Friday, August 17, 2018

CRÔNICA DO DIA - Efeito manada


Efeito manada

Pedro J. Bondaczuk

Há pessoas, diria que a imensa maioria, que têm obsessão pela “modernidade”, embora quando questionadas, nem mesmo saibam definir com razoável precisão o que entendem por “moderno” e, em contraposição, por arcaico, antigo, ultrapassado e, portanto, descartável.

Não têm o menor senso crítico e gostam de navegar na onda do que está em moda. Consideram tudo o que tenha, por exemplo, três anos (se tanto) de produção como imprestável, substituível, em suma, velho (em sentido pejorativo). Esquecem-se que o que é moderno hoje, será ultrapassado amanhã e que nem sempre conseguirão acompanhar (por falta de recursos financeiros, na maior parte das vezes) a onda de momento.

Quando se trata de tecnologia, essa postura até que é compreensível e, diria, elogiável. Se os cientistas e a indústria desenvolveram máquinas que facilitem nossas vidas, e se tivermos dinheiro para a sua aquisição, por que não usufruir desses avanços? As boas novidades, nesse sentido, serão, obviamente, sempre e sempre bem-vindas.

Quando se trata de estilo de se vestir, de se pentear, de se maquiar etc., ou seja, de moda, a coisa já começa a pegar um pouco. Nem tudo o que outras pessoas gostam e usam é, automaticamente, adequado ao meu estilo de vida. Mas... ainda passa.

Todavia, quando se trata de artes - e não importa se música, pintura, escultura, literatura etc. – aí a coisa pega de vez. Descamba-se, não raro, para os modismos, passageiros e inúteis, que satisfazem os gostos de determinada pessoa e não, necessariamente, os nossos.

Seguir esse tipo de tendência, sem senso crítico e sem justificativas, apenas porque “todo mundo” gosta disso ou daquilo, é o que denomino de “efeito manada”. É seguir, bovinamente, algum pretenso líder (que pode até ser o suprassumo da burrice e do mau gosto), apenas para não ser acusado de “antiquado”. Esse comportamento reflete absoluta falta de personalidade. E por que ser a retaguarda do bando, quando se pode ser cabeça?

Não há obra de arte moderna e antiga. O que há são obras boas e obras ruins. O critério de avaliação correto, portanto, não é o temporal, de quando determinada obra foi produzida, mas o qualitativo, se ela é boa ou ruim. Se adotarmos a maneira de avaliar em voga, estaremos cometendo uma baita sacanagem com artistas de um passado remoto (e não raro, até recente), que criaram não para o tempo e o esquecimento, mas para a imortalidade.

Não podemos nos deixar induzir por modismos, como se estes pudessem ou devessem determinar nossos gostos. Vejo, hoje em dia, muitos pseudo apreciadores de pintura, por exemplo, torcerem o nariz para determinados pintores, por serem figurativistas.

Na sua concepção, eles deveriam ser surrealistas, ou cubistas, ou seja lá o raio que lhes queiram pespegar, e se não seguirem essas tendências, as obras serão imediatamente discriminadas e consideradas “coisas menores”, mesmo que haja genialidade, perfeição formal, talento e paixão nessas pinturas.

A mesma coisa ocorre com a poesia. Já tive livro recusado por uma editora, assim liminarmente, sem que o responsável pela seleção das obras a publicar sequer lesse, simplesmente porque era de sonetos. “Escreva coisas ‘modernas’ que eu publico”., foi a resposta que ouvi. Saí irritadíssimo não por causa da recusa, mas pela razão apontada para tal.

Também componho poemas concretistas, surreais, versos brancos, cheios de metáforas (modéstia a parte, criativas e originais). Mas não eram eles que eu queria publicar. Queria que meu público (que felizmente não é pequeno) conhecesse meus sonetos, considerados de excelente qualidade por vários professores de literatura que os leram. Frustrei-me.

Quem determinou que apenas os textos considerados “modernos” são válidos e bons? Que autoridade esse alguém tem para isso? Será que a verdade passou a ter donos e esqueceram de nos avisar? Como se vê, não são apenas as pessoas ingênuas que se deixam levar por modismos. Há muitos pseudointelectuais (e até intelectuais genuínos) que caem nessa esparrela. Como é perverso, com os artistas, esse tal de efeito manada!!!

Por que não seguir o lema da cidade de São Paulo – “non ducor, duco”, ou seja, não sou conduzido, conduzo – desenvolvendo saudável espírito crítico e incentivando o máximo de pessoas a fazerem o mesmo? Não sou, obviamente, contrário a mudanças. Mas não quero mudar na marra, à minha revelia, por causa de tendências, modas e, pior, modismos.

Antigo, na verdade, é arrotar uma pretensa modernidade, sem sequer saber definir do que se trata. Por isso, recorro, mais uma vez, a Carlos Drummond de Andrade – que já citei um milhão de vezes ao tratar desse tema, mas que nunca é demais citar novamente. Em um verso magistral (como tudo o que escreveu), o sábio poeta de Itabira deu a entender que sua pretensão nunca foi a de ser moderno. Foi a de ser eterno. A minha também…


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