Tuesday, August 07, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Juros e reformas


Juros e reformas



Pedro J. Bondaczuk


O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, findo o relativamente curto período de trégua do início de mandato, está sendo submetido, nos últimos dias, a enormes pressões, vindas de todos os lados, inclusive da sua pretensa “base de apoio” e, principalmente, de algumas das alas mais radicais do próprio PT. Os motivos de tanto barulho são, basicamente, dois: a intolerável taxa de juros e as reformas, notadamente a da Previdência. As críticas que o presidente recebeu, nos últimos dias, de supostos aliados (e do próprio vice-presidente da República, José de Alencar) mostram que as alianças que firmou não são lá tão sólidas, nem tão leais e confiáveis quanto certamente esperava.

O PDT, de Leonel Brizola, por exemplo, virtualmente configurou rompimento com Lula, no mais recente programa eleitoral gratuito pela televisão, caracterizado por contundentes (posto que sutis) ataques à política econômica que o governo vem adotando. A economia – e nem é preciso destacar, já que todo o brasileiro, com maior ou menor intensidade está sentindo isso na pele (ou no bolso) –, só não está pior, dada a inusitada performance do comércio exterior, com o País já registrando, a esta altura do ano, superávit superior a US$ 9 bilhões, com possibilidade de que seja superada, até com alguma facilidade, a meta de US$ 16 bilhões, projetada para 2003.

Indústria, comércio e serviços, em maior ou menor volume, suspendem investimentos, cortam pessoal e mantêm-se em nervoso compasso de espera, na expectativa de um cenário mais favorável, e menos arriscado, para investir. O grande vilão da vez é a taxa básica de juros da economia, a tal da Selic, que determina todas as demais taxas, atualmente em 26,5%, e que está nesse patamar quase desde o início do atual governo.

Convém ressaltar que o atual governo “herdou”, do antecessor, uma escalada inflacionária que ameaçava fugir ao controle, antes mesmo da posse de Lula, por conta da disparada da cotação do dólar, notadamente no período pré-eleitoral, graças à manipulação feita por determinados agentes financeiros, que tentavam, com isso, impedir sua eleição. Não impediram. E, felizmente, a inflação está sendo contida sob “rédea curta”, embora a um custo social exorbitante.

No entender de muitos economistas, o “remédio” aplicado foi ministrado ao “paciente” em doses muito além das recomendáveis. E os efeitos foram tóxicos. Em vez de curar, intoxicou o doente. Ou seja, resultou em uma brutal recessão, tão perversa, se não mais, quanto a inflação, por afetar diretamente a classe trabalhadora, justamente aquela da qual o presidente é originário, que se vê, mais uma vez, penalizada pelo desemprego e indefesa para suportar mais esta crise.

Nada é mais desesperador para um pai de família do que não ter ocupação remunerada, que lhe garanta o mínimo para o sustento, próprio e dos que dele dependem, vendo o tempo passar, as contas vencerem, as dívidas se acumularem, as cobranças se multiplicarem e seus esforços, em busca de uma saída, serem baldados, dia após dia. Para um governo que se propõe, antes e acima de tudo, ao resgate social, que tem como ponto de honra debelar a fome no País, convenhamos, este é o pior início possível.

Lula tem vindo, frequentemente, a público para pedir paciência à população. Argumenta, não de todo desprovido de razão, com a necessidade de “reforçar o alicerce”, antes de proceder à reforma da casa. Mas, para quem está desempregado, essa espera é pelo menos possível? Não é pedir demais a quem depositou tamanha esperança no presidente? Afinal, essa situação, posto que transitória, tende a acentuar, mais e mais, as desigualdades sociais que vêm caracterizando, há décadas, o nosso País, fazendo com que ele detenha o indesejável título de uma das sociedades mais perversas e excludentes do Planeta.

Quanto à reforma da Previdência, há muito que ela se impõe. E os afetados por ela, embora se constituam em inexpressiva minoria (2,5 milhões, para uma população estimada em mais de 175 milhões), e mesmo não sendo diretamente afetada pela maioria das medidas (já que há uma disposição de se respeitar os chamados “direitos adquiridos”), é esclarecida e altamente politizada. Tem, portanto, acesso pleno aos meios de comunicação e condições de fazer mais barulho do que seria de se esperar, pela sua quantidade.

O engraçado é que, em tese, todos se dizem favoráveis às reformas. Só que esse pretenso apoio é condicionado. Existe só se as medidas afetarem “bolsos alheios”. É como diz o ditado, “pimenta em olhos alheios é colírio”. Ocorre que o País não pode mais conviver com os sucessivos rombos na Previdência, que se ampliam, de ano para ano, e não deixam recursos, sequer, para indispensáveis investimentos públicos, mesmo que emergenciais, em infraestrutura. Corre-se o risco, portanto, da maioria dos brasileiros trabalhar única e exclusivamente para custear o ócio (não importa se merecido ou não) de uns poucos, que se julgam com mais direitos do que os demais. Mas que essa reforma ainda vai dar muito pano para manga e margem para protestos e arroubos demagógicos de maus políticos, ah, isso vai mesmo!


(Editorial da Folha do Taquaral de 16 de junho de 2003)

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: