as atividades mais reles, e os salários que oferecem estão milhões de anos-luz distantes daquilo que exigem. Onde os partidos, ditos trabalhistas? Onde os sindicatos? É como se diz: "pimenta nos olhos dos outros é colírio". E viva a globalização!!

(Editorial publicado na Folha do Taquaral na primeira quinzena de fevereiro de 2000)


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