Tuesday, August 14, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Memória inflacionária


Memória inflacionária


Pedro J. Bondaczuk


A chamada "memória inflacionária", a pseudodefesa adotada pelos empresários, trabalhadores e população, num passado ainda recente, representada pela indexação de preços e salários, permanece mais viva do que nunca no Brasil, apesar dos quatro anos de estabilidade que o País vive, desde a implantação do Plano Real. Este, frise-se, é um perigo muito maior para a economia brasileira do que a ação de especuladores --- internacionais e/ou nacionais (mais estes do que aqueles) --- com a consequente desvalorização da moeda em relação ao dólar.

Neste período de instabilidade, em pleno pico da crise, alguns espertalhões aproveitam-se do pânico (ou da desinformação, ou da excessiva ganância) de alguns, para obter vantagens que em circunstâncias normais não conseguiriam. A onda de boatos que tomou conta do País, por exemplo, no dia 29 de janeiro, sobre suposto confisco da poupança, provocou uma inusitada corrida aos bancos, dos que queriam evitar o dissabor sofrido no início do governo de Fernando Collor de Mello, em março de 1991. Tolice. O presidente Fernando Henrique Cardoso não seria insensato a ponto de lançar mão de um expediente como esse, por se tratar de suicídio político, além de aberração jurídica.

O fato de tantas pessoas acreditarem nessa bobagem, mostra, no entanto, o alto grau de falta de credibilidade (interna e externa) da atual equipe econômica. Um dos mecanismos que foram o cerne do sucesso do Plano Real, a desindexação, continua sendo a garantia de que o brasileiro não terá mais que conviver com taxas de inflação mensais de dois dígitos que, anualizadas, projetavam algo em torno de 5.000% para 1994, quando da implantação do novo modelo econômico. Portanto, não se pode deixar levar agora pela tentação da volta da correção monetária, ostensiva ou disfarçada, realimentadora da inflação.

A atual turbulência tende a passar. A tendência da cotação do dólar é de estabilizar-se em torno de R$ 1,60 ou pouco mais. Se o real estava, até janeiro, nitidamente sobrevalorizado, o preço do dólar, imposto pelo mercado, tão logo o Banco Central optou pela livre flutuação da moeda norte-americana, é que agora não condiz com a realidade dos fatos. Quem está apostando que ele continuará se valorizando, indefinidamente, vai arcar com grandes prejuízos.

Caso a economia permaneça desindexada, a inflação não terá fôlego para ir muito além dos 12%, no máximo, (previstos pelos pessimistas). Talvez nem chegue aos 7,78% projetados pelo governo aos técnicos do Fundo Monetário Internacional, que estão em Brasília, fazendo auditoria nas contas públicas brasileiras.

Todavia, a rigor, o País ainda conta com um índice de correção enrustido: o da "variação cambial", aplicado nas vendas a prazo de uma série de produtos e serviços, a maioria dos quais nada tem a ver com o dólar. É preciso que se combata, a ferro e fogo, esse resquício da "memória inflacionária", que pode pôr tudo a perder, caso venha a se generalizar.

O momento não é o de procurar culpados. É de cautela, de união, de colaboração, com cada qual fazendo a sua parte, para que o Brasil dobre este "Cabo da Boa Esperança" tempestuoso da globalização e saia fortalecido. O eleitorado expressou, claramente, nas urnas, sua confiança em Fernando Henrique Cardoso. O presidente foi reeleito por causa do compromisso que assumiu, de manutenção da estabilidade monetária. Será cobrado para honrar essa promessa e sabe disso. O atual abalo (aliás previsto interna e externamente), não significa (ainda) a falência do Plano Real.

Se o governo --- através dos seus três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário --- e os agentes econômicos fizerem sua parte, o País, posto que com enormes dificuldades e sofrimentos, conseguirá superar essa situação, com o mínimo de prejuízo social. Mas se os brasileiros se deixarem levar por pseudo soluções, por atitudes extremadas, que não funcionaram no passado e não têm a mínima chance de funcionar agora (entre as quais a volta desta aberração chamada de "correção monetária"), o que nos espera é o retrocesso, com todas suas dolorosas consequências.

(Editorial publicado na Folha do Taquaral na primeira quinzena de fevereiro de 1999)



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