Tuesday, August 28, 2018

CRÔNICA DO DIA - Pavão talvez, gato jamais


Pavão talvez, gato nunca

Pedro J. Bondaczuk

A Literatura é uma dama caprichosa que exige, antes de tudo, dedicação plena”. Essa declaração, vou logo avisando, não é minha, embora eu concorde plenamente com ela. É do jornalista, escritor e tradutor baiano, Hélio Pólvora de Almeida, cuja vida e obra abordei, recentemente, no contexto de uma série de estudos que escrevi (e partilhei com vocês) sobre alguns dos principais ficcionistas da Bahia. E ele não está certo? Certíssimo!!! Só faltou acrescentar que essa tal “dama caprichosa” exige praticamente tudo de nós – cérebro, coração, corpo e alma – mas não nos garante nada em troca. Às vezes nos recompensa, mas... na maioria dos casos não dá a mínima para as nossas aspirações.
Tomo como exemplo específico o que ocorre comigo. Nos últimos trinta anos, venho me dedicando com afinco, com gana, com paixão à Literatura. É verdade que, até não faz muito, essa dedicação não era integral. Partilhava-a com o jornalismo. Afinal, preciso de dinheiro para viver. Quem não precisa? Agora, todavia, submeti-me à sua absoluta ditadura, aos seus caprichos que exigem irrestrita exclusividade. E qual o resultado disso? Nenhum! Ou quase nenhum! Refiro-me a resultados práticos, se não a ganhos materiais, como depósitos expressivos em minha raquítica conta bancária, pelo menos o reconhecimento, e já nem digo dos leitores, mais caprichosos e infiéis até do que essa “dama caprichosa”, mas, pelo menos, dos meus pares.
E olhem que venho agindo de forma a merecer alguma recompensa, por pífia que seja. Não se trata propriamente de vaidade, embora haja uma dose dela. Caramba! Sou humano! Tenho direito a um pouquinho que seja desse narcótico do espírito. Sou vaidoso, sim, mas creio que sem exagero. Aliás, minha vaidade, se não está satisfeita, tem tudo para estar. Foram dezenas as homenagens que recebi pelos meus textos, como medalhas, diplomas e troféus. Minha produção literária, inclusive, já foi utilizada para formulação de questões em pelo menos três vestibulares (é possível que até em mais), dos que tomei ciência. Foi usada, também, em concursos públicos o que, convenhamos, atesta, no mínimo, sua excelência. E o que ganhei em troca? Nada, a não ser a antipatia de alguns estudantes, dos que se deram mal nos exames, por não conseguirem interpretar minhas idéias. Estes que estudem mais, ora bolas!
Prefácios já escrevi às dezenas, tantos que até perdi a conta. Fui citado, nominalmente, em alguns livros, inclusive de autores de renome. “O que você quer mais?!”, perguntará, admirado e em tom ostensivo de reprovação aquele leitor chato (sempre existe algum), doido para assumir o papel de “árbitro do comportamento”, mas do alheio, claro, nunca do próprio. É como aquele macaco que ri do fato do rabo de outro símio estar despelado, sem atentar, todavia, que o seu está muito pior. O que quero é reconhecimento. O que quero é que meus livros vendam muito, não pelo tanto que essa venda possa me render em direitos autorais (embora isso não seja desprezível, ora bolas), mas para que minhas idéias cheguem, de fato, às mãos dos que se destinam: os leitores. E, claro, ao maior número possível deles. Por mais que eu me empenhe, porém, não é o que vem ocorrendo.
A “dama caprichosa”, que exige tanto de mim (na verdade exige tudo), teima em não me dar nada, absolutamente nada em troca. Por exemplo, eu que já escrevi sobre mais de um milhar de escritores (isso sem falar em artistas de outras artes, como compositores, pintores, escultores etc.), só pude ler três ou quatro análises já não digo da minha pessoa, mas da minha obra. E essa pretensão de ser avaliado não se trata de vaidade (pelo menos, não somente dela), mas de senso prático. Quanto mais escreverem a meu respeito, mais pessoas serão atraídas para os meus textos, o que é, em última instância, o que de fato desejo. Como qualquer escritor que se preze, não escrevo para o próprio deleite. Faço-o tendo em mente, invariavelmente, esse ditador cruel e caprichoso, mas que é o verdadeiro juiz da minha produção: o leitor.
Apesar dos pesares, não pretendo desistir. Aliás, não vou. Não sou masoquista, contudo não estou disposto a abrir mão dessa paixão, mesmo que ela signifique absoluta servidão a essa “caprichosa dama”. Sei que este desabafo pode soar (e a muitos, soará mesmo) como antipático, vaidosos etc.etc.etc. Estou me lixando para isso. Não abro mão de tratar meu leitor com transparência e verdade. Abomino a mentira e se desse a entender, mesmo que apenas através silêncio (afinal, quem cala, consente) que estou satisfeito com a atual situação, estaria faltando com a verdade. Prefiro, pois, ser visto como incorrigível “pavão” do que como um hipócrita “gato”..


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