Juros e reformas
Pedro
J. Bondaczuk
O governo
de Luiz Inácio Lula da Silva, findo o relativamente curto período
de trégua do início de mandato, está sendo submetido, nos últimos
dias, a enormes pressões, vindas de todos os lados, inclusive da sua
pretensa “base de apoio” e, principalmente, de algumas das alas
mais radicais do próprio PT. Os motivos de tanto barulho são,
basicamente, dois: a intolerável taxa de juros e as reformas,
notadamente a da Previdência. As críticas que o presidente recebeu,
nos últimos dias, de supostos aliados (e do próprio vice-presidente
da República, José de Alencar) mostram que as alianças que firmou
não são lá tão sólidas, nem tão leais e confiáveis quanto
certamente esperava.
O
PDT, de Leonel Brizola, por exemplo, virtualmente configurou
rompimento com Lula, no mais recente programa eleitoral gratuito pela
televisão, caracterizado por contundentes (posto que sutis) ataques
à política econômica que o governo vem adotando. A economia – e
nem é preciso destacar, já que todo o brasileiro, com maior ou
menor intensidade está sentindo isso na pele (ou no bolso) –, só
não está pior, dada a inusitada performance do comércio exterior,
com o País já registrando, a esta altura do ano, superávit
superior a US$ 9 bilhões, com possibilidade de que seja superada,
até com alguma facilidade, a meta de US$ 16 bilhões, projetada para
2003.
Indústria,
comércio e serviços, em maior ou menor volume, suspendem
investimentos, cortam pessoal e mantêm-se em nervoso compasso de
espera, na expectativa de um cenário mais favorável, e menos
arriscado, para investir. O grande vilão da vez é a taxa básica de
juros da economia, a tal da Selic, que determina todas as demais
taxas, atualmente em 26,5%, e que está nesse patamar quase desde o
início do atual governo.
Convém
ressaltar que o atual governo “herdou”, do antecessor, uma
escalada inflacionária que ameaçava fugir ao controle, antes mesmo
da posse de Lula, por conta da disparada da cotação do dólar,
notadamente no período pré-eleitoral, graças à manipulação
feita por determinados agentes financeiros, que tentavam, com isso,
impedir sua eleição. Não impediram. E, felizmente, a inflação
está sendo contida sob “rédea curta”, embora a um custo social
exorbitante.
No
entender de muitos economistas, o “remédio” aplicado foi
ministrado ao “paciente” em doses muito além das recomendáveis.
E os efeitos foram tóxicos. Em vez de curar, intoxicou o doente. Ou
seja, resultou em uma brutal recessão, tão perversa, se não mais,
quanto a inflação, por afetar diretamente a classe trabalhadora,
justamente aquela da qual o presidente é originário, que se vê,
mais uma vez, penalizada pelo desemprego e indefesa para suportar
mais esta crise.
Nada
é mais desesperador para um pai de família do que não ter ocupação
remunerada, que lhe garanta o mínimo para o sustento, próprio e dos
que dele dependem, vendo o tempo passar, as contas vencerem, as
dívidas se acumularem, as cobranças se multiplicarem e seus
esforços, em busca de uma saída, serem baldados, dia após dia.
Para um governo que se propõe, antes e acima de tudo, ao resgate
social, que tem como ponto de honra debelar a fome no País,
convenhamos, este é o pior início possível.
Lula
tem vindo, frequentemente, a público para pedir paciência à
população. Argumenta, não de todo desprovido de razão, com a
necessidade de “reforçar o alicerce”, antes de proceder à
reforma da casa. Mas, para quem está desempregado, essa espera é
pelo menos possível? Não é pedir demais a quem depositou tamanha
esperança no presidente? Afinal, essa situação, posto que
transitória, tende a acentuar, mais e mais, as desigualdades sociais
que vêm caracterizando, há décadas, o nosso País, fazendo com que
ele detenha o indesejável título de uma das sociedades mais
perversas e excludentes do Planeta.
Quanto
à reforma da Previdência, há muito que ela se impõe. E os
afetados por ela, embora se constituam em inexpressiva minoria (2,5
milhões, para uma população estimada em mais de 175 milhões), e
mesmo não sendo diretamente afetada pela maioria das medidas (já
que há uma disposição de se respeitar os chamados “direitos
adquiridos”), é esclarecida e altamente politizada. Tem, portanto,
acesso pleno aos meios de comunicação e condições de fazer mais
barulho do que seria de se esperar, pela sua quantidade.
O
engraçado é que, em tese, todos se dizem favoráveis às reformas.
Só que esse pretenso apoio é condicionado. Existe só se as medidas
afetarem “bolsos alheios”. É como diz o ditado, “pimenta em
olhos alheios é colírio”. Ocorre que o País não pode mais
conviver com os sucessivos rombos na Previdência, que se ampliam, de
ano para ano, e não deixam recursos, sequer, para indispensáveis
investimentos públicos, mesmo que emergenciais, em infraestrutura.
Corre-se o risco, portanto, da maioria dos brasileiros trabalhar
única e exclusivamente para custear o ócio (não importa se
merecido ou não) de uns poucos, que se julgam com mais direitos do
que os demais. Mas que essa reforma ainda vai dar muito pano para
manga e margem para protestos e arroubos demagógicos de maus
políticos, ah, isso vai mesmo!
(Editorial
da Folha do Taquaral de 16 de junho de 2003)
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