Thursday, August 23, 2018

CRÔNICA DO DIA - Passaporte para a vida


Passaporte para a vida



Pedro J. Bondaczuk



A parábola dos talentos é uma das mensagens bíblicas que mais me impressionam e sensibilizam pelo conteúdo que tem. Como todas as mensagens legadas por Jesus Cristo à humanidade, no curto espaço de tempo em que permaneceu com os homens, reflete, em sua simplicidade, uma sabedoria que transcende, que extrapola e que supera em muito a mera condição humana. Ganha status de divina.

Todos, ao virmos ao mundo, somos dotados de determinadas aptidões que, se desenvolvidas, são como passaportes para a vida. Mais do que isso, para o sucesso e para a felicidade. Alguns, têm múltiplas habilidades potenciais. Desenvolvem-nas, mediante estudo, observação, autodisciplina e persistência, e se valem delas para superar obstáculos, produzir, criar, guiar, liderar e ser uma luz para as comunidades a que pertencem, quando não à espécie. Raramente, deixam de ser bem-sucedidos.

Outros, porém, recebem um único e solitário talento. Se têm a sabedoria e o bom-senso de investi-lo, ou seja, de apostar nele, de desenvolvê-lo, de aperfeiçoá-lo constante e incansavelmente, e de exercê-lo ao longo da existência, tornam-se pessoas equilibradas, realizadas, úteis, seguras e, por isso, vencedoras. Podem chegar, até, a serem brilhantes na única coisa extraordinária (no sentido lato do termo, ou seja, do que foge do ordinário) que fazem. Caso contrário...

Pertenço, não sei se feliz ou infelizmente, a este imenso grupo dotado de uma única, de uma singular aptidão: a de escrever. Se bem ou mal, não me compete julgar. Mas tento, ao longo da vida, sempre melhorar, evoluir e atingir, se não a perfeição, que nos é vedada em nossa parca condição humana, pelo menos a excelência. Ou, na pior das hipóteses, procuro aproximar-me dela.

Desde a mais tenra infância descobri essa realidade – não sem morrer de inveja dos que tinham múltiplas habilidades, notadamente as físicas – de que contava somente com essa exclusiva e solitária vocação. Aprendi a ler bem antes de ir para a escola, aos quatro anos de idade, com meu pai. Minha primeira cartilha foi, exatamente, uma biblioteca condensada, repositório de sabedoria que atravessou milênios e que é a coleção de textos mais lida de todos os tempos: a Bíblia.

Concentrei todas as minhas energias e investi todo o meu tempo e os meus sonhos nesse único talento. Li, li, e li, voraz e desesperadamente, todos os livros, revistas e jornais que me caíram nas mãos, sem nenhum tipo de preconceito. Com o tempo, porém, até por razões práticas, tornei-me mais seletivo. Concentrei minha atenção, primeiro, nos chamados “clássicos”, e depois, nos gigantes do pensamento. Ainda hoje, a despeito de galopante miopia, dedico horas e mais horas à leitura, dividindo-as, porém, com a redação. Escrever requer concentração, disciplina, rigor e treino. Muito treino. A prática, e somente ela, aperfeiçoa. Estabelece um estilo, depura-o de determinados vícios e o consolida. E ele se torna a nossa identidade como redator.

Não posso me queixar dos resultados desse esforço concentrado de toda uma vida. Escrevendo, conquistei a oportunidade de conseguir uma profissão, fonte do meu sustento e do da minha família. Mediante a redação, criei e eduquei os meus filhos. Com ela, granjeei o respeito e (desconfio), até a admiração dos que leem os meus textos. Claro que não sou, nunca fui e jamais serei unanimidade. Nem todos gostam do que e do jeito que escrevo. Paciência!

Conto com críticos ferozes, mordazes e persistentes, que veem em mim um intelectual pedante, limitado e que só escreve o óbvio. Tenho que dar ouvidos a essas pessoas, pois talvez tenham razão. E não posso desperdiçar todo o esforço de uma vida por mera questão de vaidade. Mas meus textos deram-me muito mais satisfações do que aborrecimentos. Além de garantirem meu sustento, foram fundamentais para que eu fizesse amizades que pareciam impossíveis, tivesse acesso a lugares que jamais pensei que poderia entrar, ficasse conhecido até no exterior e me sentisse útil e “quase” realizado.

Por que esse “quase”? Porque a realização completa é a morte do intelectual. A experiência me mostrou o quanto é verdadeiro o chavão que diz: “mostre-me um homem satisfeito e eu lhe mostrarei um derrotado”. Só tenho motivos para agradecer a Deus, diariamente, em minhas preces, pelo único e solitário talento que me outorgou, o que o faço com devoção e com humildade. Mais do que dádiva, ele tem sido meu precioso e imprescindível “passaporte para a vida”.



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: