Thursday, August 02, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - De volta à realidade


De volta à realidade

Pedro J. Bondaczuk

O País, depois de breve pausa para o sonho e a fantasia, finda a folia do Carnaval, volta à realidade de uma crise econômica de proporções imprevisíveis e sem perspectivas de acabar. O dólar continua oscilando, nitidamente sobrevalorizado em relação ao real, as reservas cambiais seguem em processo de "evaporação", mais e mais pessoas veem-se às voltas com o desemprego e o clima é de tensão e de medo.

O Congresso, bem ou mal, praticamente fez a sua parte, aprovando a quase totalidade do ajuste fiscal (falta apenas a votação da prorrogação, e aumento da taxa para 0,38%, da CPMF). A dúvida é se o governo vai fazer a "lição de casa" no ajuste das contas públicas e cumprir a meta comprometida com o Fundo Monetário Internacional, de transformar um déficit escandaloso e indecente, num desejável superávit.

A inflação, cujo combate foi o carro-chefe das duas vitórias consecutivas de Fernando Henrique Cardoso nas urnas, voltou --- e não se sabe ainda com que força ---, trazendo mais dificuldades e novas inquietações à população. Além dos trabalhadores da iniciativa privada, que viram seus empregos irem por água abaixo nos últimos meses (e o processo de demissões está longe de terminar), essa ameaça chega agora ao funcionalismo (municipal, estadual e federal), com a necessidade que Estados, municípios e o governo federal têm de adequar suas contas à nova realidade do País.

Com isso, a crise social, que já é grande, tende a se agravar. Até porque, de acordo com as projeções mais viáveis, o País deve ficar 2% mais pobre neste ano, com a queda de seu Produto Interno Bruto em torno de US$ 16 bilhões. E tomara que fique apenas nisso!

O Brasil, certamente, viverá meses turbulentos, pelo menos neste primeiro semestre. Dependendo do acerto das medidas a serem tomadas, poderá respirar, um pouco mais aliviado, apenas no final de 1999 ou início de 2000. Mas boa parte do sucesso da estratégia do governo está na dependência do Exterior. Não apenas do FMI e de outros organismos multilaterais de financiamento, mas da recuperação da credibilidade do País junto aos potenciais investidores.

A visão do Brasil, no Exterior, em geral, está longe da realidade. É caracterizada ou por absoluto desconhecimento do seu verdadeiro potencial, ou por estereótipos (como o do devedor malandro que reluta em pagar aquilo que deve), imagem agravada pelas cenas do Carnaval veiculadas nos últimos dias no mundo todo, ou por informações parciais, truncadas, meias-verdades, misturadas às absolutamente equivocadas.

O governo tem à sua frente um dilema básico: ou admite uma certa inflação (que lhe é benéfica, na medida em que defasa os salários que paga ao funcionalismo), ajudando a equilibrar suas contas e reduzindo, ou até evitando, cortes em massa, ou investe na recessão, mantendo os juros nas alturas para dificultar o crédito e evitar a especulação com estoques. Neste último caso, "talvez" consiga segurar a taxa acumulada deste ano abaixo dos 10% prometidos ao FMI.

É certo que a desvalorização do real favorece as exportações. No entanto, por uma série de fatores (tarifas portuárias das mais altas do mundo, impostos embutidos nos preços dos produtos e pouca agressividade dos exportadores), não quer dizer que automaticamente a balança comercial vá se tornar superavitária. Se for registrado superávit, será, com certeza, pela redução das importações.

Quanto à inflação, caso a estratégia da equipe econômica seja no sentido de permitir uma relativa elevação das taxas mensais --- o que, teoricamente, geraria condições da iniciativa privada abrir novas vagas, às custas de salários cada vez mais baixos --- a dificuldade está em determinar a dosagem. Quatro anos não foram suficientes para a sociedade se desvincular da chamada "memória inflacionária". Já há movimentos no sentido de reindexar a economia. Caso o governo se deixe levar por essa tentação, será um desastre! Será o fim do real e a consequente volta aos tempos que a maioria dos brasileiros gostaria de esquecer. Qual o caminho que FHC vai escolher?

(Editorial publicado na Folha do Taquaral na segunda quinzena de fevereiro de 1999)



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