Passaporte para a vida
Pedro J. Bondaczuk
A parábola dos talentos é uma das mensagens
bíblicas que mais me impressionam e sensibilizam pelo conteúdo que
tem. Como todas as mensagens legadas por Jesus Cristo à humanidade,
no curto espaço de tempo em que permaneceu com os homens, reflete,
em sua simplicidade, uma sabedoria que transcende, que extrapola e
que supera em muito a mera condição humana. Ganha status de divina.
Todos, ao virmos ao mundo, somos
dotados de determinadas aptidões que, se desenvolvidas, são como
passaportes para a vida. Mais do que isso, para o sucesso e para a
felicidade. Alguns, têm múltiplas habilidades potenciais.
Desenvolvem-nas, mediante estudo, observação, autodisciplina e
persistência, e se valem delas para superar obstáculos, produzir,
criar, guiar, liderar e ser uma luz para as comunidades a que
pertencem, quando não à espécie. Raramente, deixam de ser
bem-sucedidos.
Outros, porém, recebem um único
e solitário talento. Se têm a sabedoria e o bom-senso de
investi-lo, ou seja, de apostar nele, de desenvolvê-lo, de
aperfeiçoá-lo constante e incansavelmente, e de exercê-lo ao longo
da existência, tornam-se pessoas equilibradas, realizadas, úteis,
seguras e, por isso, vencedoras. Podem chegar, até, a serem
brilhantes na única coisa extraordinária (no sentido lato do termo,
ou seja, do que foge do ordinário) que fazem. Caso contrário...
Pertenço, não sei se feliz ou
infelizmente, a este imenso grupo dotado de uma única, de uma
singular aptidão: a de escrever. Se bem ou mal, não me compete
julgar. Mas tento, ao longo da vida, sempre melhorar, evoluir e
atingir, se não a perfeição, que nos é vedada em nossa parca
condição humana, pelo menos a excelência. Ou, na pior das
hipóteses, procuro aproximar-me dela.
Desde a mais tenra infância
descobri essa realidade – não sem morrer de inveja dos que tinham
múltiplas habilidades, notadamente as físicas – de que contava
somente com essa exclusiva e solitária vocação. Aprendi a ler bem
antes de ir para a escola, aos quatro anos de idade, com meu pai.
Minha primeira cartilha foi, exatamente, uma biblioteca condensada,
repositório de sabedoria que atravessou milênios e que é a coleção
de textos mais lida de todos os tempos: a Bíblia.
Concentrei todas as minhas
energias e investi todo o meu tempo e os meus sonhos nesse único
talento. Li, li, e li, voraz e desesperadamente, todos os livros,
revistas e jornais que me caíram nas mãos, sem nenhum tipo de
preconceito. Com o tempo, porém, até por razões práticas,
tornei-me mais seletivo. Concentrei minha atenção, primeiro, nos
chamados “clássicos”, e depois, nos gigantes do pensamento.
Ainda hoje, a despeito de galopante miopia, dedico horas e mais horas
à leitura, dividindo-as, porém, com a redação. Escrever requer
concentração, disciplina, rigor e treino. Muito treino. A prática,
e somente ela, aperfeiçoa. Estabelece um estilo, depura-o de
determinados vícios e o consolida. E ele se torna a nossa identidade
como redator.
Não posso me queixar dos
resultados desse esforço concentrado de toda uma vida. Escrevendo,
conquistei a oportunidade de conseguir uma profissão, fonte do meu
sustento e do da minha família. Mediante a redação, criei e
eduquei os meus filhos. Com ela, granjeei o respeito e (desconfio),
até a admiração dos que leem os meus textos. Claro que não sou,
nunca fui e jamais serei unanimidade. Nem todos gostam do que e do
jeito que escrevo. Paciência!
Conto com críticos ferozes,
mordazes e persistentes, que veem em mim um intelectual pedante,
limitado e que só escreve o óbvio. Tenho que dar ouvidos a essas
pessoas, pois talvez tenham razão. E não posso desperdiçar todo o
esforço de uma vida por mera questão de vaidade. Mas meus textos
deram-me muito mais satisfações do que aborrecimentos. Além de
garantirem meu sustento, foram fundamentais para que eu fizesse
amizades que pareciam impossíveis, tivesse acesso a lugares que
jamais pensei que poderia entrar, ficasse conhecido até no exterior
e me sentisse útil e “quase” realizado.
Por que esse “quase”? Porque a
realização completa é a morte do intelectual. A experiência me
mostrou o quanto é verdadeiro o chavão que diz: “mostre-me um
homem satisfeito e eu lhe mostrarei um derrotado”. Só tenho
motivos para agradecer a Deus, diariamente, em minhas preces, pelo
único e solitário talento que me outorgou, o que o faço com
devoção e com humildade. Mais do que dádiva, ele tem sido meu
precioso e imprescindível “passaporte para a vida”.
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