Memória inflacionária
Pedro J. Bondaczuk
A chamada "memória
inflacionária", a pseudodefesa adotada pelos empresários,
trabalhadores e população, num passado ainda recente, representada
pela indexação de preços e salários, permanece mais viva do que
nunca no Brasil, apesar dos quatro anos de estabilidade que o País
vive, desde a implantação do Plano Real. Este, frise-se, é um
perigo muito maior para a economia brasileira do que a ação de
especuladores --- internacionais e/ou nacionais (mais estes do que
aqueles) --- com a consequente desvalorização da moeda em relação
ao dólar.
Neste período de
instabilidade, em pleno pico da crise, alguns espertalhões
aproveitam-se do pânico (ou da desinformação, ou da excessiva
ganância) de alguns, para obter vantagens que em circunstâncias
normais não conseguiriam. A onda de boatos que tomou conta do País,
por exemplo, no dia 29 de janeiro, sobre suposto confisco da
poupança, provocou uma inusitada corrida aos bancos, dos que queriam
evitar o dissabor sofrido no início do governo de Fernando Collor de
Mello, em março de 1991. Tolice. O presidente Fernando Henrique
Cardoso não seria insensato a ponto de lançar mão de um expediente
como esse, por se tratar de suicídio político, além de aberração
jurídica.
O fato de tantas pessoas
acreditarem nessa bobagem, mostra, no entanto, o alto grau de falta
de credibilidade (interna e externa) da atual equipe econômica. Um
dos mecanismos que foram o cerne do sucesso do Plano Real, a
desindexação, continua sendo a garantia de que o brasileiro não
terá mais que conviver com taxas de inflação mensais de dois
dígitos que, anualizadas, projetavam algo em torno de 5.000% para
1994, quando da implantação do novo modelo econômico. Portanto,
não se pode deixar levar agora pela tentação da volta da correção
monetária, ostensiva ou disfarçada, realimentadora da inflação.
A atual turbulência tende a
passar. A tendência da cotação do dólar é de estabilizar-se em
torno de R$ 1,60 ou pouco mais. Se o real estava, até janeiro,
nitidamente sobrevalorizado, o preço do dólar, imposto pelo
mercado, tão logo o Banco Central optou pela livre flutuação da
moeda norte-americana, é que agora não condiz com a realidade dos
fatos. Quem está apostando que ele continuará se valorizando,
indefinidamente, vai arcar com grandes prejuízos.
Caso a economia permaneça
desindexada, a inflação não terá fôlego para ir muito além dos
12%, no máximo, (previstos pelos pessimistas). Talvez nem chegue aos
7,78% projetados pelo governo aos técnicos do Fundo Monetário
Internacional, que estão em Brasília, fazendo auditoria nas contas
públicas brasileiras.
Todavia, a rigor, o País
ainda conta com um índice de correção enrustido: o da "variação
cambial", aplicado nas vendas a prazo de uma série de produtos
e serviços, a maioria dos quais nada tem a ver com o dólar. É
preciso que se combata, a ferro e fogo, esse resquício da "memória
inflacionária", que pode pôr tudo a perder, caso venha a se
generalizar.
O momento não é o de
procurar culpados. É de cautela, de união, de colaboração, com
cada qual fazendo a sua parte, para que o Brasil dobre este "Cabo
da Boa Esperança" tempestuoso da globalização e saia
fortalecido. O eleitorado expressou, claramente, nas urnas, sua
confiança em Fernando Henrique Cardoso. O presidente foi reeleito
por causa do compromisso que assumiu, de manutenção da estabilidade
monetária. Será cobrado para honrar essa promessa e sabe disso. O
atual abalo (aliás previsto interna e externamente), não significa
(ainda) a falência do Plano Real.
Se o governo --- através dos
seus três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário --- e os
agentes econômicos fizerem sua parte, o País, posto que com enormes
dificuldades e sofrimentos, conseguirá superar essa situação, com
o mínimo de prejuízo social. Mas se os brasileiros se deixarem
levar por pseudo soluções, por atitudes extremadas, que não
funcionaram no passado e não têm a mínima chance de funcionar
agora (entre as quais a volta desta aberração chamada de "correção
monetária"), o que nos espera é o retrocesso, com todas suas
dolorosas consequências.
(Editorial publicado na Folha
do Taquaral na primeira quinzena de fevereiro de 1999)
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