De volta à realidade
Pedro J. Bondaczuk
O País, depois de breve pausa
para o sonho e a fantasia, finda a folia do Carnaval, volta à
realidade de uma crise econômica de proporções imprevisíveis e
sem perspectivas de acabar. O dólar continua oscilando, nitidamente
sobrevalorizado em relação ao real, as reservas cambiais seguem em
processo de "evaporação", mais e mais pessoas veem-se às
voltas com o desemprego e o clima é de tensão e de medo.
O Congresso, bem ou mal,
praticamente fez a sua parte, aprovando a quase totalidade do ajuste
fiscal (falta apenas a votação da prorrogação, e aumento da taxa
para 0,38%, da CPMF). A dúvida é se o governo vai fazer a "lição
de casa" no ajuste das contas públicas e cumprir a meta
comprometida com o Fundo Monetário Internacional, de transformar um
déficit escandaloso e indecente, num desejável superávit.
A inflação, cujo combate foi
o carro-chefe das duas vitórias consecutivas de Fernando Henrique
Cardoso nas urnas, voltou --- e não se sabe ainda com que força
---, trazendo mais dificuldades e novas inquietações à população.
Além dos trabalhadores da iniciativa privada, que viram seus
empregos irem por água abaixo nos últimos meses (e o processo de
demissões está longe de terminar), essa ameaça chega agora ao
funcionalismo (municipal, estadual e federal), com a necessidade que
Estados, municípios e o governo federal têm de adequar suas contas
à nova realidade do País.
Com isso, a crise social, que
já é grande, tende a se agravar. Até porque, de acordo com as
projeções mais viáveis, o País deve ficar 2% mais pobre neste
ano, com a queda de seu Produto Interno Bruto em torno de US$ 16
bilhões. E tomara que fique apenas nisso!
O Brasil, certamente, viverá
meses turbulentos, pelo menos neste primeiro semestre. Dependendo do
acerto das medidas a serem tomadas, poderá respirar, um pouco mais
aliviado, apenas no final de 1999 ou início de 2000. Mas boa parte
do sucesso da estratégia do governo está na dependência do
Exterior. Não apenas do FMI e de outros organismos multilaterais de
financiamento, mas da recuperação da credibilidade do País junto
aos potenciais investidores.
A visão do Brasil, no
Exterior, em geral, está longe da realidade. É caracterizada ou por
absoluto desconhecimento do seu verdadeiro potencial, ou por
estereótipos (como o do devedor malandro que reluta em pagar aquilo
que deve), imagem agravada pelas cenas do Carnaval veiculadas nos
últimos dias no mundo todo, ou por informações parciais,
truncadas, meias-verdades, misturadas às absolutamente equivocadas.
O governo tem à sua frente um
dilema básico: ou admite uma certa inflação (que lhe é benéfica,
na medida em que defasa os salários que paga ao funcionalismo),
ajudando a equilibrar suas contas e reduzindo, ou até evitando,
cortes em massa, ou investe na recessão, mantendo os juros nas
alturas para dificultar o crédito e evitar a especulação com
estoques. Neste último caso, "talvez" consiga segurar a
taxa acumulada deste ano abaixo dos 10% prometidos ao FMI.
É certo que a desvalorização
do real favorece as exportações. No entanto, por uma série de
fatores (tarifas portuárias das mais altas do mundo, impostos
embutidos nos preços dos produtos e pouca agressividade dos
exportadores), não quer dizer que automaticamente a balança
comercial vá se tornar superavitária. Se for registrado superávit,
será, com certeza, pela redução das importações.
Quanto à inflação, caso a
estratégia da equipe econômica seja no sentido de permitir uma
relativa elevação das taxas mensais --- o que, teoricamente,
geraria condições da iniciativa privada abrir novas vagas, às
custas de salários cada vez mais baixos --- a dificuldade está em
determinar a dosagem. Quatro anos não foram suficientes para a
sociedade se desvincular da chamada "memória inflacionária".
Já há movimentos no sentido de reindexar a economia. Caso o governo
se deixe levar por essa tentação, será um desastre! Será o fim do
real e a consequente volta aos tempos que a maioria dos brasileiros
gostaria de esquecer. Qual o caminho que FHC vai escolher?
(Editorial publicado na Folha
do Taquaral na segunda quinzena de fevereiro de 1999)
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